Por Fernando Inácio Gil *
Na verdade, já nos não basta ter de receber delegações angolanas que, choramingando a cooperação portuguesa, concretamente unilateral, a têm como obrigação eterna, para que um Conselheiro da Revolução, o brigadeiro Franco Charais, vá ao Palácio da Ponta Vermelha em Lourenço Marques (provisoriamente Maputo) ouvir e, já que parece concordar, se possuído de um mínimo de decoro, calar-se em vez de se transformar em porta-voz das arrogâncias de Samora Machel.
Mais, pronto a transmitir ao seu, ao nosso Presidente da República recomendaçõesl
Textualmente, teria Franco Charais declarado à ANOP que «deverá recomendar (o itálico é nosso) ao Presidente da República e ao Conselho da Revolução novas negociações com o Governo moçambicano, negociações essas para as quais a equipa portuguesa deverá ser muito bem escolhida», pois que «os seus interlocutores fizeram-lhe notar nos últimos dias que não desejarão ter pela frente, à mesa das negociações, elementos ligados aos interesses económicos financeiros do anterior regime».
Será ou não, sr. Brigadeiro Franco Charais, que os interesses económicos do «anterior regime» se não traduzirão em bens pertença de Portugal e dos portugueses, qualquer que seja o regime que os governe?
Ou será que os bens dos portugueses, enquanto cidadãos, ou do Estado Português, poderão ser arbitrariamente alienados consoante os regimes vigentes, só porque adquiridos em regime diferente, mas na maior parte dos casos com o suor dos próprios ou o sacrifício do povo?
A «pesada herança» que o actual regime desbaratou não teria sido conseguida com o sacrifício do povo, desse mesmo povo, que, hoje mais sacrificado que nunca, continua a pagar os devaneios de quantos se alcandoraram a políticos e conselheiros?
Não esqueçamos ser obrigação de todo e qualquer Governo defender e acautelar os bens e interesses do Estado que serve e dos cidadãos que governa.
E é por isso que a Alemanha Federal, a Inglaterra, a França, a Espanha e outros países têm pressionado o Governo Português à indemnização do que foi espoliado aos respectivos Estados ou cidadãos. Recordo, a propósito, ter declarado Kart Cartens., presidente do Parlamento Alemão, quando em fins do ano passado esteve em Lisboa, dependerem os investimentos do seu país em Portugal da devolução ou justa indemnização dos bens nacionalizados, «pelo que pedimos uma solução rápida do problema».
Era uma atitude semelhante que gostaríamos de ver da parte do sr. Conselheiro Franco Charais e de muitos outros que com os actuais governos das ex-províncias ultramarinas têm contactado.
Como a que tomou, por exemplo, o ministro Álvaro Barreto, não só por dever de consciência, como por intrínseco patriotismo.
Tudo o mais é comungar da ideia de que o que «roubado» foi, «roubado» está.
E, sendo a visita de Franco Charais rotulada de particular, também não entendemos como dela possam resultar atitudes públicas, tão políticas, como a da apresentação de recomendações (não confundir com cumprimentos) ao Conselho da Revolução e ao Presidente da República.
E, quando o brigadeiro Franco Charais nos diz ter Samora Machel afirmado não poder Moçambique (de Samora Machel, entenda-se) ficar a espera da melhoria das relações com Portugal para a concretização de diversos projectos recorrendo por isso a cooperantes e organismos de outros países, mais aliviado se deve sentir o Povo português.
Pois já não pagará subsídios de férias e Natal a mais cooperantes, como acontece com os professores a enviar para Angola.
Pois já não construirá mais casas (que aqui fazem tanta falta) para cooperantes, como acontecerá na Guiné-Bissau.
Pois deixará de haver mais portugueses a serem arbitrariamente presos.
Pois já não haverá a necessidade de fazer calar os verdadeiros patriotas angolanos, guinéus ou moçambicanos!
Já não haverá pois recomendações a fazer, apenas atitudes a tomar.
*Membro Directivo da Associação Projecto I
Jornal Novo – 02.08.1978