Eu vivi isso e fico pasmado sem saber quando é que esta gente faz teatro e ou se só fazem teatro.
Em 1977 +/- por ai mês de Abril viva eu arredores da cidade de Lourenço Marques, petiz que era costumava empurrar um pneu com paus para facilitar o trabalho de empurrar metia um pouco de água ensaboada espumando, foi exactamente num dia que em não tinha ido a escola pois era sábado, brincava com a minha turma e simulava-mos ser eu motorista de um machimbombo, claro que tal machimbombo era produto da nossa imaginação os passageiros iam agarrados uns aos outros, eu simulava aqueles guinchares dos travões e a campainha do machimbombo, de repente minha mãe gritou com aquela voz que lhe era característica Khanga Hanhanhou (chamou pelo meu real nome e não este), eu menino obediente larguei o guiador do meu machimbombo e passei a tarefa para o passageiro imediato, sai correndo para casa que distava por ai uns 15 metros do local onde brincava-mos.
Chegado a casa a minha mãe mandou-me lavar as mãos para ir cumprimentar o meu tio Grawuane (professante da fé testemunho de jeová), eu que adorava o meu tio fui correndo lavei as mãos, limpei-as e fui a sala cumprimentar o meu tio, no acto este como sempre tirou dois pirolitos que eu adorava feito um doido, logo virei e sai correndo minha mãe chamou de novo e perguntou, filho quando alguém te oferece algo o que se diz? Eu embaraçado voltei para junto do meu tio e disse obrigado tio, enquanto falava tinha os olhos cabisbaixo de vergonha pois aquela falta era de facto sancionável dentro dos domínios daminha família.
Bom feito isto meu tio afagou-me os cabelos e liberou-me dizendo vá brincar filho, vá, vá, vá e assim sai, quando me juntei a turma esta já brincava policia-ladrão a equipes já estavam formadas, eu impaciente queria também entrar porem não sabia como faze-lo lembrei-me dos pirolitos e saquei um e comecei a chupa-lo vistosamente, doce irresistível para qualquer criança chamou logo atenção um dos meus amigos veio pedir, eu, negocie com no sentido de lhe dar o rebuçado se me deixasse entrar para o jogo, meu amigo achou o pedido um sacrifício menor se tal fosse em troca do rebuçado e assim foi.
Bom enquanto brincava vi 4 soldados vestidos com fardamento camuflagem, eram todos baixinhos com estatura media abaixo de 1.65m escuros como o breu tinham tatuagens na cara e dentes afiados como serrote, os olhos erram cor vermelho sangue, um trazia uma braçadeira no antebraço esquerdos, eles zanzavam em volta da minha casa que tinha um quintal feito com chapas de zinco, os militares bateram a porta metálica e a minha mãe veio abrir a porta porem eu também por curiosidade aproximei-me deles, quando cheguei ouvi-os perguntando pelo meu tio tinham o nome as características fisionómicas dele bem descritas, minha mãe desconfiou das intenções daqueles homens e disse, ele esteve aqui a coisa de 20 minutos e saiu, o militares agradeceram e foram embora, minha mãe voltou para dentro de casa e disse ao primo (meu tio), que ele estava sendo procurado por militares, este disse estou sabendo mana, não preocupes que eu estou na graça de deus, não somos os primeiros a ser perseguidos.
A conversa evoluiu para um nível que para mim já não fazia muito sentido pois logo meu tio começou a debruçar-se sobre a bíblia e nela ele encontrava exemplos dos mártires de jeová, percebi que ele estava preparado para o que der e vier. Dia seguinte pela manha cedo a esposa do meu tio veio a casa chorando, acordamos todos pois os soluços da minha tia eram tão atormentado que era impossível dormir depois de ouvi-la chorando, saímos do quarto eu e meus irmãos fomos pé ante pé até perto da sala onde ficamos escutando o que minha mãe, meu pai e minha tia falavam, nesse momento meu irmão descuidou-se e involuntariamente tossiu, de medo voltamos ao quarto, mas a curiosidade era tanta que voltei ao mesmo lugar e então ouvi a tia dizendo; Chegaram muito cedo lá em casa era cerca de 11 soldados que traziam com eles cerca que 20 pessoa presas e amaradas, bateram a porta fortemente enquanto o Grauwane se levantava a porta foi arrombada a pontapés e a gritaria começou as crianças meus primos julgaram tratar-se de ladrões, mas eram os camaradas que vinham buscar o meu tio, segundo conta minha tia logo que meu tio saiu do quarto pegaram-lhe e disseram-lhe para dizer quem o presidente dele, ele impávido e sereno respondeu o meu presidente e o DEUS todo poderoso, de seguida disseram-lhe que se não dissesse viva Frelimo ele seria preso, meu tio disse viva Jesus o único SALVADOR, ao terminar bateram-lhe com as coronhas das armas e saíram com ele já sangrando, quando assomaram para fora de casa constataram que havia outros moçambicanos presos por motivos de consciência, meu tio pediu para a mulher trazer uma camisa, casaco e sapatos, a minha tia correu rápido e trouxe o que meu tio pedira, porem ela fizera questão de entulhar vairas pecas numa sacola porque percebeu que o marido possivelmente não voltaria a casa pelo menos naquele dia.
Meu pai escutava atentamente, como disse um dia aqui no MPT, meu pai foi Policia da Guarda Fiscal, no fundo a minha tia acreditava que este podia fazer algo para inverter o curso dos factos, porem, meu pai sabia que se ousasse intervir a FRELIMO certamente prendia ele também, mas, tratava-se de seu cunhado, mesmo a minha mãe olhava para meu pai apelando para que este fizesse algo.
Meu pai levantou foi ao quarto uniformizou-se com fardamento a rigor e foi a circulo onde eram concentradas as pessoas antes de serem transportadas para parte incerta, no circulo tinha uma frondosa árvore de Ntitsiva, onde por baixo dela estavam aglomerados os detidos contra revolucionários, meu pai dirigiu-se ao comissário político que liderava o processo, apresentou-se e primeiro procurou saber sobre acusações pendiam sobre meu tio o comissário político não claudicou e disse ele não reconhecem o governo da FRELIMO, independência e não aceitam subordinarem-se aos símbolos da nação (não catam o hino, não dizem viva FRELIMO, não reconhece o presidente Samora como seus líder/Guia), meu pediu para falar com o meu tio em privado o comissário aceitou.
Meu pai perguntou ao meu tio se não podia pelo menos fingir um pouco mesmo sabendo que só se subordinava a DEUS todo poderoso e ao seu primogénito Sr. JESUS, meu tio de forma peremptória disse sivale/cunhado, eu não posso trair meu pai prefiro morrer se for o caso mas não farei o que me pedes, meu pai insistiu lembrando ele que tinha uma família para zelar (mulher e 3 filhos), meu tio respondeu que se DEUS assim escreveu não seira ele a mudar o curso da história, disse mais ainda que eles os testemunhos JEOVA já eram perseguidos antes da FRELIMO e muito ante dos COLONOS pelo que aquele sofrimento só era novidades para nos não crentes mas para ele era a prova final de os escritos bíblicos eram verdadeiros. Meu frisou que comissário tinha lhe dito que se ele (meu tio) aceitasse as instruções deste poderia ir para casa já, i.e, dependia só dele ser livre ou preso, meu tio preferiu ser preso .
Assim, meu pai regressou a casa e contou tudo quanto ocorrer lá no circulo, a minha tia que ainda esperava em minha casa, saiu chorando acompanhada pela minha mãe, meu pai sentou na sala pegou no queixo e ficou assim cerca de 10 minutos tinha o olhar fixo a parede em frente onde tinha pendurado um quadro da Virgem Maria a Imaculada vertendo uma lágrima solitária que também olhava ternamente para meu pai, passados os cerca de 10 minutos, este levantou e foi ao quarto de dormir onde foi tirar alguns acessórios que trazia no uniforme, cacete, revolver e o Casaco que vestira quando foi ao circulo de seguida saiu vestido com o uniforme normal camisa + calças +botas e cinturão, naquele dia meu pai ficou tocado por um sentimento estranho, ele mudara e optara por um silencio que nos metia medo a nos filhos, mas, todos percebíamos que algo de grave tinha começado a acontecer……..
De regresso da labuta, a hora do jantar meu pai falando com minha mãe disse, eu não compreendo o que esta acontecer o teu irmão (meu tio) cunhado dele, um pouco antes do advento do governo de transição anunciara que a liberdade dos escravos estava a caminho e que o movimento de libertação de Moçambique FRELIMO estava ganhando a guerra, ele manifestava alegria pelo facto de a liberdade estar a caminha e mal sabia que essa dita liberdade não seria para todos e que particularmente ele não gozaria tanto dessa liberdade, o teu tio foi um militante na clandestinidade da FRELIMO de um jeito ou do outro ele transmitiu esperança para muitos moçambicanos durantes o período negro da colonização, agora chegada a independência é o primeiro a ser crucificado ? DEUS não e justo de todo, como e que ele deixa so seus devotos ser tratados desta forma?
Foi ai que meu adicionou, dizendo a mulher você não tem ideia do que a FRELIMO anda a fazer, muitas pessoas estão sendo presas outras estão fugindo de Moçambique, disse ainda que não sabia o que seria dele mesmo porque ao que tudo indica todos os trabalha com o colono são suspeitos de serem reaccionários, caso contrario era preciso nascer de novo ira aos grupos dinamizadores, participar das orientações da FRELIMO, denunciar inocentes para granjear simpatias e confiança daquele elenco FRELEMISTA, meu pai preparou a minha mãe para um cenário tenebroso, no qual previa a sua prisão, minha desatar a chorar também porem sem imitir sons rolavam na face dela lágrimas silenciosas que demonstravam que ele percebera e que temia essa crua verdade, o meu tio como deveis adivinhar desapareceu por 17 anos sem nenhuma familiar saber do seu paradeiro.
Nos dias subsequentes muitas noticias de padres presos porque eram aliados do colonialismo e muitos outros professantes de religiões ortodoxas também estavam a ser presos, pior ainda a todos aqueles que enquanto funcionários do governo colonial detinham posições de destaque, regra geral entendia-se que sendo pretas essas pessoas tinham que ter em algum momento traído os seus irmãos de raça, bastava alguém inventar algo a seu respeito para seres preso, as pessoas não precisavam de reunir provas irrefutáveis, bastava um engraçado querer aparecer, este apontava o dedo a um assimilado e pronto esta ali um servo dos colonos e a prisão era prémio imediato para esse infeliz.
Hoje esses senhores da FRELIMO que prenderam e mataram muitos moçambicanos, aparecem em mesquitas, igrejas diversas a serem abençoados, condecorados e homenageados pelos bons feitos ao longo da sua governação nestes últimos 10 anos.
Que memoria tem este povo um calvário que dura a 40 anos hoje e resumido nos últimos 10 anos de governação, existe de facto uma estupidez instituída neste país. Por King = “O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons.” Khanga Hanha Muzai
In http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2014/09/presidente-guebuza-homenageado-pela-iurd.html
NOTA:
Em 1977 Armando Emílio Guebuza desempenhava as funções de Comissário Político Nacional