Vicente Zacarias Ululu tinha 17 anos quando aderiu à Frelimo em Setembro de 1963. Natural de Nangololo, aí estudou numa Misssão Católica, transitando depois para o Seminário Pio XII de Mariri. Prosseguiu os estudos em Dar es Salam, mas a dissidência no seio da Frelimo, decorrente da morte de Filipe Magaia em 1966, leva guerrilheiros a abandonar a Frente, procurando refúgio no Quénia. Ululu integra o grupo de refugiados. Anos depois, moçambicanos de outras dissidências na Frelimo encontrariam acolhimento nesse país.
Com o surgimento da Resistência Nacional Moçambicana em 1976, a comunidade moçambicana exilada no Quénia mostra interesse em colaborar com o movimento que se propunha lutar por uma ordem democrática em Moçambique. Armando Khembo dos Santos e Francisco Nota Moisés contam-se entre os primeiros que contactaram a Voz da África Livre, que transmitia então a partir da Rodésia. Factores vários, fundamentalmente a escassez de recursos – e também a falta de uma capital africana viável – não permitiriam a concretização imediata desse ideal.
Tudo se alteraria em princípios de 1982 quando o novo presidente da Renamo convidou os moçambicanos exilados no Quénia para um encontro em casa de Orlando Cristina em Wallmansthal , na África do Sul, que é onde também está instalada a Voz da África Livre. Para além de Khembo dos Santos e Francisco Nota Moisés, reúnem-se com a Renamo em território sul-africano Vicente Zacarias Ululu e Fanuel Mahluza. Um reencontro, afinal, com aqueles que no terreno se haviam afirmado como líderes efectivos de um movimento nascido do nada. O ascendente exercido pelos que comandam lutas político-militares não é um "fenómeno Renamo". A própria Frelimo por ele passou, estancando-a à nascença, quando a direcção do movimento em Dar es Salam se apercebe da preponderância que os militares de Magaia estavam a adquirir. Na Renamo não se operou esse «estancamento» – por não existir o mesmo poder paralelo de que nos fala a Frelimo na sua história, sempre cripticamente contada.
Porventura, a realidade encontrada pelos exilados que se reúnem com a Renamo em 1982, e aos quais dezenas de outros na Europa e nos Estados Unidos se vão juntar, explique o facto de terem sido poucos os que no fim permaneceram. As distâncias, o isolamento, as idades, as famílias constituídas e a sustentar, e até mesmo as velhas disputas e quezílias típicas do exílio, podem ser explicações para uma mesma situação. Outros houve que pretenderam ressuscitar no seio da Renamo disputas xenófobas, étnicas e elitistas que haviam tido com a direcção da Frelimo. Por opção própria, Vicente Zacarias Ululu foi dos que permaneceu. Até ao fim.
Mas este esforço da Renamo em acolher no seu seio moçambicanos na diáspora para que reforcem e representem a sua causa, uma causa que é também deles e todos certamente vêem nela o veículo que os levará de regresso e em segurança à «Pátria Amada», vai chocar com outros interesses em jogo. Interesses fáceis de interpretar: O Ocidente quer uma África Austral do «Mundo Livre», pois «esta zona é nossa». Isto é, deles: americanos e europeus; mas também uma África Austral sem cubanos.
Apesar de toda a retórica ‘anti-imperialista’ e ‘anticapitalista’, Samora Machel deseja uma aproximação aos Estados Unidos, que começa nos fins da Administração Carter e prossegue com Reagan. Vai mais longe: propõe-se a ajudar Washington na retirada cubana de Angola. A ala dura da Frelimo, apoiada pela segurança cubana, tenta travar essa aproximação em Março de 1981, com a expulsão de diplomatas americanos acusados de espionagem. Tentaram os duros que Machel deixasse de "andar em más companhias", tratando de assassinar Aquino de Bragança. Mas a carta-bomba endereçada a quem mal aconselha o Camarada Presidente causa "danos colaterais", matando Ruth First. As costas largas do apartheid irão permitir tapar a gafe.
Da ajuda económica que passa a prestar a Moçambique, Washington quer depois auxiliar militarmente a ditadura instalada em Maputo na luta contra a Renamo. Mas o Congresso não avaliza a iniciativa. O que não impede que a gente de Chester Crocker no Bureau de Assuntos Africanos, utilizando canais próprios, se redobre em esforços para destruir a Renamo sob outras formas, negando-lhe legitimidade, retirando-lhe credibilidade, tentando esvaziar todo o conteúdo político da luta que trava e está claramente enunciada num programa político, mas que o Departamento de Estado sentencia ser "muito geral". Coincidentemente, um americano ao serviço da BBC em Maputo, Joseph Hanlon, surge a dar continuidade à postura do Bureau de Assuntos Africanos, recorrendo amiúde ao absurdo da tese crockeriana de comparação da Renamo com a UNITA, como que a pretender transmitir o conceito sui generis de que o processo histórico moçambicano se esgotou com a conquista da independência.
No fim, enganou-se Washington , enganou-se Maputo: A destruição de uma imagem ou o votar de um movimento ao ostracismo, não é o mesmo que a destruição de uma causa, de um ideal, de uma vontade, de uma razão de ser; a paz de que Machel procurava em Nkomati, encorajado por Washington, não a pôde dar aos moçambicanos.
A paz acabou por vir de Roma. Os jovens da Renamo que em 1982 tacteavam o jogo da política real, das intrigas dos bastidores e das pequenas e grandes traições, acabariam por se afirmar em 1988. E das matas, da sua «capital africana», foi de onde saíram para negociar com a outra parte, taco a taco. Dos «reencontrados» em 1982, Vicente Zacarias Ululu foi o que lá esteve. A democracia plena ficaria para depois. Adiada. Por aqueles que teimam em adiar a paz.
Leia aqui a acta da Reunião da Renamo em 22.05.1982:
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CANAL DE MOÇAMBIQUE – 19.03.1914