Centelha por Viriato Caetano Dias ([email protected] )
“Onde não há crocodilos, as salamandras abundam”. Excerto de uma conversa com o amigo Antunes
Nos últimos dias tenho descarregado a minha fúria contra alguns jovens “músicos”, os famosos fazedores de “beats e hits”. A cruzada não é para menos, já não é apenas o barulho ensurdecedor que fazem – por causa disso ando com os tímpanos fechados quando me aproximo às casas de pasto ou locais de lazer –, é o esforço deliberado em colocar a cultura, a língua, os valores morais (elementos que incorporam a nossa moçambicanidade) no lodaçal. Penso que, a caminhar assim, a nossa música não resistirá a nenhuma terapia de cura, porque acabará por sucumbir na memória do povo.
Não sei de quem é a culpa, porque apontar o dedo para designar réus, sejam realmente culpados ou não, é fácil e não custa nada: basta ter “apetites” para falar, mas parte da responsabilidade desse “estrangulamento cultural” sempre morou dentro de casa.
O Ministério da Cultura e os meios de comunicação social têm o dever e a obrigação de travar a batalha do prestígio, honrando e glorificando aqueles que fizeram e ainda o fazem para elevar a música moçambicana aos patamares do sucesso. A qualidade prima-se pela organização, algo que escapa aos promotores culturais.
Um dia as gerações futuras ouvirão dizer – se houver centelha nos olhos dos guardiões culturais de hoje – que o país foi bafejado por músicos lendários.
É uma pena que os poucos herdeiros estejam a enfrentar dificuldades hercúleas para, entre outras necessidades, adquirir uma viola para continuar o heróico papel de evangelizar a nação e o mundo. Foi a música, a par da literatura, que insuflaram a alma do povo para que se pregasse os trilhos da liberdade, da fraternidade e da igualdade. Os óculos verdes postos nos olhos dos patrocinadores, infelizmente, fazem-nos comer capim seco.
O Centelha de hoje visa também cobrir um dever pessoal: o de escrever algumas linhas sobre o músico angolano de nome artístico Yannick Afroman.
Segundo este artista, carrega os problemas do dia-a-dia e despeja no microfone.
Diz ele que tem encontro com a História, por isso, subestima-lo, é o mesmo que tentar apagar fogo com petróleo.
Faz ver aos seus detractores que “hit” das suas músicas não está no “beat”, mas sim na força da palavra.
Afinal quem é Yannick? Os biógrafos encarregar-se-ão de o dizer. A verdade é que tem sido, na companhia de outros célebres jovens músicos angolanos, uma ponte entre gerações. Quem faz a anatomia das suas letras, percebe que há um pedagogo ao serviço da sua pátria. Analisa com perícia a realidade angolana, elogiando o que está bem ao mesmo tempo que também crítica os aspectos negativos. Com Yannick a oposição em Angola está descansada, porque ele “fiscaliza” o governo e a sociedade angolana em geral.
Yannick é um músico de intervenção social, compreende-se por isso que não seja tarefa fácil eleger as suas músicas para debicar, é como escolher, pela sua importância ou significado, os dedos das nossas mãos. Cada música tem um propósito didáctico: a consciencialização da mente. Neste processo educativo, Yannick tem sido mais odiado do que Hitler. Mas isto não é algo que o preocupa, porque ele considera-se “pastilha”, a boca dos prevaricadores é que se cansa.
Na música “Mentalidade”, por exemplo, reconhece o crescimento e desenvolvimento económico de Angola, mas o mesmo não acontece com a mentalidade de parte do povo. Hoje em dia, as pessoas já não fogem aos carros, é o carro que lhes foge. A solidariedade perdeu graça. Atropela-se uma pessoa, para não prestar assistência, o automobilista foge. Quando uma pessoa é assaltada ou agredida sob olhar impávido de outras, só depois de os ladrões fugirem e deixarem a vítima inconsolável, desatam a perguntar ao pobre coitado o que fora roubado! Os jovens agora estão a beber muito, não porque é frustração da vida, é mesmo gosto pela bebida. Urina-se na rua, porque a maioria o faz.
Numa outra música intitulada “Pesadelo”, retrata o problema da falta de habitação. Em Angola ter uma casa deixou de ser sonho, é um pesadelo. Casa e terreno cada dia está a subir, razão pela qual muita gente com idade adulta ainda vive em casa dos pais.
Para quem compra terreno, a dificuldade que enfrenta é construir porque o preço de cimento é um balúrdio. Para acabar uma obra fica tipo quando se está num engarrafamento, anda, pára, anda, pára. Nos prédios as pessoas fecham varandas para servir de quartos.
Em “Algo está mal” o artista coloca o dedo na ferida e questiona? Fala-se tanto de saúde, mas quando ficam doentes vão tratar-se no estrangeiro.
Fala-se de educação de qualidade, mas os filhos estudam em escolas estrangeiras.
Na China não tem doutores? Então porque que só trazem pedreiros? Cada um abre o seu estabelecimento e aplica o preço que quer. Angola está tipo praia, todo o mundo chega e nada. Não há controlo. E diz mais: “uma sociedade é feita de referências, de modelos, exemplos, enfim, mas aqui só vejo lambebotismo, arrogância, chantagem e separatismo, estamos a criar uma sociedade de hipócritas e bajuladores; na rádio, na televisão e nas revistas ou nos shows é sempre o mesmo elenco, chega a ser enjoativo (…), será que esta gente não tem noção que prejudicar a juventude é fazer mal a nação (…), tantos postes de energia nas vias, nas estradas que não acedem… ”
Zicomo (obrigado).
WAMPHULA FAX – 24.11.2014