O coronel Jan Breytenbach era um dos mais condecorados oficiais das forças de defesa e segurança do regime de apartheid, que fez da África do Sul um imenso campo de concentração. O famoso Batalhão Búfalo foi criado e treinado por ele, na faixa de Caprivi.
Os cabos e “flechas” da UNITA passaram-lhe pelas mãos até serem promovidos a oficiais. Um dia ele descobriu que a guerra de Savimbi tinha apenas um fim: roubar os diamantes de Angola, dizimar elefantes e rinocerontes para o contrabando de marfim e devastar o último reduto da savana africana, para roubar madeiras preciosas.
Jan Breytenbach publicou um livro onde denuncia aquele que deve ser o mais grave crime ambiental que alguma vez foi cometido no mundo. A obra tem o título “Eden’s Exiles” e o subtítulo “Onesoldier’sfight for Paradise”. O velho oficial fala de exilados do Eden e descreveu em centenas de páginas a luta de um soldado pelo paraíso.
O paraíso era o Cuando Cubango, último reduto da savana virgem africana. O velho soldado descobriu que Savimbi era um peão dos sul-africanos no tráfico de diamantes e marfim (páginas 247 a 351). Mas também de madeiras preciosas, sobretudo Girassonde. Isto ainda é pouco: a Jamba também era o centro de um esquema de tráfico de droga (mandrax) que vinha de Lusaka e era depois distribuída para toda a África e mercados da Europa, EUA e Oriente.
O tráfico de marfim foi denunciado alguns anos antes da publicação do livro de Breytenbach, pela Environmentand Animal Welfare que entregou um relatório inquietante à Comissão do Ambiente da Câmara dos Representantes dos EUA. O documento responsabilizava Savimbi e oficiais sul-africanos de alta patente por gravíssimos atentados ambientais no Cuando Cubango. Craig Van Note, da organização, foi chamado a depor e confirmou todo o conteúdo do relatório.
Mas acrescentou este ponto: “as forças rebeldes angolanas da UNITA de Jonas Savimbi, apoiadas pela África do Sul, liquidaram 100.000 elefantes para ajudar a financiar a guerra”.
A Environmentand Animal Welfare explicou que o contrabando de marfim se fazia através da faixa de Caprivi num esquema montado por oficiais das forças de defesa e segurança da África do Sul. O coronel Breytenbach foi directamente ao assunto: “descobri que oficiais das SADF estavam implicados numa máfia que contrabandeava dentes de elefante e rinoceronte, diamantes, madeira e droga”. Os russos e cubanos afinal tinham tromba, brilhavam e alucinavam.
Elefantes e rinocerontes
Breytenbach localiza a Jamba: “a sede de Savimbi estava num lugar chamado Jamba, um pequeno acampamento 15 quilómetros a sul do rio Luiana”. O velho coronel não o diz, mas convém esclarecer que Luiana era um posto administrativo da era colonial e existia apenas para marcar a soberania portuguesa.
Quando o MPLA lançou a guerra na Frente Leste, o posto de Luiana foi guarnecido com um pelotão do exército português. E foi construída uma pista onde aterravam os famosos aviões Nord Atlas popularmente conhecidos por “barriga de jinguba”. Savimbi conheceu a zona através dos “flechas” da PIDE e dos pilotos de helicópteros sul-africanos que aterravam na sua pista, quando regressavam das operações com as tropas especiais portuguesas: comandos e pára-quedistas.
“Savimbi usava estas áreas como terreno privado de caça para si e seus amigos, especialmente políticos estrangeiros que podiam ajudá-lo na sua guerra contra o MPLA”, escreve o coronel Breytenbach. O paraíso começou a transformar-se num inferno para elefantes e rinocerontes. Mais de 90 por cento dos efectivos destas espécies foram dizimados. Estamos a falar dos raros “Cobiense”.
“Savimbi começou a disparar sobre estas duas espécies de forma organizada. As presas dos elefantes e os chifres dos rinocerontes foram armazenados na Jamba, enquanto ele foi procurando uma forma de exportar o saque para o Extremo Oriente, especialmente Hong Kong. Para isso foi necessário organizar a máfia.
Sempre a mentira
Fred Bridgeland, no seu livro “Savimbi: a chave para África”, escreveu que o chefe da UNITA tinha que pagar a ajuda sul-africana com diamantes e marfim. Uma mentira que o coronel Breytenbach não deixa passar: “o apoio da inteligência militar a Savimbi, em 1986/1987, totalizou 400 milhões de rands. Sei também que com este dinheiro os sul-africanos compraram praticamente todo o combustível, material de guerra e o fardamento. O dinheiro para apoiar a UNITA saiu dos bolsos dos contribuintes sul-africanos”. Savimbi sempre foi um mentiroso compulsivo. E passou a doença aos seus homens.
Ninguém pense que Ian Breytenbach fala por despeito. Ele explica o que o moveu: “sou a favor de uma guerra justa, mas tenho grande dificuldade em conciliar a justeza da guerra com a destruição do último reduto da savana africana”. Mais esta passagem do livro: “destruíram a savana africana do Cuando Cubango a troco das precárias liberdades prometidas por Savimbi, que não é seguido por pelo menos 80 por cento dos angolanos. Na minha forma de pensar isto é totalmente desprezível e uma ofensa contra a Criação de Deus”.
O cheiro do contrabando
Savimbi conseguiu colocar o marfim em Hong Kong, os diamantes em Pretória ou na Europa e a madeira preciosa na Namíbia, através de um esquema mafioso que incluiu oficiais das forças de defesa e segurança da África do Sul, os turistas da Jamba, os seus “embaixadores”, entre os quais Sakala e Samakuva, e portugueses que fugiram de Angola no 25 de Abril de 1974, entre os quais agentes e inspectores da PIDE/DGS.
O biólogo Manie Grobler, gestor de parques naturais da Namíbia, um dia foi ter com o coronel Ian Breytenbach e deu-lhe conhecimento da existência de tráfico de dentes de elefante e chifres de rinoceronte, além de madeiras preciosas, sobretudo Girassonde. O velho coronel estava nas altas esferas militares da África do Sul mas nada sabia: “perguntou-me se eu tinha conhecimento da existência de marfim com o valor de muitos milhões de rands, num aeródromo de Caprivi. Eu não tinha conhecimento de um valor tão grande. Mas Manie Grobler foi informado por um piloto civil que ia buscar o marfim para a Inteligência Militar”.
Ian Breytenbach investigou e descobriu que o marfim pertencia aos stocks da UNITA e saía da região numa pista em Bwabwata. Manie Grobler uns dias depois foi ameaçado de ser saneado se voltasse a falar de marfim, madeira e diamantes.
“Comecei a fazer perguntas e a juntar factos. A imagem que gradualmente começou a surgir era muito feia e inacreditável. Nem no meu pior pesadelo eu podia ter imaginado que oficiais da SADF se tinham envolvido em algo digno da máfia”.
Mafiosos matam
O padrinho da máfia era um comerciante português, Arlindo Manuel Maia, dono de uma empresa de transportes em Joanesburgo e com “filial” no Rundu. Outro mafioso era José Francisco Lopes, comerciante no Rundu e tido como multimilionário.
“A inteligência sul-africana criou uma organização, a InterFrama, para transportar material de guerra para a UNITA. No regresso os camiões traziam madeira e marfim”, escreve Breytenbach. Milhões de toneladas de madeira foram roubados de Angola durante a guerra.
“As árvores eram derrubadas em Angola e serradas em tábuas numa serração pertencente à InterFrama, em Bwabwata, no ocidente de Caprivi”, escreve o coronel.
O marfim era vendido a um comerciante de Hong Kong perito em violar as sanções que foram impostas ao regime de apartheid da África do Sul.
Tráfico de droga
A Lei do Segredo de Estado de Pretória protegia estes negócios. Mas Savimbi e os seus cabos tornaram-se demasiado ambiciosos e acrescentaram ao contrabando de marfim, diamantes e madeira, o tráfico de droga.
Ian Breytenbach escreve: “um comerciante português em Katima, Zâmbia, começou a canalizar para a Jamba mandrax que vinha de Lusaka”. Em breve o negócio da droga atingiu níveis “industriais”. A Jamba era o armazém central do Mandrax. Começa a perceber-se tanta alucinação de Savimbi e dos seus cabos. Os paraísos artificiais têm o condão de eliminar as diferenças entre a verdade e a mentira.
A Jamba tinha um sinaleiro para disfarçar a verdade: era o centro nevrálgico do tráfico de marfim, diamantes, madeiras preciosas e droga!
Hoje a direcção da UNITA engana os angolanos dizendo que Savimbi protegia os elefantes e a Natureza. Milhões de árvores foram derrubadas nas savanas do Cuando Cubango para traficar madeira. Uma catástrofe ambiental sem precedentes e que ficou sem castigo.
Jornal de Angola – 22/05/2014.