A Ilha de Moçambique é uma das cidades da província de Nampula onde os munícipes vivem intensamente a cultura manifestada, sobretudo, sob forma de dança tradicional e com enfoque para o tufo, chacacha, n´sope, molide, entre outras exibidas maioritariamente por mulheres.
Entretanto, nos dias que correm, a reivindicação dos artistas locais, que é, igualmente, partilhada pelas autoridades governamentais do sector da cultura, incide na necessidade de se iniciar um trabalho com vista a retirar a cultura da letargia em que se encontra mergulhada.
A ocidentalização do ritmo das canções e do estilo de dança tradicionais das manifestações supracitadas é uma questão que inquieta não só a sociedade civil na Ilha de Moçambique, como, também, aos próprios artistas, nomeadamente os instrumentistas, dançarinas e os gestores dos grupos culturais locais, segundo constatou a nossa reportagem.
A cidade da Ilha de Moçambique, a mais velha e que conta agora com 196 anos desde que foi elevada àquela categoria, comporta, neste momento, um total de 120 grupos culturais de canto e dança tradicionais. Dessa longa lista, destacam-se os grupos de dança tradicional de tufo e n´sope, manifestações que já foram exibidas além fronteiras, nomeadamente nas antigas Repúblicas da União Soviética, Portugal, Japão e Alemanha há cerca de vinte anos.
Sunducia Momade Ibraimo, mais conhecida nos círculos artísticos, por Djanina, artístico, é, presentemente, líder do grupo de tufo “Estrela Vermelha”, criado em 2 de Janeiro de 1931 na Ilha de Moçambique.
Entrei para o grupo na década 70, numa altura em que o tufo que é uma manifestação originária da Ásia, era exibido dentro de um rigor combinado entre a indumentária, o estilo da dança e da letra das canções, elementos que actualmente estão adulterados por causa da ganância pelo dinheiro e por uma hegemonia que não nos esforçamos para justificar relativamente aos restantes grupos culturais de dança tradicional - disse Djanina.
Indagada acerca da ligação dos grupos culturais com os partidos políticos, a sua resposta não se fez esperar:
Tem havido, de facto, uma tendência dos grupos culturais atraírem a preferência dos partidos políticos justificada pela necessidade de garantir convites para exibir em actos políticos a troco de dinheiro que é importante para custear as despesas decorrentes da aquisição da indumentária, entre outras necessidades. Conquanto isso contrarie alguns princípios porque o tufo é para ser exibido nas festas de casamentos, noivados e outros eventos de índole social.
Por seu turno Sefo Sualehe, secretário-geral do grupo cultural de dança tradicional de tufo “Beira-mar”, da Ilha de Moçambique, apontou graves erros que têm sido cometidos nos últimos tempos pela maioria dos grupos daquela manifestação cultural, que foi implantada na primeira cidade capital do país na década de 40, através da Cabaceira Pequena, território do vizinho distrito de Mossuril.
A dança tufo já foi exibida por homens na década 70, mas as mulheres tomaram as rédeas pouco depois, o que não é de estranhar por serem mais afeiçoadas. No entanto para exibir a dança tufo as mulheres devem estar sentadas e em fila, com uma indumentária constituída por capulana, blusa e lenço cujas cores variam de acordo com o significado do evento - explicou Sefo Sualehe.
Segundo ele, tem havido esforço visando a inovação daquela e outras danças, mas em sentido sentido negativo “porque há coisas básicas que não podem ser alteradas e que a acontecerem ferem a respectiva originalidade, concorrendo para a sua desfiguração e consequente repulsa da população conhecedora. Das origens da dança..
O caso mais gritante é o júri que tem sido formado em alguns eventos para eleger os três melhores grupos culturais de dança que costuma ser constituído por técnicos do sector da cultura que mostram ser leigos nas danças em competição.
Os membros do júri acabam por nomear vencedor o grupo cujos elementos saltaram mais na sua exibição, quando efectivamente as regras do tufo obrigam que os artistas actuem quando sentados e não de pé como tem sido comum ver nos últimos tempos - concluiu o entrevistado.
Sector da cultura admite incapacidade em travar algumas anomalias
As autoridades governamentais do sector da cultura na Ilha de Moçambique reconhecem a sua incapacidade para travar a ameaça a que as manifestações culturais tradicionais locais se encontram expostas. Joaquim Nazário, chefe da repartição da cultura no serviço distrital de educação, juventude e tecnologia na Ilha de Moçambique, disse que o seu sector ressente-se da falta de recursos humanos qualificados para reforçar os efectivos.
Contamos no sector com três funcionários e apenas um com formação na área de cultura. Temos uma motorizada para fazer deslocações para todo distrito ao encontro dos artistas das várias manifestações culturais, mas, devido ã exiguidade de recursos financeiros que enfrentamos não é possível trabalhar convenientemente - desabafou JoaquimNazário, que tem 30 anos de experiênciana área de cultura.
A criação de uma casa de cultura na Ilha de Moçambique é o primeiro passo que o governo local se propõe dar no sentido de aproximar os grupos culturais para aquisição da orientação de que necessitam neste momento, segundo o entrevistado.
Sublinhou que o sector da cultura não tem fundo de apoio às actividades dos grupos locais e quando os mesmos solicitam patrocínio para compra de instrumentos musicais, com realce para batuques, temos dificuldades em prestar a ajuda solicitada e, então, encaminhamos os artistas ao Conselho Municipal onde encontram a resposta de que necessitam desde que a edilidade esteja em condições para o efeito - enfatizou.
O gabinete da Agência das Nações Unidas para Ciência, Educação e Cultura na Ilha de Moçambique (UNESCO) manifestou interesse em patrocinar a construção de uma oficina cultural bem como o recrutamento de técnicos na área de canto e dança tradicional para apoiar os grupos locais em várias matérias. No entanto, essa intenção, que devia ter sido materializada há dois anos, ainda não deu os passos subsequentes devido a conflitos no seio dos dirigentes da área de cultura ao nível do governo da Ilha de Moçambique.
WAMPHULAFAX – 21.11.2014