Rabiscos de Aurélio Magalhães
Durante a construção da linha férrea que ligava a cidade de Quelimane à Mocuba, um acidente no apeadeiro 49 tirou a vida a um dos trabalhadores que a preço de sangue contribuíram com suas vidas para a sua construção. Com essa morte, Watate se viu só no mundo, impulsionado pelo remorso o branco responsável pelas obras levou Watate, filho do defunto trabalhador consigo para evitar que o garoto órfão fica-se desamparado, e foi assim que, Watate aprendeu a língua dos brancos e passou a viver na cidade de Quelimane. Quando o patrão Martins o levou para Quelimane, Watate tinha apenas 11 anos, e tudo o que queria na altura era regressar ao seu povoado, não queria viver com aquela gente estranha, que o olhava com curiosidade. Na casa do senhor Martins no bairro da sagrada família, em Quelimane tudo era diferente, e não havia a alegria da sua terra, as crianças não se sentavam a volta da fogueira, a ouvir histórias e nem brincavam ate altas horas da noite. Na casa do branco Martins Watate e os dois filhos do senhor Martins e da dona Ilda tinham que tomar banho todos os dias, comer sentados a mesa e eram obrigados a recolher para à cama ainda cedo no inicio da noite, hábitos novos que o deixavam perplexo visto que na cidade, diferentemente da sua aldeia, não havia animais bravios, nem cobras que podiam pôr em risco a segurança das crianças, não via o motivo de se privar as crianças da alegria de brincar, de rebolar na areia e de comer livremente e a fartura, isso entristecia-o e levava-o a sentir saudades da sua longínqua terra, onde as noites eram de festa, de cantos e de dança, as crianças comiam carne assada na brasa acompanhada de mandioca Fernando boa, tenra e gostosa, não tinha que tomar banho todos dias, não tinham que se sentar a mesa com rigidez e disciplina para comer.
Quando o secretário do bairro apareceu e deu ordens para branco ir embora para sua terra, Watate já feito homem também arrumou a sua tralha e regressou ao interior da Zambézia sua terra natal. Hoje com cerca de 80 anos de idade e rodeados de netos e bisnetos, tem dificuldades de explicar que o seu Pai morreu na construção da linha férrea que ligava Quelimane à Mocuba, os seus netos e bisnetos acham que ele esta caduco que ultimamente fala de coisas que eles não percebem.
- o que é linha férrea vovô?
-linha férrea meus netos é uma estrada de ferro, as crianças que já ouviram esta explicação muitas vezes desatam as gargalhadas. Como pode existir uma estrada de ferro, o vôvo esta cada vez pior.
- o que é comboio vovô?
- Comboio meus netos é como um camião de ferro grande que só pode andar na linha férrea, Watate, incansável vai procurando palavras para explicar aos seus netos que o comboio passava ali a escassos metros das suas casas mas sem sucesso pois a criançada acha que ele esta caduco.
Watate que mal consegue se por em pé e andar, esta decidido a provar a todas crianças da aldeia que ele não esta maluco que ele vira com os seus olhos um comboio a andar na linha férrea, ira levar as crianças para verem a linha férrea, será a única forma para provar que não esta louco.
O que Watate não sabe é que a linha férrea, a qual seu pai e muitos outros zambezianos deram vida por ela já não existe, que o governo tomou a sabia decisão de desmantelar e vende-la, e que neste momento a mesma linha férrea que ligava Quelimane à Mocuba esta a servir ao comboio que liga Pequim à Xangai na China.
DIÁRIO DA ZAMBÉZIA – 26.06.2014