A 27 deste mês passam sete anos desde que a Hidroelétrica de Cahora Bassa reverteu a favor do Estado moçambicano.
Os resultados, para além de surpreendentes, são de todo encorajadores. Hoje, a HCB está em renovação e a mudar.
Neste momento, toda a engenharia está a ser posta no empreendimento no sentido de não só responder às necessidades presentes, como também continuar a influenciar o desenvolvimento do país, transmitindo energia de qualidade e fiável.
A nossa Reportagem visitou recentemente aquele empreendimento e percebeu que para além das intervenções no empreendimento propriamente dito que compreende a reabilitação dos descarregadores e da subestação do Songo identificadas como prioritárias pela nova gestão, a abordagem inclui também onde as pessoas vivem.
Por isso mesmo, a vila do Songo já não é apenas um estaleiro que alberga trabalhadores da HCB como também se projecta como uma relíquia encravada entre as montanhas.
Por tudo o que representa a Hidroeléctrica de Cahora Bassa para o contexto energético do país e da região e pela grandeza do empreendimento erguido ali pelo homem, compreende-se que toda e qualquer pessoa que chega a Songo quer ver a barragem, mas hoje em dia também salta à vista a beleza e o bom trato que o empreendimento está a emprestar ao complexo.
Novas e belas casas, arruamentos, monumentos, o verde, o campo de futebol de uma das mais apaixonadas equipas – a HCB do Songo - completam o cenário. É no Songo que também se pode encontrar a maior tenda permanente, jamais montada no país, com capacidade para mil pessoas.
Mesmo antes de se chegar a Songo, percebe-se a grandiosidade do trabalho feito ali pelo homem. É que depois de percorridos cerca de 150 quilómetros a partir da cidade de Tete, os derradeiros cinco quilómetros que vão desde o posto de controlo de Maroeira à vila chamam-nos a redobrar a atenção. Trata-se de escalar uma montanha, troço que é feito num trajecto a serpentear e cheio de armadilhas, que a natureza tratou de plantar, de tal jeito que basta pequena desatenção para cair ravina abaixo.
Depois de percorrer os derradeiros cinco quilómetros, há razões para dizer Cahora Bassa, que na língua local significa “o trabalho acabou”. Conta-se que os locais teriam proclamado “o trabalho acabou” aquando do fim das obras de construção daquele empreendimento.
Entretanto, sete anos após a reversão da barragem para o Estado moçambicano, constata-se que ainda há muito trabalho a fazer. Manter Cahora Bassa a produzir energia e enviá-la para os principais centros de consumo continua a ser obra. Porém, anima o facto de ser já um dado adquirido que a dívida de cerca de 700 milhões de dólares da reversão com o consórcio Calyon será paga até finais de 2016, um ano antes do fim do prazo inicialmente acordado.
Até meados de 2007, Moçambique detinha apenas 18 por cento do controlo accionista de Cahora Bassa, cenário que mudou a 27 de Novembro. A partir desta data, o Estado moçambicano passou a ser a maior accionista da HCB, com 85 por cento das acções.
O saudoso presidente Samora Machel teria-se referido à Cahora Bassa como “esta maravilhosa obra do génio humano constitui um verdadeiro hino à inteligência, um promotor do progresso, um orgulho para os projectistas e construtores desta fantástica realização. Cahora Bassa é a matriz do desenvolvimento de Moçambique independente”. E não foi por acaso.
MODERNIZAR É IMPERATIVO
APÓS a reversão,a administração da Hidroeléctrica de Cahora Bassa identificou em toda a cadeia de geração e transporte de energia os aspectos críticos a atacar. Isto aconteceu numa situação em que havia uma dívida da reversão a pagar.
Durante este período, foram investidos vários milhões de meticais naquilo que é descrito como sendo primeira fase de um vasto programa de modernização da infra-estrutura que deve prosseguir a partir do próximo ano com a chamada segunda fase.
Neste percurso, atacaram-se nove descarregadores (comportas) por serem vitais para todo o sistema de produção que é dependente da disponibilidade da água.
Basta recordar que o país herdou uma infra-estrutura que já contava com 30 anos de vida (começou a operar em 1977), o que, à partida, representava um desafio adicional.
Com as reformas que foram implementadas desde então, não só ganhou o país com o aumento da produção de energia em mais de 20 por cento, a mais alta desde que as turbinas foram postas a funcionar, como também a região que tem na HCB um motor do progresso.
Moisés Machava, administrador para a área técnica naquele empreendimento (pelouros de engenharia de manutenção e de gestão de operações na Hidroeléctrica de Cahora Bassa), disse à nossa Reportagem que o fim último de todo o processo de modernização é garantir a fiabilidade da energia transmitida e que a infra-estrutura está apta para continuar a dar a sua contribuição por muitos e longos anos.
É neste quadro que no próximo dia 17 de Novembro corrente começa a montagem, na subestação do Songo, de três novos transformadores de 600 kilovolts cada, cumprindo uma das etapas de modernização daquela infra-estrutura vital para a economia do país.
Este equipamento depois de seguir todo o percurso a partir de Richards Bay, na África do Sul, teve que escalar a colina de Maroeira (como todas as pessoas e bens que têm como destino Songo). A altitude e o labirinto têm sido o principal desafio. No caso dos transformadores, foi preciso estudar a rota, o trajecto e a forma de transportar.
Aliás, segundo nos contou Moisés Machava, os três componentes do sistema de conversão e de transmissão de energia eléctrica em corrente contínua para a África do Sul, envolveram uma logística bastante complexa, que incluiu o reforço da estrutura de pelo menos duas pontes ao longo do trajecto devido ao facto de pesarem, cada um, 143 toneladas.
Trata-se de transformadores da tensão mais alta em termos de corrente contínua, uma vez que será preciso intervir, num futuro breve, noutros três transformadores, desta feita de 400 kilovolts.
Infelizmente, no que se refere aos transformadores, não existem ainda tecnologias que permitam ter componentes menos pesadas para este tipo de capacidade.
O equipamento foi produzido na Suécia, e de Richards Bay, na África do Sul, atravessou o Zimbabwe e entrou no país via Kuchamano. Se viesse via Maputo ou Beira, a logística seria ainda mais complexa, porque há muitas pontes que não estariam em condições e não haveria meios financeiros para arcar com este investimento em tempo útil.
Depois dos testes que se seguirão após a montagem, finalmente se espera que entrem em funcionamento, em Dezembro, pondo fora de serviço os actuais que serão usados como reserva para a manutenção dos outros três que ainda carecem de substituição.
Com a montagem deste equipamento, segundo explicou Machava, reduz a probabilidade de uma paragem forçada na transmissão de corrente contínua para a África do Sul, que implicaria prejuízos para a empresa e para o país, e permitir muito baixo risco de paragem devido à avaria dos transformadores que agora é alta.
Por outro lado, segundo Machava, vai contribuir de forma bastante significativa na melhoria da disponibilidade e fiabilidade do sistema de conversão, tal como contribuíram as duas bobinas de alisamento modernas que também foram montadas na presente primeira fase de reabilitação da subestação avaliada em 100 milhões de euros.
Com a montagem dos transformadores em alusão, a HCB espera atingir 80 por cento dos objectivos da primeira fase do projecto de reabilitação da subestação, que para além da substituição das duas bobinas de alisamento também incluiu intervenções nos pára-raios, nas pontes e no equipamento de refrigeração.
O percurso seguido por estes três transformadores demonstra o empenho e seriedade com que os objectivos da reversão tem sido assumidos, sobretudo no que se refere à modernização.
A Hidroeléctrica de Cahora Bassa tem para o efeito um quadro de pessoal moçambicano motivado e que tem sabido consentir sacrifícios para que este empreendimento não seja apenas mais um, mas que, de facto, faça a diferença e que se afirme como uma empresa moderna e, sobretudo, competitiva.
Neste quadro e tendo em vista dispor de mais energia para alimentar o desenvolvimento do país, já estão em curso estudos e já é um dado adquirido de que se avança com a construção da central norte que vai adicionar uma capacidade estimada em 1245 megawatts aos 2075 MW actualmente produzidos.
GESTÃO HIDROLÓGICA A NÍVEIS CONTROLADOS
A HIDROELÉCTRICA de Cahora Bassa tem estado a fazer uma gestão hidrológica a níveis controlados, facto que permite garantir a geração de energia todo o ano. A previsão da construção da central norte não constitui um problema do ponto de vista de disponibilidade de água.
Gustavo Jessen, chefe do departamento de gestão hidráulica, disse à nossa Reportagem que a quota medida na albufeira em finais de Outubro era de 323 metros, um pouco alta para aquilo que tem sido os padrões normais.
Para efeitos de gestão hidrológica, aquele empreendimento determinou uma curva guia (níveis a manter em determinado período de tempo em função da época chuvosa) que tem sido cumprida escrupulosamente.
“Produzimos os possíveis cenários de afluência para a albufeira. Não havendo previsões seguras, definimos cenários diferentes e estamos preparados para chuvas abaixo ou ligeiramente acima do normal para o caso de haver necessidade de mudar”, explicou.
Refira-se que durante a presente época chuvosa, Moçambique deverá registar chuvas normais a abundantes que, segundo o Fórum Nacional de Antevisão Climática, poderá originar cheias nas principais bacias hidrográficas no período de Janeiro a Março de 2015.
A Hidroeléctrica de Cahora Bassa produz energia a partir da água retida na albufeira, que é um grande lago artificial com uma área de 2700 quilómetros quadrados, um comprimento de 270 quilómetros e largura máxima de 30 quilómetros. A sua capacidade útil actual é de 52 quilómetros cúbicos de água.
O empreendimento, construído sobre o rio Zambeze, na garganta de Songo, distrito de Cahora Bassa, em Tete, tem o formato de abóbada de dupla curvatura, com cerca de 303 metros de cumprimento e 171 de altura e é uma das maiores do Continente Africano.
Por isso mesmo, para além da gestão das afluências provenientes de diferentes tributários onde decorre diferentes usos de água, a monitoria ambiental e da qualidade de água tem vindo a assumir cada vez maior protagonismo.
Este exercício é feito tanto a montante, assim como a jusante, através da colheita e análise mensal de amostras de água da periferia da barragem, da jusante e ainda da água e sedimentos do fundo por toda extensão da albufeira, durante o período chuvoso e de estiagem.
São 19 pontos de recolha ao longo do leito e 36 nos principais tributários, tudo para avaliar os níveis de poluição, a tendência da qualidade de água e os níveis de sedimentação da albufeira.
MELHORA ACOLHIMENTO
TRABALHAR na Hidroeléctrica de Cahora Bassa significa, para muitos dos cerca de 700 trabalhadores daquele empreendimento, ter que viver no Songo. A construção da barragem implicou ter um estaleiro com uma comunidade muito pequena de pessoas. Entretanto, nos dias que correm já não tem mais essa face, senão duma cidadela em franco crescimento, tendo passado dos anteriores cinco mil pessoas para as actuais 26 mil.
Tendo em vista motivar os quadros e trabalhadores no geral, a Hidroeléctrica de Cahora Bassa embarcou num ambicioso mas realizável programa de edificações, pavimentação dos arruamentos, ampliação do abastecimento de água e energia que emprestam ao lugar uma nova imagem, melhorando o nível e qualidade de vida dos habitantes do Songo, no geral.
Francisco Xavier dos Santos, director de equipamentos e infra-estruturas sociais, disse, a título de exemplo, que no que se refere às habitações já estão concluídas 20 novas casas para os funcionários e outras cinquenta devem ser entregues até Maio de 2016.
Trata-se dum investimento faseado que contempla também reabilitação de antigas casas pré-fabricadas, já degradadas, conferindo-lhes outra robustez com uso de outros materiais. Até aqui foram reabilitadas 22 casas e próximo ano seguem outras 30 já identificadas.
A HCB concebeu que “a responsabilidade social é um investimento”, por isso tem estado a apoiar também na ampliação dos benefícios para a população do Songo, de modo geral.
“O Governo local olha de forma positiva o trabalho da empresa, tanto que tivemos muitas alterações desde a altura da reversão em 2007 até hoje. Trata-se duma alteração positiva”, defende o chefe do posto administrativo do Songo, Basílio Alcinar.
Segundo Alcinar, perto de 80 por cento da população tem água e energia contra uma situação anterior em que o privilégio era apenas para os trabalhadores da HCB.
“Tínhamos bairros com problemas de água. O mesmo acontece com a energia em que tínhamos bairros que em 2007 não tinham energia. Neste momento, 80 por cento dos bairros têm energia e água. As ruas estão nas melhores condições porque temos trabalhadores sazonais que fazem a limpeza e manutenção. A avenida Armando Emílio Guebuza, que é principal, não existia antes de 2007. De igual modo, nasceram novas rotundas e monumentos”, indicou.
A empresa apoia a população local em transporte de e para os seus postos de trabalho, dá assistência às escolas (reabilitou a “Criadora do Homem Novo”), para além de ter incentivado a escola técnico-profissional local.
“Também apoia o Governo em termos de transporte para serviços funerários, uma vez que não temos agência funerária, sobretudo para aqueles que não têm familiares. No Hospital Rural do Songo, temos hoje uma nova maternidade, uma nova sala de estomatologia, de oftamologia, para além de que as enfermarias foram remodeladas graças à intervenção da HCB”, indicou a fonte.
Na morgue local, para além da reabilitação das câmaras frigoríficas, foi construída uma capela onde se presta a última homenagem aos falecidos.
RÁDIO PARA VÁRIOS OUVINTES
A IDEIA da criação de uma rádio comunitária local, que funciona há seis anos, também é produto da reversão. Hoje, os pouco mais de 26 mil habitantes locais têm a notícia na hora e interagem com os comunicadores em várias rubricas postas à sua disposição.
Pompílio Cardoso, supervisor da Rádio Comunitária do Songo, conta com doze colaboradores que fazem emissões a partir dali em Português e Nyugwé e, desta interacção, resulta, por exemplo, uma maior adesão em programas de vacinação, pulverização, na prevenção de criminalidade (um dos colaboradores é membro da PRM), doação de sangue e mesmo na frequência aos hospitais.
A percepção que se tem ao visitar Songo é que a missão inicial da HCB pôs reversão está cumprida. São necessários passos firmes para consolidar os ganhos e enfrentar os desafios do futuro.
Osvaldo Gêmo, texto e fotos
NOTÍCIAS - 11.11.2014