por Maria Isabel Silva (Grupo dos Amigos da Gorongosa)
Quando da viagem recente a Moçambique, foi-me solicitado que levasse dois pares de óculos, que constituíam uma oferta para dois funcionários do Parque Nacional da Gorongosa, bem como uma coleção de referência e aferição, para lentes de ver ao perto, a qual deveria ser entregue à Senhora enfermeira Antónia Ferrão, de forma que esta pudesse avaliar as necessidades dos utentes do posto médico e, dessa forma, suprir a dificuldade de acesso a um oftalmologista.
Da comunicação então estabelecida, com Manuel Nunes Monteiro (Óptica Titã), com vista a acertar os pormenores da entrega deste material, chamou-me à atenção um comentário em que ele lamentava que uma das prescrições de óculos tivesse mais de três anos….
Uma vez entregue a encomenda, correu veloz, entre os funcionários do Parque, a notícia de que a Senhora enfermeira Antónia Ferrão tinha condições para realizar a “consulta para os óculos”, e de que haveria uma possibilidade de oferta dos mesmos, através de um Amigo, em Portugal.
Rapidamente, e em grande número, os interessados acorreram ao posto de enfermagem, irrepreensíveis na sua apresentação, a sublinhar a relevância marcante do momento, “…sim, que isto da consulta para óculos era assunto sério e há muito esperado!”
Com a sua natural autoridade e recurso às novas ferramentas de trabalho, a Senhora enfermeira Antónia Ferrão observava pausada e meticulosamente cada um dos interessados, tomando nota do nome, a idade, as dioptrias de cada um e a distância entre pupilas, tudo isto devidamente anotado num rectângulo de papel carimbado, onde se lia, Ministério da Saúde, Posto médico de Chitengo, Gorongosa. Mediante a entrega da respetiva prescrição autenticada, seguia-se o registo da fotografia e a recolha de algumas notas justificativas da necessidade sentida por cada um. Estes relatos eram circunstanciados, transcendendo, em muito as questões inerentes às dificuldades de visão. O momento era por demais importante, e a raridade da promessa de um par de óculos, suscitava a narração da história de vida.
Tornava-se difícil parar o fluxo de pedidos de ajuda, que depressa atingiu as quatro dezenas, o que não abalou a bonomia e a generosidade de Manuel Monteiro, que a todos reiterou a sua oferta.
Os pedidos foram então cuidadosamente organizados, constituindo um ficheiro, que foi minuciosamente escrutinado por Manuel Monteiro, na busca da identidade de cada um, muito para além das questões de ordem prática. Importava realçar a personalidade, conferir a cada rosto os traços de carácter que transpareciam do olhar. Trabalho exemplar, de minucia e extrema dedicação, por parte de alguém que quer realmente ajudar o outro, dando-lhe com simplicidade, o melhor de si mesmo. Para que esse alguém saiba que em Portugal conta com um Amigo.
Aproveitando de uma outra deslocação, com destino à Gorongosa, os óculos chegaram aos respectivos destinatários. As entregas foram assinaladas com o envio de fotos de retorno, como que a comprovar a felicidade e a gratidão mal contidas num sorriso, ainda surpreso perante a tão sonhada oferta. Os óculos assentavam-lhes na perfeição!
Para aquelas pessoas, este gesto encerrava o superar da dificuldade da falta de recursos, para consultar um oftalmologista, a incomensurável distância até a um hospital, a incerteza de se obter consulta, a espera por melhores dias, que tardavam, na obtenção de meios para adquirir um par de óculos, haja em vista a prescrição com mais de três anos…
Para o Manuel, atrevo-me a dizer que o significado deste gesto será certamente de uma escala de grandeza intima, que apenas cada um sabe e pode aferir.
As carências e as dificuldades do dia a dia das pessoas, na Gorongosa, são imensas e de vária ordem. Quem sabe da parte do Grupo de Amigos, não haverá quem esteja disposto a gestos que, como este, fazem a diferença…
(Na foto um dos felizardos)