Os dados de Portugal sobre dupla nacionalidade não permitem oficializar a tendência, mas basta alguns contactos com candidatos ou juristas para concluir que é crescente o número de pedidos dos portugueses, pelo menos para Angola e Moçambique.
Os últimos dados oficiais de Portugal sobre dupla cidadania constam do Censos 2011, elaborado pelo Instituto Nacional de Estatística: existem em Portugal 210.218 pessoas, mais de metade das quais mulheres, que acumulam a nacionalidade portuguesa com uma outra.
Estes dados, contudo, não permitem saber qual a segunda nacionalidade destes portugueses, tão pouco qual é a primeira e a segunda nacionalidade.
Apesar de não se saber que percentagem destes portugueses tem nacionalidade angolana ou moçambicana, a jurista Yasmini Daudo não tem dúvidas: o desemprego em Portugal e as “ofertas de trabalho” e “boas condições de trabalho” oferecidas por Angola e Moçambique fizeram crescer “bastante” o número de pedidos, disse à Lusa a especialista em direito migratório, que trabalha para a firma PGC Advogados.
A página na internet da PGC Advogados é reveladora da tendência: há informação especificamente dirigida a quem pretende obter a nacionalidade angolana, moçambicana ou brasileira. Quatro décadas depois do início da descolonização, a crise inverteu os fluxos e valorizou a relação com as ex-colónias.
Obter essa outra cidadania é que já foi mais fácil. Nascida em Moçambique, em 1977, Yasmini Daudo veio viver para Portugal com pouco tempo de vida, acompanhando os pais, que fugiam da guerra. Quando o acordo de paz foi assinado, em 1992, os pais voltaram a Moçambique e actualizaram os documentos de identificação.
“Foi a sorte, porque permitiu aos filhos adquirirem a nacionalidade moçambicana”, relatou, aludindo às mudanças entretanto introduzidas, que dificultam os processos.
Por exemplo, as pessoas que regressaram a Angola na década de 1990 e primeiros anos do século XXI, não encontraram tantos obstáculos. “O número de processos era muito inferior, havia pouca gente a requerer a nacionalidade e a lei não era muito clara”, justificou.
Hoje em dia, Angola coloca “mais problemas”. Após a independência, em 1975, procedeu-se a uma “actualização das documentações”, mas muitas pessoas já haviam saído do país e não a fizeram.
“Muitas dessas pessoas têm estado a fazer os pedidos agora, passados trinta e tal anos, o que Angola não tem estado a aceitar”, explicou a jurista.
Em Moçambique, os obstáculos são outros. A Constituição de 1994 abriu a porta à dupla cidadania, antes não permitida, mas “muitas das conservatórias continuam a entender que não é possível”. Portanto, trata-se de “clarificar” a lei, para evitar “desentendimentos”, esclareceu.
A PGC Advogados recebe “cerca de 50 pedidos por mês, 40 são para Angola e 10 para Moçambique”, contabilizou, especificando que a maior parte dos requerentes “anda entre os 25 e os 35 anos”.
Porém, assinalou, está a crescer outra tendência, de gente “mais madura”, que tenta “adquirir a nacionalidade por causa dos filhos”, que querem sair de Portugal.
“Muitos dos clientes que nos procuram são pessoas que já estão reformadas, mas que nasceram lá. Eles não têm interesse nenhum em ir para Moçambique ou Angola para trabalhar, querem tratar da nacionalidade mais por causa dos filhos”, contou.
Yasmini Daudo lida com processos deste tipo há tempo suficiente para garantir que acontecem “mais por razões económicas” do que sentimentais. “A maior parte dos casos que nos pedem são pessoas que já têm oferta de trabalho em Angola ou Moçambique”, referiu.
A PGC Advogados começou por se especializar em nacionalidade portuguesa, mas, após “imensos pedidos”, alargou a esfera aos processos de nacionalidade angolana e moçambicana, recorrendo a parceiros locais. “Nós fazemos a ponte, não trabalhamos esses processos em Portugal, porque é impossível”, explicou.
Os processos de dupla nacionalidade “podem levar anos” e “cerca de 70, 75 por cento dos processos" têm sido indeferidos, contou.
"Há mais insucesso do que sucesso. Os casos bem sucedidos, em geral, são pessoas que têm a documentação actualizada ou netos de avó africana de origem”, adiantou, reconhecendo: “Muitas das vezes já nem sequer estamos a pegar nesses processos."
Além da morosidade, o processo “é caríssimo”, podendo atingir os “seis mil euros, independentemente da resposta”, contou, lembrando que “nem tudo funciona às claras” em Angola e Moçambique.
Por outro lado, a herança colonial continua a pesar sobre as relações diplomáticas. “É mais fácil, bastante mais simples, para um moçambicano ir para Angola ou vice-versa”, acrescentou.
LUSA – 24.04.2014