Domingos Mossela, da AIM, em Lisboa
O antigo Presidente moçambicano, Joaquim Chissano, lamentou esta quarta-feira, em Lisboa, o facto de a Renamo, principal partido da oposição em Moçambique e antigo movimento rebelde, insistir no uso da via das armas matando inocentes e destruindo bens privados como forma de forçar o Governo a ceder aquilo que em eleições democráticas não consegue.
Joaquim Chissano, um dos veteranos da luta de libertação contra o colonialismo português em Moçambique, falava numa entrevista conjunta concedida à AIM, em Lisboa, Agência Lusa e ao Diário de Notícias, à margem da conferência de dois dias sob o lema A Ditadura Portuguesa porque durou, porque acabou que terminou quarta-feira na Fundação Calouste Gulbenkian, na capital portuguesa.
Não obstante a abertura do Governo moçambicano ao diálogo, a ala militarista da Renamo, liderada por Afonso Dhlakama e instalada nas matas da Gorongosa, na província de Sofala, no centro do país, continua a perpetrar ataques contra as Forças de Defesa e Segurança (FDS) e populações indefesas.
O caso mais recente ocorreu terça-feira da semana corrente quando a Renamo matou dois militares das FDS, feriu cinco, incluindo um civil, em Nhaulunga, zona de Mucoza, a cerca de 10 quilómetros de Santugira.
Questionado sobre o ponto de situação da tensão militar no distrito da Gorongosa, o ex-Presidente da República admitiu a hipótese de Afonso Dhlakama ter alguma possibilidade de criar certa instabilidade nas populações mas não a capacidade de levar a cabo uma guerra.
Chissano defendeu a importância de manter a estabilidade política e a democracia no país, sublinhando que a própria Renamo já entendeu que é melhor participar em eleições, numa altura em que os moçambicanos elegeram o combate à pobreza como principal desafio.
Num claro desafio ao Governo moçambicano, Afonso Dhlakama ameaçou impedir as eleições gerais (legislativas e presidenciais) de 15 de Outubro deste ano, caso o seu partido (Renamo) não participe no escrutínio, numa entrevista divulgada esta quarta-feira pelo Jornal Canal de Moçambique.
Trata-se da primeira entrevista de Afonso Dhlakama nos últimos três meses, depois de ter falado a órgãos de comunicação social moçambicanos e estrangeiros, algures a partir da Serra da Gorongosa, onde se refugiou em Outubro de 2013, quando foi desalojado da sua base de Santugira pelo exército moçambicano.
Vários dirigentes do maior partido da oposição reiteraram que a Renamo vai participar no escrutínio, após ter boicotado as eleições autárquicas de 20 de Novembro passado, por discordar da lei eleitoral.
Eles (a Frelimo, partido no poder), estão a brincar, sem a Renamo a concorrer, não vai haver eleições. Eu asseguro. Se houver vontade do outro lado, vai haver eleições, nós estamos preparados, declarou Afonso Dhlakama.
Na semana passada, o porta-voz da Frelimo, Damião José, disse que as eleições seriam realizadas a 15 de Outubro, com ou sem a participação do principal partido da oposição.
Mas segundo Afonso Dhlakama, eles (a Frelimo) não podem fazer brincadeiras com as presidenciais e legislativas, não podem pensar que podem realizar as eleições sem a Renamo.
Sobre o impasse no diálogo entre a Renamo e o Governo, em torno do desarmamento do principal partido da oposição, o líder da Perdiz (símbolo da Renamo) reiterou a posição do seu partido de que os antigos guerrilheiros do movimento devem integrar todos os ramos das Forças de Defesa e Segurança.
Essas instituições do Estado, que são as forças de defesa e segurança não podem continuar partidarizadas. Mesmo a tal guarda da Renamo e do Dhlakama passarão para essas forças, afirmou Afonso Dhlakama, num discurso contraditório.
Comentando a entrevista de Afonso Dhlakama e partindo do princípio de que a paciência tem limites, o antigo Presidente da República disse que vai chegar um certo momento em que o Governo moçambicano vai dizer basta!... não vai dar mais espaços para exigências absurdas.
No âmbito da conferência A Ditadura Portuguesa porque durou, porque acabou, organizada a propósito dos 40 anos do 25 de Abril de 1974, Chissano foi um dos oradores do Painel V Testemunhos, no primeiro dia do evento, na terça-feira.
Na ocasião, o antigo Presidente apontou o apoio em meios humanos, material e financeiro dos países colonizados por Portugal, entre os quais Moçambique e Angola, como uma das razões que justificam a durabilidade do regime de ditadura em Portugal e de opressão nas colónias.
Na sua visão, a duração da ditadura portuguesa (48 anos) ficou também a dever-se à ausência de qualquer esforço na educação do povo, no fomentar do ódio tribal, à aliança entre Portugal e outros regimes coloniais em África e à criação do espantalho comunista, que garantiu o apoio do ocidente, sobretudo durante a guerra colonial.
Os régulos (chefes tribais) eram convocados e diziam-lhes: vêm aí os russos, vêm aí os comunistas. As vossas galinhas serão deles e as vossas mulheres serão deles, descreveu Chissano sobre o que classificou de mito do espantalho do comunismo manipulado pelo Estado Novo.
O antigo Presidente criticou igualmente o papel do clero nas colónias, sublinhando que, à data da independência de Moçambique, em 1975, só havia 12 padres africanos e nenhum bispo africano.
A Educação também falhou totalmente em relação ao africano. Em Moçambique a população era 95 por cento analfabeta na altura da independência, acrescentou.
Recordou que foi o primeiro negro da antiga província ultramarina de Moçambique a frequentar um liceu de brancos e criticou não só a segregação e o racismo do regime mas também a propaganda do Estado Novo sobre as teorias da lusofonia e do luso-tropicalismo.
Gilberto Freire (académico brasileiro) desenvolveu a complexa teoria de que esta civilização lusitana estava preparada em especial para conviver com outros povos e predestinada para a harmonia inter-racial, afirmou Chissano.
Para o antigo estadista moçambicano, a ditadura portuguesa caiu porque foi combatida pelos povos oprimidos, na metrópole e nas colónias onde se verificavam fortes movimentos nacionalistas, além do impacto da guerra colonial na economia de Portugal.
O impacto da guerra (1961-1974) fez-se sentir na economia portuguesa. As verbas foram aumentando ao longo da década 60. As baixas também aumentaram, apesar das autoridades não reconhecerem o número de mortos que a FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) estimava, afirmou.
Segundo Chissano, o Estado tinha de manter em permanência forças repressivas em São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Macau, Timor-Leste e na metrópole além dos três teatros de guerra em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau.
O país estava envolvido em guerras e a população estava pagando sem qualquer benefício. Calcula-se que em 1967 já se tinham registado baixas de 10 mil soldados, além de milhares de deserções, disse ainda Chissano sobre o desgaste da ditadura portuguesa.
Tentar perceber o que fez com que a ditadura durasse 48 anos foi o desafio da conferência apoiada pela RTP (Radio e Televisão Portuguesa), em que personalidades de várias áreas apontaram razões que justificam a duração do regime de ditadura portuguesa.
Entre os temas abordados, contam-se, entre outros, a caracterização do regime ditatorial e colonial português, o papel das suas instituições censura, polícia política (PIDE-DGS), aparelho de propaganda e de domesticação das mulheres, das Forças Armadas e da Igreja católica, o império colonial e as guerras coloniais, bem como a actuação das diversas oposições ao Estado Novo.
DM/SG
AIM – 24.04.2014
NOTA:
Há algo que não entendo e ainda ninguém me explicou: Porque eram em maior número os africanos moçambicanos integrados no Exército Português que os “guerrilheiros” da FRELIMO (inclusive que os oriundos da então metrópole) e aqueles se não rebelavam ou desertavam em massa com armas e bagagens? Seria por hipnose?
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE