Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
A unipolaridade prevista, mas jamais concretizada, mostra suas características e coloca os países do mundo em rota de colisão.
De uma maneira subtil, com acordos de armas intercontinentais, de mísseis-cruzeiro e outras, julgava-se que as potências haviam encontrado os meios adequados para se relacionarem e coabitarem. Foi um sonho de pouca dura, como se pode ver nos dias de hoje.
A soma de conflitos ditos marginais e de pouca consequência foi crescendo a olhos vistos. Perante um olhar habitual de dar pouca importância a conflitos acontecendo nos chamados países periféricos, alguma coisa recebeu tratamento diferente e, como se sabe, os países foram sofrendo de infiltração das chamadas forças extremistas e terroristas.
O combate ao terrorismo internacional de inspiração islâmica tem sido a principal preocupação ocidental liderada pelos EUA desde o fatídico 11 de Setembro.
Entretanto as condições para o surgimento de violência de inspiração política e económica não pararam de existir em outros quadrantes.
A situação actual é o corolário de uma visão estratégica que se tem revelado continuamente errada ao não acertar nas suas previsões e expectativas.
Quando se esperava avaliações com algum grau de fiabilidade, vê-se as potências mais influentes serem encontradas distraídas e impreparadas para lidar com os fenómenos sociopolíticos e económicos.
Combinar um alargamento da frente de intervenção, constituída por finanças em crise e intervenções cirúrgicas, para conter o avanço de agentes terroristas de inspiração islâmica ligada ou não à rede da Al Qaeda tem tido custos cada vez mais altos. Cada movimento ou tendência para a confrontação aberta junto de fronteiras de países produtores de petróleo lança o mundo no alvoroço com preços subindo e a crise aprofundando-se.
Nada mais se pode concluir senão que o falhanço da política externa dos países é uma realidade. Tanto os organismos multilaterais como a ONU mostram-se incapazes e impotentes para promover a coabitação pacífica entre os países. Os arranjos ou convénios destinados a regular as relações comerciais mostram-se formas de produção de relações injustas entre os países. Países muito desenvolvidos impondo agendas a países pobres cumprindo a sua agenda de produtores de matérias-primas.
Inúmeras conferências, fóruns como o de Davos, reuniões da Assembleia-Geral da ONU, cimeiras de organizações como a União Europeia, União Africana, da ASEAN, da América Latina, recomendações de destacados think-tanks, nada tem conseguido produzir os consensos pacificadores.
Numa reacção inesperada ou surpreendente, a Rússia avançou com a anexação da Crimeia, apanhando os países europeus e os EUA um tanto ou quanto desprevenidos. Qualquer passo em falso da NATO pode provocar um reacender de conflitos que caracterizavam os dias da Guerra Fria. A disposição das forças no terreno, a sua proximidade e potência de fogo criam uma preocupação legítima em todos. Ninguém se esquece de que as anteriores guerras mundiais começaram por questões pequenas, assassinatos e invasões. Há uma história que a qualquer momento se pode repetir.
A menção de “consequências” declaradas por Washington ou Bruxelas a uma suposta invasão russa à Ucrânia pode de facto ter consequências nefastas para os dois lados.
Se o factor nuclear joga o seu papel dissuasor, nada impede que armas convencionais sejam utilizadas e que um conflito comece e transborde das fronteiras ucranianas.
Há um estado de desespero latente, com a NATO obrigada a dar uma resposta que não conhece ou que teme. Moscovo joga com as cartas que tem e continua firme face à aparente fraqueza ocidental. Estamos numa situação perigosa, que não se antevê de fácil resolução.
As saídas existentes são concessões de parte a parte e sobretudo uma capacidade diplomática realista de jogar aberto e sem subterfúgios de grande potência.
Com toda a carga explosiva dos chamados conflitos de baixa intensidade ou guerras intramuros em países periféricos, com a expansão da frente de luta contra o terrorismo, com as pretensões territoriais da China, com o conflito entre as Coreias, potenciais secessões em África, guerras étnico-religiosas em África, o velho conflito no Médio-Oriente, o Iraque desestabilizado, o Afeganistão em guerra, o Paquistão em crise, a Índia em estado de conflito dormente com o Paquistão, só se pode dizer que a situação mundial se encontra cheia de perigos.
Urge encontrar uma liderança internacional.
É tempo de os Estados Unidos da América e a Rússia se empenharem numa cimeira ao mais alto nível, suficientemente preparada para que Obama e Putin assinem um acordo abrangente e inequívoco a favor da paz e da estabilidade na Europa.
Os compromissos internacionais de luta contra o terrorismo devem ser assegurados pelas potências respeitando a soberania dos países.
A chamada Nova Ordem Mundial deve ser consensual e não uma imposição de Washington.
Abertura nos mercados e regras de comércio internacionais não lesivas para uns e fontes de lucro para outros é uma exigência que não pode esperar tudo como uma forma de tornar mais suaves as relações entre os países. Uma Nova Ordem Mundial sem regras novas não faz qualquer sentido.
Neocolonizar África e compensar países que cooperem no travão da migração em direcção a Europa é adiar conflitos e não resolver problemas.
É esta amálgama de problemas regionais e internacionais que requerem tratamento hoje e não amanhã.
O interesse do complexo bélico industrial tanto ocidental como russo e chinês aponta para a defesa dos seus lucros e estes só aparecem com a venda de armas e uma corrida armamentista.
É tempo de parar os falcões, pois amanhã já poderá ser demasiado tarde. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 10.04.2014