XIPALAPALA por João de Sousa
Andava eu na instrução primária e já o gosto pela Rádio me fascinava. No tempo duma televisão que não existia, na década de 60, o aparelho de rádio (um Bush a válvulas) era a minha (nossa) companhia. Naquele tempo não havia outra alternativa. Eu ouvia tudo ou quase tudo. Os relatos desportivos ao tempo do Amadeu José de Freitas ou do Paulo Terra, com quem, muitos anos depois, tive o prazer e a honra de ter trabalhado, em Moçambique e em Portugal. Escutava os “cinco minutos de espiritualidade” todos os domingos logo a seguir ao sinal horário do meio-dia, ou “a palavra é de prata” do Manuel Luís Pombal, o jornalista do “Notícias” que disse um dia gostar de trabalhar para a rádio porque “o éter é mais rápido que o ardina”.
Ouvia locutores que foram e continuam a ser referência da radiodifusão em Moçambique e além-fronteiras, como por exemplo António Luís Rafael, Manuela Arraiano, António Silva, Fernando Rebelo, Maria Helena, Eugénio Corte Real, Sampaio e Silva, Lisete Lopes, Eduardo Hélder, Maria Regina, Hélder Fernando, Samuel Dabula, Matânia Odete, Guidione Matsinhe, Evódia Raúl, Albino Pachisso, Joana Mariana, Silvestre Mabuiangue, David Davies, Evelyn Martin, Gerry Wilmot, Clak McKay, Rob Vickers, Darryl Joostee e por aí fora. Com quase todos os que mencionei tive experiências interessantes, que, duma ou de outra forma, ajudaram a concretizar o meu sonho de me fazer comunicar pela Rádio, nesse difícil percurso para onde fui “empurrado” pela mão e pelo saber do António Alves da Fonseca e da Maria Flávia, a sua esposa, ao tempo da GOLO.
Deliciava-me com o Domingo Alegre e com dose de humor que nos entrava pela casa dentro à hora do nosso matabicho pelos “dois Tonecas”, com os programas de “variedades”, e com a sua orquestra dirigida pelo maestro Artur Fonseca, acompanhando todas as terças- feiras à noite um variado e categorizado “naipe” de cantores e cançonetistas e também com os diálogos humorísticos maravilhosamente interpretados pelo Zé Bandeira, Milú dos Anjos e Lima Pereira.
Era fã incondicional do conjunto de Renato Silva, que nos brindava com números do seu reportório em meia hora de programa aos domingos às 21.00 horas, transmitido “ao vivo” do auditório do RCM.
Ouvia o “África à Noite” um programa produzido e apresentado por José Mendonça, abrilhantado ao vivo por conjuntos moçambicanos, com destaque para o Djambo, Harmonia, João Domingos, Xicuembo ou Lisboa Matavele e com o compasso da marrabenta marcado pelas exibições do saudoso Fedo (Alfredo Caliano da Silva) e da sua companheira Elarne Tajú.
Sintonizava a “Voz da Selva” com as histórias de homens e bichos contadas por João Augusto Silva e sonorizadas pelo meu companheiro de longa data das lides radiofónicas, de seu nome Carlos Silva, e ainda hoje meu parceiro inseparável na realização do “fio da memória”.
Gostava de muitos programas que a rádio transmitia naquela época da minha meninice ou adolescência. Por um deles eu tinha um gosto particular. Chamava-se “Teatro em Sua Casa”. O teatro radiofónico onde semanalmente eram apresentadas peças de extraordinária qualidade, com intérpretes que eram dirigidos por figuras como as de Tomás Vieira, Reinaldo Ferreira ou Sarah Pinto Coelho e que depois da independência de Moçambique passou a chamar-se “Cena Aberta”, designação criada, se a memória não me atraiçoa, pelo saudoso Leite de Vasconcelos, sendo que a coordenação da actividade do Sector foi da responsabilidade de Edgar Ernesto de Santana Afonso (Né Afonso) e depois de Maria Pinto Sá ou ainda do Abdil Juma.
Há 10 anos que, lamentavelmente, o programa “Cena Aberta” deixou de ser produzido. Os diferentes gestores da nossa Rádio deitaram, pura e simplesmente, para o caixote do lixo um programa de referência da radiodifusão moçambicana. Pelo que sei, depois destes longos anos de hibernação, não se faz o mais pequeno esforço no sentido de recolocar o programa no lugar que ele merece. Perde a Rádio e perdem os ouvintes, particularmente os que gostam de teatro radiofónico.
CORREIO DA MANHÃ – 29.10.2014