Os portugueses que tudo deixaram nas antigas províncias ultramarinas esperam que o Governo lhes faça justiça e que calcule as indemnizações que lhes são devidas. O DIABO falou com Manuel Reis, Presidente da Associação dos Espoliados de Angola (AEANG), sobre esta situação que se arrasta há tempo demais.
O DIABO - Há quanto tempo a associação a que preside luta pelos espoliados?
Manuel Reis - Há mais de vinte anos que temos lutado pelas indemnizações pelos bens deixados em Angola, cujas relações de bens foram pedidas e entregues pelos espoliados ao Estado Português, em devido tempo, e estão à guarda do Instituto Camões.
É a partir dessas relações que esperam ser indemnizados...
O Estado pediu essas relações dos bens deixados com alguma finalidade. Quando os portugueses voltaram de Angola em 1975 entregaram-nas com essas esperança.
Estamos a falar de quantas pessoas?
Mais de 80 mil entregaram a relação de bens. Mas regressados de Angola são mais de meio milhão e de Moçambique são 300 mil.
Até hoje nada foi feito?
Não. Temos mantido reuniões com o Instituto Camões, e antes com o IPAD, mas até agora nada aconteceu.
Mas não foi criado um Grupo de Trabalho para o efeito?
Sim, o Grupo de Trabalho foi criado pelo Despacho Conjunto n.° 107/2005, de 4 de Janeiro, assinado pelo ministro das Finanças e da Administração Pública, pelo ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas e pelo ministro da Segurança Social, da Família e da Criança (publicado no Diário da República, II série n.° 24, em 3/02/05), com o objectivo de estudar e propor soluções para as questões pendentes relativas aos cidadãos portugueses residentes nos antigos territórios ultramarinos no período compreendido entre 25 de Abril de 1974 e a data de transferência de soberania para os novos Estados sucessores.
E o que aconteceu?
O Grupo de Trabalho deveria ser constituído por um representando dos Negócios Estrangeiros, um da Segurança Social e um das Finanças, que trabalhariam junto connosco. O problema é que nem sequer foram nomeados.
Qual tem sido a reacção da AEANG?
Temos insistido, com todos os governos. Tivemos reuniões com o Governo liderado por José Sócrates que nos prometeu que o ia pôr a funcionar, mas também nada fez.
E o actual Governo?
Temos mantido contactos e reuniões para que o Grupo de Trabalho seja nomeado e comece a trabalhar.
Qual o primeiro objectivo?
E necessário fazer o levantamento das relações feitas pelos portugueses regressados do Ultramar para calcular o valor das futuras indemnizações. É necessária uma base de onde se partir.
Acredita que a situação se pode agora resolver?
Sempre tivemos promessas, desde a criação do Grupo de Trabalho, em 2005. Os governos mudam e nós insistimos. Esta é a nossa luta e não perdemos a esperança que a justiça seja feita.
Para além do Governo têm tido outros contactos?
Sim, temos tido reuniões com os partidos com assento parlamentar.
Há alguém contra a vossa causa?
Não. Temos sempre sido recebidos por todos os partidos na Assembleia da República, da direita e esquerda, e acham justa a nossa luta.
E com o Presidente da República?
Temos pedido reuniões com o Presidente da República e com o Gabinete do primeiro--ministro, mas ainda não temos marcação.
Há outra associação de espoliados...
Há a Associação de Espoliados de Moçambique (AEMO), que luta conjuntamente pelas mesmas causas e com a qual temos boas relações. As reuniões com o Governo são sempre com as duas associações.
O que acha do termo "retornado"?
Foi um termo que não foi bem aplicado e tinha uma carga negativa socialmente. Hoje está diluído, não tem a mesma carga. Na altura era pejorativo, agora passaram 40 anos.
Acha que há hoje mais abertura para falar desse tema?
Hoje há mais abertura para o tema, há outra sensibilidade. Tanto nos jornais como também pelos inúmeros livros que têm sido lançados e falam sobre o que os portugueses que estavam no Ultramar sofreram por abandono do Governo da altura. Houve um tempo em que estava tudo muito caladinho...
Isso pode fazer pressão sobre o Governo?
Com certeza, entendemos que tudo o que a imprensa e a escrita refere nos é favorável.
Este ano completam-se 40 anos sobre o 25 de Abril. O que falta?
O MFA tinha os 3D, mas falta uma parte do D da descolonização, que é precisamente olhar e atender às reivindicações pacíficas e legítimas dos portugueses que residiam no antigo Ultramar. Há 40 anos que os portugueses esperam que seja feita justiça, que sejam indemnizados.
Acha que os mais jovens conhecem a tragédia dos espoliados?
Acho que não. A juventude de hoje não sabe o que aconteceu. Todo o êxodo dos portugueses e o seu sofrimento. Era importante ensinar isso nas escolas.
Mas há temas que hoje se prefere não falar...
Não devemos envergonhar-nos da nossa colonização. São tempos históricos que passaram e que aconteceram por vários países do mundo, como a França, a Inglaterra, os EUA e outros. Nós também fomos colonizados. Foi uma época histórica do mundo. Sempre houve colonizadores e países colonizados.
Há quem veja a colonização como algo negativo..,.
Há partes boas e partes más, mas muito do que se conta não é verdade. A colonização trouxe o desenvolvimento de todas as províncias ultramarinas
Sentia-se um invasor em Angola?
É evidente que não. Como disse, foi um período histórico. A promessa feita foi a de que Portugal ia do Minho a Timor. Os portugueses que estavam em Angola sentiam-se como se estivessem em Portugal.
Têm alguma exigência ao actual Governo de Angola?
As exigências do espoliados são em relação ao Governo português, não em relação às ex-colónias, porque tudo se passa antes das independências.
Consideram o recurso à via judicial?
Há espoliados de Angola que têm processos contra o Estado português em tribunal, mas não houve ainda qualquer resultado. Só num processo são 800 pessoas, mas há outros.
Qual é a posição da AEANG em relação a eles?
Nós lutamos por todos os que regressaram, tanto os que processaram o Estado como os não processaram. ■
O DIABO(Lisboa) – 22.04.2014