O ANTIGO Presidente de Moçambique, Joaquim Chissano, criticou na terça-feira, em Lisboa, “o papel do clero” nas ex-colónias portuguesas, lembrando que, à data da independência, em 1975, “só havia 12 padres africanos” em Moçambique e nenhum “bispo africano”.
“A Educação também falhou totalmente em relação ao africano. Em Moçambique a população era 95 por cento analfabeta na altura da independência”, disse Chissano, em declarações reproduzidas ontem pela agência Lusa.
O ex-chefe de Estado de Moçambique participou na terça-feira, na conferência “A Ditadura Portuguesa – porque durou, porque acabou” que encerrou ontem na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
Na ocasião, Chissano recordou que foi o primeiro negro da antiga província ultramarina de Moçambique a frequentar um liceu de brancos e criticou não só a segregação e o racismo do regime colonial, como também a propaganda do Estado Novo sobre as teorias da lusofonia e do luso-tropicalismo.
Para o ex-chefe de Estado, a ditadura portuguesa caiu porque foi combatida pelos "povos oprimidos", na metrópole e nas colónias onde se verificavam “fortes” movimentos nacionalistas, além do impacto da guerra colonial na economia de Portugal.
“O impacto da guerra (1961-1974) fez-se sentir na economia portuguesa. As verbas foram aumentando ao longo da década de 60. As baixas também aumentaram, apesar das autoridades não reconhecerem o número de mortos que a Frelimo estimava”, afirmou.
Para Chissano, o Estado português tinha de manter em permanência “forças repressivas” em São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Macau, Timor-Leste e na metrópole além dos três teatros de guerra em Angola, Moçambique e Guiné. “Portugal estava envolvido em guerras e a população estava pagando sem qualquer benefício. Calcula-se que em 1967 já se tinham registado baixas de 10 mil soldados português, além de milhares de deserções”, disse ainda Chissano sobre o desgaste da ditadura portuguesa.
O ex-presidente de Moçambique falou ainda das celebrações do 25 de Abril em Portugal, considerando que elas devem servir para “passar as experiências” do passado às novas gerações, em nome do "progresso e do futuro". Elogiando o golpe militar de Abril de 1974 em Portugal, Chissano disse que ”gostaria de ver que todas as experiências fossem passadas para a juventude que precisa de saber o que se passou”.
Para Joaquim Chissano, a durabilidade da ditadura portuguesa (48 anos) ficou também a dever-se à ausência de qualquer esforço “na educação do povo”, no fomentar “do ódio tribal”, à aliança entre Portugal e outros regimes coloniais em África e à criação do “espantalho comunista”, que garantiu o apoio do ocidente, sobretudo durante a guerra colonial. “Os régulos (chefes tribais) eram convocados e diziam-lhes: ‘vêm aí os russos’, ‘vêm aí os comunistas’. ‘As vossas galinhas serão deles e as vossas mulheres serão deles’’”, relatou Chissano sobre o que chamou mito do “espantalho do comunismo” manipulado pelo Estado Novo.
NOTÍCIAS – 24.04.2014