Lembro do dia em que o General Afonso Dhlakama regressou a Maputo, logo depois da assinatura dos acordos de Roma. Eu vivia no bairro de Hulene, arredores da cidade de Maputo e da minha casa ao Aeroporto Internacional de Mavalane, era uma caminhada de 10 minutos.
Quando anunciaram a sua chegada general, eu e tantos amigos meus de infância, nossos pais, tios, irmãos, vizinhos, entre outros, desloca-mos ao aeroporto para ver a figura que até aquela data era um mito. General, eu não cheguei a vê-lo por completo, era tanta gente que queria conhecê-lo. Eu vi, disso me lembro, os seus Óculos e quando voltei à casa, na discussão com meu irmão Arone, eu disse que tinha conseguido ver o brilho dos seus Óculos. Aquela imagem ainda vive na minha mente, nunca consegui apagá-la.
General, a sua chegada foi um alívio para mim e para tantos moçambicanos. Aqueles nossos vizinhos de ocasião, que eram resultado da guerra, tinham esperança de regressar as suas zonas de origem e isso alegrava-nos, pois passávamos noites em claro quando nos diziam que os “matsangas” estavam nas Mahotas. Não conseguíamos dormir, mas meu falecido pai dizia sempre que, quando a guerra chega a cidade capital é porque já está no seu fim.
General os anos subsequentes foram de PAZ, RECONSTRUÇÃO E RECONCILIAÇÃO, mais uma vez valeu aqui a iniciativa do meu falecido pai, que colou um cartaz com estes dizeres numa das paredes da sala. Anos depois, estava eu à caminho da escola quando ouvi amigos e vizinhos a dizerem que o general tinha prometido queimar o país em menos de 24 horas. Fiquei com medo, só não voltei à casa porque tinha o dever e a obrigação de ir à escola. Durante a noite, não havia outra conversa, eram as suas ameaças general, de queimar o país em 24 horas. Destas, seguiram-se outras tantas, até hoje.
General, hoje todos dizem que está em parte incerta e os seus acólitos, que era suposto limparem a sua imagem, continuam a sujá-la, porque afirmam que as ordens para os ataques, a intransigência da sua equipa negocial, bem como a inoperância dos seus deputados na Casa do Povo, são resultado das suas orientações. Como não acreditar nisso se desde Outubro que não dá as caras e não diz nada?
General, como é que durante 20 anos viveu e circulou no país e no mundo sem limitações de liberdade, decide desaparecer sem mais nem menos? Acha mesmo que se alguém lhe tirar a vida isso irá passar despercebido? Acha que o Estado quer lhe tirar a vida? No lugar de estar em “parte incerta” por que é que não pediu asilo numa das embaixadas aqui em Maputo de onde podia dialogar com o governo?
General, fiquei feliz e juro que acreditei nas suas palavras quando numa das suas últimas aparições disse que já não queria guerra, que tinha netos a cuidar e não queria passar o resto da sua vida no mato a combater quem quer que fosse. Eu fiquei feliz e aliviado. Hoje já não sei o que o General pensa, não sei se mudou de ideia e quer agora passar o resto da sua vida na Serra da Gorongosa.
Gostaria de pedir ao General para que desse a cara, viesse a Maputo para dialogar pessoalmente. Se quer escolta popular, tenho certeza de que o povo pode acompanhá-lo da parte incerta até Maputo para se encontrar com o chefe do Estado, para terminar com este clima. Se não acredita e não confia no Estado, então confia no povo para proteger a sua vida de modo que a dela também volte a ter segurança. Tenho certeza absoluta de que o povo pode acompanhá-lo da parte incerta até à capital para acabar com este clima insustentável.
General, eu não acho justo que apareçam “miúdos” a falar em seu nome, porque nunca precisou disso durante a sua vida política. Hoje tem n-porta-vozes, com discursos contraditórios e paradoxais, uns na Casa do Povo, outros no CCJC e outros nas ruas de Maputo, que vão se aproveitando da máquina que com suor criou para tirar dividendos políticos. Estes senhores que dizem admirá-lo são cínicos e frios. Eles passam noite em camas confortáveis, têm comida quente e médico à altura. E o senhor? Será que tem isso? Espero que tenha, porque estas pessoas são adultas para continuarem na sua mamadeira quando o senhor não tem lugar na sombra.
General, eu não sei por onde anda, posso até estar equivocado, mas desconfio que alguém se dedica à construção de teorias de conspiração contra si para o deixar nessa situação, e essa pessoa ou essas pessoas tiram dividendos disso, pode ter certeza. Por mais que o general esteja a dormir numa boa cama, tenha refeições quentes, não tem dignidade por estar a viver como um fugitivo, como um criminoso.
General, não acho justo que tenha dedicado a sua vida à causa nacional por mais de 30 anos e hoje decide abandonar suas conquistas. Será que sua equipe negocial tem maior capacidade que o senhor? Será que seus porta-vozes falam melhor que o senhor? Hoje o grupo de Maputo já capturou o seu braço militar, já dá ordens a este também e acho que este é o início de uma conspiração contra si, há quem dentro do seu partido não lhe quer.
General, o término do recenseamento é uma questão de dias e ainda não se registou. Seu partido vai participar, os membros estão a trabalhar nesse sentido e quem será o candidato do seu partido? Duvido muito que seus acólitos possam deixar de concorrer com a sua ausência, aliás, isso vai beneficiar-lhes, aqueles que já o querem fora para tomar o seu lugar tem uma sublime oportunidade para o fazer e o senhor vai ficar irrelevante.
General há muita gente dentro do seu partido que quer se livrar de si, o general sabe melhor que eu disso. Estas pessoas estão a fazer de tudo para não lhe dever mais nenhum favor, isso passa pela sua exclusão do processo eleitoral, isso passa pelo seu desaparecimento político.
General posso estar equivocado, enganado ou até a delirar, mas o seu silêncio e o seu desaparecimento me preocupam. Não sou membro da RENAMO, mas acho que o senhor não pode terminar como aquele mito da guerra de desestabilização. Logo o senhor que nunca teve barreiras para falar com ninguém neste país.
Prometo ir ao Aeroporto de Mavalane, ou a Terminal dos Transportes Interprovinciais mais conhecida por “Junta” ou Mesmo ao Porto de Maputo, para recebê-lo. Não me importo que os medos daquele ano voltem a tomar conta de mim, como naquele seu regresso depois dos Acordos de Roma, mas eu quero Paz.
Lázaro Bamo
JORNAL DOMINGO – 27.04.2014