O escritor angolano José Eduardo Agualusa considera que Angola “é uma falsa potência”, onde domina a “falta de inteligência” e onde estão reunidas as condições para “uma revolta de larga escala”.
Em entrevista à agência Lusa, na sua casa, em Lisboa, a propósito do livro que lança na quinta-feira, o autor angolano explica que precisou de “abrir a janela e respirar um pouco de ar” depois dos últimos livros que escreveu, “mais densos, pesados, complexos, obscuros, dolorosos até”. “A vida no céu”, que será lançado às 21.30 horas, na livraria “Ler Devagar”, é um livro que Agualusa gostava de ter lido quando tinha 16 anos, a idade do seu filho mais velho, que vive em Angola, onde, actualmente, o regime tem “medo de uma dúzia de jovens” que, volta e meia, se manifestam nas ruas.
Também em Angola, “um pequeno grupo de pessoas”, todas ligadas ao partido no poder, o MPLA, continua a viver “em situações de luxo ostensivo”, diz. Como o passado ensina que “países com extremas desigualdades sociais” não são países seguros, mas sim “território privilegiado para revoltas, para revoluções”, Agualusa diz que “ninguém ficará muito admirado se acontecer amanhã uma revolta popular”. Disso são exemplo, considera, as “situações de violência urbana” registadas nos últimos dias. “O pior de tudo é a falta de inteligência. A mim, o que me assusta mais, sempre, é a estupidez. A estupidez é aquilo que me aterroriza mais. E quando a estupidez tem poder, isso então é particularmente assustador”, considera. Na sequência da “falta de inteligência”, vêm “a corrupção, a maldade”. Mesmo “a violência é uma desistência da inteligência”, vinca. Angola “é uma falsa potência”, uma “ilusão”, afirma. “Não foi capaz de vencer o paludismo, a doença do sono voltou”, critica o escritor, contestando a ideia de que Angola “está a colocar dinheiro” em Portugal. “Não é Angola, são dez famílias angolanas, são alguns angolanos, que enriqueceram, muitos deles sem ninguém saber muito bem como (...), e que aplicam o dinheiro em Portugal”, distingue. “Angola, infelizmente, tem ainda um caminho muito longo a percorrer no sentido do desenvolvimento básico. A esmagadora maioria dos angolanos sobrevive com quase nada, um dólar por dia”, recorda Agualusa. “Está tudo por fazer”, resume. “Educação é fundamental. Como é que um país pode querer ser uma potência, se não foi capaz de educar a sua população, se a sua população não lê livros, se não tem médicos, não tem engenheiros, se não tem quadros? Se nem sequer tem uma política de captação de quadros, o que é uma coisa escandalosa?”, indigna-se o autor, que, no livro, dá corpo ao desejo de ver em Luanda uma “aldeia-biblioteca”.
Por mais interesse que muitos estrangeiros – entre os quais portugueses, em número crescente – tenham em ir para Angola, “a política que existe é para dificultar a entrada de quadros, não para facilitar”, critica. Num tempo em que as pessoas se movem, “mas estão sempre no mesmo lugar”, Agualusa diz que vai continuar a escrever sobre o sonho. Nos planos, estão “pelo menos mais dois livros desta série de “a vida no céu’”, a pensar num público adolescente, mas não em exclusivo. “Deixámos de dar importância ao sonho”, lamenta o escritor. “O sonho cumpre um papel na vida das pessoas, é importante voltar a sonhar”, num tempo em que a internet e a televisão impõem “sonhos alheios” e acabam com o fabrico próprio.
CANALMOZ – 20.11.2014