Por: André Thomashausen
Vicente Ululu pertencia à ala anticapitalista ou africanista da Renamo.
Gostava de referir-se ao princípio de “justiça distributiva” inserido no programa político da
Renamo de 1981. Opunha-se a propostas de um alinhamento demasiado “apertado” da Renamo para com interesses portugueses.
Durante pelo menos duas décadas, pertenceu ao círculo mais íntimo de dirigentes da Renamo que tinham o acesso directo a Dhlakama, à sua confiança e amizade.
Assim, decisões fundamentais da Renamo, tal como a assinatura do Acordo de Roma (que por um fio não teria sido rubricado), ou a continuação da participação da Renamo nas primeiras eleições democráticas em 1994, beneficiaram da voz sempre calma e ponderada de Vicente Ululu.
Inteligente e idealista, Ululu caiu num estado de semi-depressão no dia da proclamação do resultado das eleições de 1994, quando Brazão Mazula, da forma mais arrogante e cega imaginável, rejeitou as queixas eleitorais da Renamo, unicamente com fundamentos formais e rebuscados em lógica artificial e burocrata.
Estávamos eu e o Vicente de regresso desta triste manifestação do estalinismo na política moçambicana.
Seguíamos no carro conduzido pelo motorista de Vicente Ululu.
Com as mãos trémulas e em silêncio. Pediu-me depois o cigarro que eu vinha fumando. Nunca tinha visto o Vicente fumar.
Inspirou o fumo do tabaco com os olhos fechados.
Vi as lágrimas correrem-lhe dos olhos, com aquela expressividade única dos macondes.
A cor do seu rosto tinha mudado para cinzento.
Agarrou a minha mão e não a largou. Com voz rouca disse: “Tanta maldade, tanta injustiça; vai condenar o futuro do nosso país“. Proféticas foram as suas palavras naquela noite de frustração.
Como europeu, senti profunda mágoa pela cobardia e oportunismo dos grandes senhores europeus da UNOMOZ.
Disse-me ainda Vicente Ululu naquele dia, quando me despedia dele, – Na minha tradição não posso regressar a casa derrotado.
E permaneceu naquele dia na casa de Dhlakama, insistindo em dormir debaixo de uma árvore no jardim.
Foste Grande, entre os grandes, Ululu, meu amigo, meu irmão.
Concluíste a caminhada nesta tua vida de sofrimento.
Que o teu espírito nunca abandone o povo moçambicano.
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*Adeus, irmão! Até à vista.
CANAL DE MOÇAMBIQUE- 19.03.2014