Por: Noé Nhantumbo
Fim do regime suscita apetites, golpes de rins e ofensivas
Não é que a sociedade civil moçambicana nada esteja a fazer para honrar e dignificar o seu nome e postura. Não é que a oposição política não esteja funcionando e trazendo a público as suas preocupações e projectos. Não é que o país não esteja andando ou progredindo em determinados sectores. Não é que tudo o que o poder do dia esteja fazendo seja completamente mal feito.
Mas não se pode dizer que o país está nos carris e que tudo esteja “nos conformes”…
Há uma certa paralisia na esfera política, dado o contínuo impasse no Centro de Conferências “Joaquim Chissano”.
Há suspeitas fundamentadas de que as manobras dilatórias protagonizadas pelos interlocutores naquele fórum tenham como objectivo final o adiamento dos pleitos eleitorais, e desta forma prolongar a permanência no poder da actual equipa.
Parece que estamos suspensos numa ponte frágil, prontos para uma queda fatal.
A teimosia e o apego ao poder de certas personalidades é uma receita perigosa para o país. Armados de legitimidade conferida pelo facto de serem o Governo do dia, advogam saídas para uma crise, que consome recursos e fragiliza o tecido nacional, de todo inaceitáveis para a larga maioria dos moçambicanos.
Convém ter olhos de ver quando se lançam ofensivas públicas de tornar os outros em demónios. Encomendam-se caixões para uns, enquanto se adquirem jactos executivos para outros.
Num autêntico golpe de rins estratégico, convocam-se marchas até bem-intencionadas, visando reclamar ou protestar contra regalias e mordomias de PRs e deputados.
“Virar o feitiço contra o feiticeiro” é um bico-de-obra de difícil realização, mas as tentativas não pararão por aqui. Com êxito ou sem êxito, a sociedade civil da capital do país vem-se mostrando interventiva, copiando em certa medida comportamentos e procedimentos similares de outras latitudes.
Mas na senda do protagonismo e da oposição a determinadas decisões ou deliberações da Assembleia da República e do Governo importa não perder de vista aspectos fundamentais da governação, suas implicações e consequências.
Vem isto a propósito da incapacidade de todo um pacote de dívidas assumidas pelo Governo sem consulta nem aprovação parlamentar.
A sociedade civil ainda não terá reparado que o Governo está hipotecando o país a médio e longo prazo? Os partidos políticos moçambicanos estão distraídos e são ignorantes quando se trata de verificar e aferir a viabilidade de decisões vinculativas tomadas pelo Governo na esfera financeira?
Enquanto, por exemplo, a Embaixada da Suécia em Maputo ainda pergunta pela EMATUM, para a maioria dos moçambicanos, seus partidos e líderes é assunto esquecido, facto consumado?
Quanto custaram os aviões de guerra adquiridos em segunda mão? Foram apreendidos pelo Governo da Alemanha, e depois o que aconteceu? Que fez o ministro dos Negócios Estrangeiros de Moçambique para recuperar equipamentos pertencentes a Moçambique?
Afinal que cooperação existe entre a Alemanha e Moçambique?
Os grandes dossiers do sector de minerais e energia, que foram sendo tratados sigilosamente pelo Governo, jamais encontraram uma resposta efectiva da sociedade civil.
Quando instituições como o IESE e o CIP investigam e trazem a público conclusões de extrema importância para a redução da dívida moçambicana, para o acerto de contas e adopção de procedimentos consentâneos com os preceitos de boa-governação e austeridade, quem os escuta?
Quem aprende com o que dizem? Deputados improdutivos e declamadores de poesia elogiosa a líderes empurram o país para o abismo através do seu comportamento vergonhoso. No lugar de fazerem da AR a “Casa do Povo”, transformaram-se em vampiros sugando o sangue dos seus concidadãos. É deplorável, triste, vergonhoso que uma minoria se tenha afastado tanto das suas proclamações pré-eleitoralistas.
Saudar marchas da sociedade civil, mesmo que seja visível algum grau de infiltração por agentes estranhos às causas advogadas, não deve significar que nos calemos face a uma estratégia bem definida de depauperar o Estado e os seus recursos.
Há uma manifesta agenda secreta de endividamento do país que nada tem de estratégico.
Gente de escrúpulos duvidosos e suspeitos está disposta a continuar assinando acordos e contratos de contrapartidas também duvidosas.
Quem vende ao desbarato o que o país possui deve ser chamado ao parlamento para, de maneira rigorosa, explicar os contornos de negócios que lesam a pátria. Não se pode brincar às manifestações e esquecer que, enquanto se manifesta, existem agentes activos cimentando a sua posição em parcerias público-privadas de interesse estranho e suspeito.
Quem autoriza garantias de dívidas de empresas de dimensão e missão desconhecida e aparentemente secreta deve ser questionado pelos representantes do povo, porque ser titular de cargo público não dá direito à posição de proprietário do país e dos seus recursos.
Não se deve brincar com assuntos de Estado e deixar que os abutres tomem conta da agenda nacional.
Os brilharetes que as marchas possam trazer para a arena pública são importantes, mas os ataques à depredação dos recursos nacionais devem ser mais acutilantes e demolidores.
Quem se propõe a endividar as gerações de hoje e as vindouras deve ser travado com decisão e profundidade.
Moçambique não é uma ONG nem um partido político.
Não somos filhos de fundações de cariz filantrópico nem queremos viver de caridade. Não queremos esmolas nem camisetas comemorativas.
Queremos dignidade, justiça e acesso ao país que nos pertence.
Ao Governo só exigimos que desbloqueie as “negociações” que andam a passo de camaleão.
Criar as condições adequadas para que o povo participe em eleições livres, justas e transparentes deve ser a prioridade do momento.
Os argumentos repetidamente apresentados, alegando inconstitucionalidade e quejandos sobre assuntos sobejamente conhecidos e diagnosticados, são de conveniência e um exercício de autoprotecção.
Canal de Moçambique – 21.05.2014