Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Não é por ignorância ou qualquer “deficit” de entendimento do que sejam processos eleitorais. Não é por falta de experiência ou falta de bagagem que se enche os moçambicanos do mais diverso tipo de mensagens. Também não é por falta de conhecimento do que sejam os princípios deontológicos e éticos de jornalismo.
Quem se adianta e se refere a Filipe Jacinto Nyusi como PR é nada mais, nada menos, do que Tomás Viera Mário, em pelo debate televisivo da STV, na noite de 26 de Outubro de 2014. Isso acontece num momento em que ainda não foram anunciados os resultados oficiais pela CNE.
Será por lapso, ou foi somente uma abordagem leviana e pouco atenta de um comentarista/analista pressionado por toda uma situação nebulosa?
Será uma mensagem que procura colocar os moçambicanos face a “factos consumados”, como desde Joaquim Chissano se tem feito?
Como é que deve ser vista a afirmação de alguém com o percurso jornalístico e político de TVM? Se, para um observador atento, ficou a imagem de que o senhor em questão estava prestando uma assessoria ao partido Frelimo em grande parte dos seus “pronunciamentos”, também é evidente que ele pretende que os moçambicanos considerem que os números até aqui avançados pelos órgãos eleitorais sejam aceites pelos moçambicanos sem reclamação.
Na esteira de “pronunciamentos” plenamente parciais e tendentes a desvalorizar vícios, ilícitos e irregularidades, tem sido tendência de uma parte dos comentaristas/analistas com espaço cativo nos órgãos de comunicação social a ideia de que a violência pré-eleitoral e no dia das eleições não constitui problema. Tem sido passada a ideia de que as acusações de “enchimento de urnas” são assunto que não existe. Assim como uma assessora da ministra da Justiça apanhada em flagrante delito tentando “encher urnas” não foi sancionada, quer-se convencer os moçambicanos de que aquilo não aconteceu.
Agora levantam-se analistas procurando desenvolver teses de uma tendência étnico-política do voto em Gaza para explicar números astronómicos do voto a favor da Frelimo e do seu candidato.
Ignora-se propositadamente elementos relevantes que denunciam de modo inequívoco um exercício meticulosamente planificado de adulteração da vontade popular. Corta-se as “linhas de passe”, numa jogada que já vimos no passado.
Quando o presidente do Conselho Constitucional alinha pelo diapasão da aceitação de resultados, de que está mesmo falando?
A via da fraude não consubstancia democracia nem confere legitimidade aos que venham a ser declarados vencedores através da manipulação e “engenharia eleitoral”.
Dizia alguém que se foi para eleições sem auditoria independente do “software”, e isso foi grave.
Foi-se para eleições num ambiente conturbado, cheio de improvisação e de espaços abertos para que gente sem honestidade pudesse executar manobras ilícitas.
E como a honestidade escasseia no país e como também a vergonha rareia, os resultados não se fizeram esperar.
Não se pode persistir em qualificar a nossa democracia como deficitária devido à sua tenra idade, e procurar comparar com situações de outros países vizinhos ou longínquos.
Competência, seriedade e responsabilidade são elementos que se assumem e se aplicam, ou se renegam.
A promiscuidade visível entre os poderes democráticos, a coabitação aparentemente pacífica entre quem se apresenta legítimo com quem é conhecido como pertencente a zonas cinzentas dá azo para se tenha dúvidas quanto à verticalidade e coerência de candidatos e partidos. A “esposa de César tem de ter forma e conteúdo correspondente”.
Os comentaristas/analistas de serviço, parte deles, esquecem-se rapidamente da génese da guerra dos 18 meses.
Ao optar-se pela viciação criminosa dos resultados eleitorais a favor do candidato da Frelimo, alguém sinaliza que a agenda proposta é arriscar mais uma vez a paz e estabilidade do país.
Ao optar-se pela “desorganização organizada” dos pleitos eleitorais, dá-se um sinal de que os cultores da autocracia não desarmam nem se mostram com vontade de aceitar a vontade popular expressa pelo voto.
Temos um problema nas mãos que não serão programas televisivos que vão resolver.
Aquilo que for dito ou repetido não vai convencer os moçambicanos de que o seu voto se reflecte nos resultados anunciados, se não houver uma triagem séria das irregularidades e das discrepâncias dos números.
Os arranjos que se possa fazer entre os diferentes políticos serão úteis na medida em que forem capazes de trazer entendimentos claros sobre o que aconteceu e as vias de normalizar a situação tendo em conta os mais altos interesses da nação.
Sente-se que não existe clima comemorativo porque se reconhece que houve problemas graves ao longo do processo eleitoral e que as partes concorrentes estão dispostas a reclamar com documentos e factos. Os detentores do poder estarão fazendo uma gestão de risco e ponderando saídas face ao que se espera que venha a ser a posição final da oposição.
Negar que existem problemas, alguns deles insanáveis, tal é o nível de viciação existente e detectado, seria faltar à verdade.
E admira como é jornalistas de gabarito como TVM se negam ou hesitam em entrar na sua análise. A cosmética analítica tem consequências, e uma delas é convencer os políticos de que as avaliações de tais “estrategas” são válidas e oferecem segurança quanto à via escolhida.
O lapso de TVM, ou sua convicção pessoal, tem o seu valor e devem ser tidos pelo que valem.
O pendor equilibrado de FL no debate de 26 de Outubro de 2014 na STV vale também o que vale. Cada um de nós tem a sua opinião e seu direito de tendência.
“Ninguém se desgosta dos gostos que tem.” Mas, enquanto figuras públicas, existem coisas que não se podem dizer.
Não queremos a repetição do factor “Brazão Mazula” como elemento condicionante dos resultados eleitorais.
A CNE e o STAE falharam e falham a cada dia que atrasam o anúncio dos resultados eleitorais.
Apoio a proposta de demissão em bloco de pessoas muito onerosas para o Orçamento Geral do Estado e que não produzem resultados credíveis.
Amarrados em esquemas de “procurement” e de obediência a instruções estranhas a um processo que se quer justo, livre e transparente, essas pessoas devem ser banidas do exercício de funções no aparelho de Estado.
Não pode haver contemplações para quem fomenta crises na estabilidade nacional.
Qualquer rotura da situação actual de paz sofrível será directamente de imputar a quem viciou o processo eleitoral.
Moçambique não pode continuar a ser cobaia de experiências informáticas pagas pelo OGE, para garantir a manutenção no poder deste ou daquele candidato ou partido. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 28.10.2014