XIPALAPALA por João de Sousa
No tempo em que eu estava no activo, na empresa onde eu trabalhava e para a qual continuo a dar a minha colaboração, fazia-se com regularidade trimestral uma avaliação de desempenho. O meu chefe tinha de preencher uma ficha com um conjunto de dados relativos à qualidade do meu trabalho, dedicação, assiduidade, o meu grau de produção e de produtividade, enfim ... requisitos que me habilitavam a receber um bónus. Eram valores que variavam (se a memória não me atraiçoa) de zero a vinte pontos. De zero a nove significava desempenho negativo e, consequentemente, sem direito ao bónus de eficiência.
Quem ganhasse o bónus recebia um determinado valor monetário. Esta foi a forma encontrada para incentivar o trabalhador. Este bónus, por força de várias circunstâncias, morreu, como se costuma dizer, “de morte natural”.
Mas enquanto existiu, criou, de alguma forma, um espírito de competitividade. Os trabalhadores tentavam fazer o melhor que podiam. Aprimoravam na qualidade do seu trabalho. Mostravam-se zelosos, atenciosos, assíduos (coisa rara hoje em dia) e cumpridores. Falei no bónus de eficiência, porque acho que bem poderia ser aplicado a alguns dos deputados do nosso Parlamento.
Agora que muitos estão prestes a deixar o barco, seria necessário criar o mecanismo que permitisse avaliar o que é que estes senhores fizeram de positivo no período compreendido entre 2009 e 2014. Acredito que chegaríamos à conclusão que muitos deles não beneficiariam das regalias previstas no Estatuto de Previdência do Deputado. Estou convicto que se fosse feita (ainda vamos a tempo) uma correcta avaliação de desempenho de alguns dos nossos deputados, os tais que nós próprios elegemos como nossos representantes na “Casa do Povo” deixariam de ter uma reforma de luxo que vai desde isenções fiscais a facilidade de deslocação.
Alguns destes senhores que passaram a vida a sonecar nos cadeirões do Parlamento, a telefonar do interior da sala de sessões, a partir dos seus próprios telemóveis (muitos dos canais de televisão mostraram isso), provavelmente não teriam direito a subsídio de reintegração, isenção de direitos aduaneiros e outras imposições inerentes à importação de uma viatura para transporte próprio, livre trânsito nas instalações parlamentares e passaporte de serviço.
Estou consciente que a decisão de atribuir estas benesses resulta de pressões exercidas por antigos deputados que (lamentavelmente) entendem que após as funções devem continuar a manter o seu estatuto. A medida é vista como “dignidade que nós entendemos que deve ser dada aos antigos deputados da Assembleia da República”.
Tudo bem. Mas então onde fica o trabalhador honesto e cumpridor das suas tarefas no meio disto tudo? Será que esse trabalhador, que de sol a sol batalha para levar uns parcos meticais para casa, para poder dar uma côdea de pão aos seus filhos, não merece ser dignificado? Onde fica a dignidade do professor ou do médico. Alguém se lembrou de criar um mecanismo que permita dar dignidade a quem exerce com zelo, qualidade, empenho, dedicação e honestidade o seu trabalho?
Não pensaram porque se calhar essa não é a prioridade.
Prioridade é mamar na teta da vaca enquanto houver indícios da teta não secar. E o tempo de mamar (infelizmente) é este.
O AUTARCA – 29.04.2014