Centelha por Viriato Caetano Dias ([email protected] )
“Enquanto estivermos vivos, temos uma enorme oportunidade de ver e confirmar uma série de monstruosidades que cada cidadão tem direito de apresentar.” Desabafo de um amigo
Não houve jogadas de cartas como algumas pessoas gostam de fazer na esteira do mundo da espiritualidade para vaticinar o futuro das coisas, mas sim um xadrez mental que permite observar além do invisível, o visível. Chamo atenção muitas vezes aos meus leitores para que não se olhe apenas pelos ponteiros, porque por detrás destes, há sempre um motor que regula o mundo. Esse motor, na esfera do jornalismo, perdeu a bússola, caminhando à velocidade de cruzeiro para o abismo. Foi a pensar neste descalabro que escrevi, há precisamente duas semanas, uma crónica intitulada “O meu desabafo sobre algumas igrejas e um certo tipo de jornalismo”, que se praticam no país.
Quando se agudizam os problemas da falta de emprego, provocando situações de estiagem estomacal, verifica-se, no campo laboral, o assalto a certas profissões por indivíduos sem “tecto”, que por causa do hábito, alimentam-se de um falso dom fazendo crer a opinião pública que nasceram para exercer aquela função quando na verdade são remendos que não curam o cancro instalado, descredibilizando essa classe tida como o quarto poder.
É um poder desconstrutivo, porque não se justifica, não se legítima e nem sequer honra os seus paladinos: os que ainda vivem e aqueles que já tombaram.
O senhor Atanásio Marcos, apresentador do Telejornal na televisão pública, ao ameaçar de morte um cidadão, revela que a profissão de jornalista está deslocada nele. Não é naquela pessoa, que goza de uma fértil simpatia pela direcção da televisão pública, onde devia estar o jornalismo.
Geralmente, os jornalistas dão a vida para reportar a infracção, mas não se torna ingrediente da prevaricação.
Atanásio Marcos decidiu fazer o contrário, foi notícia e ficará na gesta pelas piores razões, uma vez que é “o homem a morder o cão e não o inverso.” Este episódio, independentemente do pedido de desculpas da televisão pública, representa o desrespeito aos valores humanos que nos nossos dias é perfeitamente exemplar. É também um atentado à epístola cristã: “não matarás” (Êxodo 20:13).
A medida disciplinar que a televisão pública irá impor contra o jornalista não apagará provavelmente os momentos de susto e medo que a vítima e seus parentes (pois o mal que se faz a uma pessoa afecta também os seus e até mesmo cidadãos alheios) passaram quando sofreu aquela ameaça de morte. Dizia alguém que algumas coisas não ficam enterradas, como a dor de alma, são de quem são. E mais, a antecipação da morte, como se verificou, chega a ser pior que a própria morte. Inclusive escrevi, há alguns meses, que uma arma por mais que esteja descarregada quando apontada a alguém cria efeitos sobre a pessoa.
Para credibilizar os Mídias, a melhor medida seria afastá-lo de programas televisivos e radiofónicos até que seja ilibado pelo tribunal do tempo e da consciência dos telespectadores.
Para tal é imperioso que seja o próprio Atanásio a reconhecer o erro e pedir perdão, apesar de que a condescendência é monopólio absoluto de Deus. A propósito da culpa, o padre eborense Manuel Maria Madureira da Silva esclarece que “ (…) para que alguém decida emendar um erro, precisa de reconhecer que é erro, precisa de o assumir como seu e de sentir a responsabilidade de prestar contas”. Mais adiante termina fazendo a seguinte pergunta “Até quando havemos de esperar para que esse jornalismo mude de perspectiva?” Esta pergunta, feita na atmosfera portuguesa, enquadra-se perfeitamente nosso jornalismo. Não sei se chamaria jornalismo, salvo raras excepções, porque o que assistimos é uma corrida desenfreada e uma gula imensa em reportar inverdades.
A verdade, o rigor, a isenção, a ética, a deontologia profissional, pouco interessam pois o que mais ordena é o capital financeiro. A ideia de que o jornalista deve fazer o seu próprio salário leva-nos a constituir uma comunicação social que se confunde com matadouro e locais de propagação da marginalidade. Não me admira por isso que certas pessoas feitas jornalistas por mera conveniência dos seus superiores hierárquicos atropelem as regras mais elementares de uma profissão. Nesta bela Pátria Amada já assistimos um pouco de tudo: artista que vai a televisão fumar canábis com um apresentador (o primeiro teve prémio recebendo doações do público, o segundo caiu na gandaia), jornalistas reportam mentiras a troco de vil metal, televisões que expõe o nudismo e chamam a isso de auto-estima. De tantas asneiras que assisto gratuitamente, penso que o mal de Atanásio Marcos pode ser amnistiado.
Zicomo (obrigado)
WAMPHULA FAX – 27.10.2014