a minha opinião
Marcelo Mosse
A ilibação do Ministro José Pacheco no caso das negociatas de madeira mostrou mais uma vez como a nossa justiça não está preparada para investigar com detalhe suspeitas de corrupção que recaiam sobre altos dirigentes do Estado: a nossa justiça é ainda selectiva e não está política e eticamente preparada para investigar a fundo a grande corrupção, limitando-se a acusar e condenar os pilhagalinhas da administração pública.
O relatório da organização não governamental britânica, Environmental Investigation Agency (EIA), divulgado no início do ano passado sob o título “Conexões de Alta Classe...”, trouxe revelações sérias sobre como a corrupção e o tráfico de influências estão a estrangular o sector florestal, mostrando também, para além da depredação ambiental, o volume de perdas financeiras do Estado relacionadas com fugas ao fisco.
O documento resultou de uma pesquisa qualitativa e baseou-se em testemunhos vivos e imagens que comprovaram esse quadro negro, que de resto já era uma percepção generalizada no seio da opinião pública atenta ao que se passa no sector. E, mais grave, o documento citou dois nomes de governantes (um Ministro, José Pacheco, e um deputado da AR, Tomás Mandlate).
Não que tivesse sido uma revelação extraordinária – em Moçambique todos sabemos as traficâncias com que se cosem alguns agentes do Estado. A diferença é que, desta vez, os bois tinham nomes. E por isso, todos esperávamos que houvesse uma investigação minuciosa por parte da PGR, a qual serviria para dar corpo a um procedimento criminal contra os visados, se as evidências colectadas fossem comprovadas. Essa investigação minuciosa poderia também, em última análise, refutar as alegações, limpando a imagem pública dos visados, irremediavelmente conotadas com as práticas denunciadas.
A PGR não fez uma investigação detalhada. Na semana passada, o Gabinete Central de Combate a Corrupção (GCCC), subordinado ao PGR, revelou as conclusões da sua “investigação”, a qual mostrou que ela não foi exaustiva, ilibando mesmo assim os visados mas, ao mesmo tempo, qual efeito boomerang, mantendo sobre os mesmos aquela suspeição já semeada na opinião pública.
Um dos artifícios do GCCC foi desfocar o âmbito da investigação.
O relatório da EIA continha evidências de corrupção passiva, enriquecimento ilícito e tráfico de influências, este último já previsto na Lei da Probidade Publica mas ainda não enquadrado penalmente em virtude do atraso da aprovação no novo Código Penal. Mas a PGR não se preocupou com estas dimensões. Ao invés, fez a coisa mais elementar e completamente irrelevante para o escopo do seu trabalho: verificar se os visados tinham participações sociais nas empresas chinesas em questão.
Como não tivessem, a PGR concluiu que não havia matéria criminal. Concluiu também que houve práticas irregulares das empresas chinesas, mas práticas de natureza aduaneira e administrativa.
Tudo bem...! A questão pertinente não se prende a um obcecado desejo da nossa parte de ver os dois homens condenados em sede de Justiça. A questão tem a ver com o facto de que Pacheco e Mandlate foram alvo de alegações gravíssimas e a PGR devia trazer novas evidências para mostrar se os dois estão, de facto, ou não ligados às negociatas nas madeiras. O comunicado da PGR revelou uma intenção de ilibar os dois governantes mas o carácter lacónico e ambíguo que lhe dá forma acabou perpetuando opinião pública a percepção de que as relevações da EIA continuam válidas até prova em contrário. Pacheco e Mandlate deviam exigir mais do GCCC, como faz neste texto o media mediaFAX.
MEDIAFAX – 23.06.2014