Caso do batelão do rio Chire
O antigo bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique, Gilberto Correia, condenou com veemência qualquer acção de obstrução das actividades políticas no país. Em reacção ao episódio de segunda-feira, em que o administrador de Mutarara, Chivavice Muchangage, é acusado de mandar suspender a circulação do batelão que faz a travessia do rio Chire, para dificultar a entrada naquele distrito do candidato do MDM Daviz Simango, Correia descreveu o episódio como “inadmissível” num Estado de Direito.
Daviz Simango pretendia atravessar o rio Chire de Morrumbala (Zambézia) para Nhamayabwe (Tete), mas foi obrigado a fazer o percurso de carro, tornando a distância mais longa e penosa, porque os funcionários do batelão receberam instruções para simularem uma avaria, para que Simango ficasse impossibilitado de ir à outra margem. A medida incluiu também a instrumentalização dos operadores de canoas, que foram obrigados a abandonarem o local, para que Daviz não conseguisse nem por meios alternativos chegar a Mhamayabwe.
Num longo comentário publicado na sua página do Facebook, Gilberto Correia sugere a responsabilização dos autores da sabotagem e apela a todos para a necessidade de se repudiar actos como este. Correia questiona, no seu texto, se não terá o partido de Estado (Frelimo) maiores responsabilidades do que os outros partidos na construção da dita democracia?
“Aquela coisa do batelão e dos canoístas no Rio Chire não é aceitável em circunstância alguma. Deveriam ser exigidas responsabilidades internas (o que tenho muitas dúvidas que aconteça). Contudo, julgo que deve ser veementemente repudiada, independentemente da cor partidária de cada um. Antes de pertencermos ou termos simpatia por algum partido, somos moçambicanos e queremos o melhor para o nosso país.”
Correia recorda que o recente conflito militar foi fruto de intolerância e práticas antidemocráticas. “Não saímos agora de um conflito militar também motivado pela intolerância política?
Que democracia é a nossa onde se vê gente que deveria, pelas suas qualidades académicas, fazer parte da consciência crítica da sociedade a tentar defender ou atenuar a gravidade daquele comportamento anti-jurídico, anti-democrático e anti-ético?”
Para o antigo homem forte da Ordem, a Frelimo tem responsabilidades sobre o sucedido e exige àquele partido uma outra postura. “Independentemente do que os outros partidos fazem, um Partido de Estado, o único que governou o país desde a independência, não terá maiores responsabilidades do que os outros na construção da dita democracia? Onde anda juridicidade, a ética e a moral política que deveria ser apanágio de todos os partidos, mas sobretudo daquele que reclama um legado de governação e de desenvolvimento. Pode haver desenvolvimento sem democracia, sem juridicidade e sem ética política? Em política vale tudo para ganhar eleições?”, questiona Correia.
Para Correia, “mudança não pode ser apenas um ‘slogan’ para conseguir votos. A verdadeira mudança começa cá dentro, em nós. Vamos mudar primeiro o que está mal em nós para depois influenciarmos as mudanças exteriores”, escreveu.
Recorde-se que o administrador que é acusado pelo MDM de estar à frente da operação da avaria do batelão, Chivavice Muchangange foi o último presidente do Conselho Municipal que a Frelimo conseguiu fazer eleger na cidade da Beira, onde actualmente Daviz Simango é presidente. Desde que Muchangage saiu derrotado nas eleições autárquicas, quando Daviz concorria pela Renamo, a Frelimo nunca mais ganhou eleições na Beira.
CANALMOZ – 10.09.2014