Sérgio Vieira
“Samora dizia que gostava de trabalhar e ouvir com quem sabia mais do que ele. Não temia que o ofuscassem porque consciente do seu próprio valor. Chamava informalmente os que num assunto possuíam competência do saber e saber fazer. Não desciam esses do Monte Sinai, quando os ouvia sabia distinguir o útil e necessário do que não interessava. Por isso dirigiu sempre bem e desde a guerra”
O País mostrou interesse no meu regresso às Cartas. Aqui estou. Escrevo já mensalmente para o Afrique Asie. Durante duas décadas fi-lo para um semanário. Deu-me alegria e leitores mostraram apreço. Cessei porque o jornal caiu no inadmissível: artigos com alto teor racista. Uma editorial naquele mesmo momento denunciou esse nojo. Uma no cravo e outra na ferradura! A defesa da unidade nacional para além de cores da pele, origens étnicas, confissões religiosas ou opções filosóficas constitui um pilar e trave mestra que, retirados, fazem ruir Moçambique. Houve quem em público e pretendendo-se dirigente, distinguiu em função da cor da pele os autênticos dos não sei quem! Onde buscam os sandeus a pureza racial e a autenticidade? Na verdade o racismo e a dita autenticidade cobrem complexos graves de inferioridade e constituem tentativas oportunistas para satisfazerem as ganâncias escondidas como já o vimos. Pobre diabismo camuflando a vileza de espírito e menoridade de pensamento.
Vivemos eleições em Outubro e no país tudo rodou em torno disso. Que resultados se alcançaram e que lições se podem tirar?
1. De acordo com a observação internacional no cômputo geral as eleições obedeceram a critérios democráticos, isentos e internacionalmente aceites, pesassem as mais diversas irregularidades que não alteram a substância dos resultados;
2. A Frelimo ganhou com os piores resultados desde 1999. Tremeu, mas ergueu-se;
3. A Renamo assim como o recém-vindo MDM aumentaram os seus assentos nas Assembleias.
Vejamos por partes.
A Frelimo sofreu os maiores desgastes depois de 1999:
a. Resultantes da governação: Incompetências, desmandos, corrupção na função pública criam descontentamentos que levam sobretudo à abstenção e desinteresse dos membros e simpatizantes;
b. Devido ao distanciamento entre os princípios afirmados e a realidade da aplicação;
c. Causados pela contradição entre a colagem entre um passado indesejado e recente e o que se ambiciona para a frente;
d. Motivados pela presença de elementos duvidosos e com CV negativo nas listas de candidatos resultante de manobras e compromissos anti-éticos, contra até as directivas internas.
A Renamo obteve os melhores resultados após 1999. Os porquês:
a. As escaramuças e ataques na zona centro recriaram o traumatismo e terror da guerra.
b. Obteve os votos dos muitos, temerosos de novas violências. Estratégia deliberada, mas muito tardiamente ou pouco compreendida pelo governo e a Frelimo;
c. Recuperou o eleitorado que se encontrava perdido desde as autárquicas;
d. O retorno dos apoios dos círculos saudosistas do colonialismo, do racismo e da guerra-fria.
O MDM melhorou nas assembleias e esvaiu-se nas presidenciais:
a. Perdeu eleitores a favor da Renamo, os filhos regressaram à casa paterna. A Renamo esteve ausente das autárquicas e o MDM acreditou que o faria de novo nas gerais.
b. O desempenho decepcionante do edil do município da Beira e candidato a Presidente da República;
c. A insistência no regionalismo e nepotismo nas listas dos candidatos levou ao afastamento de muitos apoiantes à cata de cargos;
d. O abandono do MDM pelos círculos saudosistas do colonialismo, do racismo e da guerra-fria agora a favor da Renamo.
O Presidente Nyusi aparece com uma trajectória de mérito, mesmo se pouco conhecida do grande público e da comunicação social. Bom aluno, bom engenheiro, bom dirigente desportivo e vencedor de um campeonato nacional, bom gestor empresarial e bom ministro. No estilo, no pensamento e acção muito irá surpreender positivamente.
Contra os gananciosos e mesquinhos, há que o apoiar, dar-lhe força, trazer-lhe o conselho desinteressado mas bom. Ele sabe ouvir e jamais aderirá ao clube daqueles que matam o mensageiro porque lhes desagrada a informação.
Samora dizia que gostava de trabalhar e ouvir com quem sabia mais do que ele. Não temia que o ofuscassem porque consciente do seu próprio valor. Chamava informalmente os que num assunto possuíam competência do saber e saber fazer. Não desciam esses do Monte Sinai, quando os ouvia sabia distinguir o útil e necessário do que não interessava. Por isso dirigiu sempre bem e desde a guerra. Desejo o mesmo ao novo Presidente. Saber ouvir, buscar os talentos capazes que não o manipulem, nem busquem benefícios pessoais. Gentes sem raça, sem preconceitos, defensores do interesse da Pátria e do povo.
O autocrata caceteiro eterno perdedor desde 1994, órfão das tutelas dos ultras do colonialismo como o fundador Orlando Cristina, dos militares racistas como Van Tonder e Van Niereck a quem tratava de pai, deseja o impossível: estar no governo e na oposição. Com falinhas mansas, ameaça-nos se não aceitarmos um governo de unidade nacional. Sem lógica deseja negociar com o Governo, quando coligações partidárias se acertam entre formações políticas. Ensinem-lhe isso por favor.
Os manos perderam, o MDM ganhou. Haverá convulsões em casa.
No Botswana Ian Khama, quarto presidente desde a independência, ganhou e bem. Embora filho de Sir Seretse Khama, fundador da República e primeiro Chefe do Estado, a sua vitória não surge como continuação de dinastias. Nosso amigo, aqui veio muitas vezes, quando jovem, passar férias com a família de Samora. Parabéns.
Ganhou as eleições brasileiras a nossa amiga Dilma, continuadora de Lula. Parabéns.
O presidente zambiano faleceu. Tal como acontecera com Mutharika no Malawi, quis esconder-se a sua doença. Mas, contrariamente ao Malawi, na Zâmbia não se adiou o anúncio da morte e respeitou-se a Constituição. Parabéns forças políticas zambianas.
As meninas do basquete e os velejadores trouxeram alegria e orgulho para o país. Obrigado. Parabéns.
Com um abraço,
P.S. Celebra-se em Portugal a geração da Casa dos Estudantes do Império –CEI. Daí saíram muitos combatentes da causa da libertação nacional. A seu tempo escreverei sobre isso. Obrigado e abraço aos companheiros da CE.
O PAÍS – 20.11.2014