Editorial
Cabe agora ao Conselho Constitucional decidir pela justiça, que só pode passar pela devolução da dignidade à democracia, ou decidir pela irresponsabilidade e o patrocínio do caos e da violência
Os desenvolvimentos da semana passada, adicionados aos dos dias anteriores, vêm provar que, afinal, estávamos certos em relação às eleições de 15 de Outubro passado.
Estávamos certos de que os resultados anunciados pela Comissão Nacional de Eleições e pelo Secretariado Técnico da Administração Eleitoral reflectem acções com contornos criminais de vária ordem e nada se parecem com a vontade popular expressa realmente nas urnas.
A vontade popular está expressa nos votos que estão nas urnas e nos editais originais que a Comissão Nacional de Eleições e o STAE deliberadamente fizeram desaparecer, com o objectivo de transportar ao colo o candidato presidencial Filipe Nyusi e o partido Frelimo como vencedores. Não se sabe onde estavam com as cabeças os senhores Abdul Carimo e o seu comparsa Felisberto Naife, ao aceitarem fazer parte de tão degradante plano que é o da viciação dos resultados. O seu sentido anti- Estado e de irresponsabilidade preocupa-nos, mais ainda quando se sabe que o país acaba de sair da segunda guerra civil, que durou apenas dois anos, mas trouxe novamente a morte de inocentes e destruiu bens, exactamente por causa desse tipo de brincadeiras do senhor “sheik” e do seu amigo Naife.
Não se compreende que o passado recente não tenha sido escola suficiente para estes dois senhores. Chegarem ao ponto de aceitarem, quiçá para serem servidos de alguns trocos, subverter a vontade de todo um povo – que, ao ir às urnas, provou ser seu pleno desejo ver os dirigentes do país serem escolhidos nas urnas, e não fabricados por irresponsáveis, a quem depois se deve o sangue derramado pelos moçambicanos – é de uma ousadia infantil e tremendamente lesiva dos interesses republicanos.
Dito por outras palavras: o “sheik” Abdul Carimo e o seu amigo Felisberto Naife julgaram-se uns espertinhos subservientes, ao ponto de terem chegado à insana ideia de que podiam aldrabar toda uma eleição, fazendo de milhões de eleitores autênticos pacóvios.
Independentemente do que tenham prometido aos dois, é muita falta de carácter e do mais vil e ordinário que se pode imaginar, alguém propor ou aceitar empurrar o país para a violência por causa de uns trocados.
Ao esconderem e viciarem os editais, estão-se nas tintas para a consequência dos seus actos, e isso transforma esses senhores, e outros relacionados com o que aconteceu nestas eleições, em autênticos pulhas de baixo nível social e com carácter criminal.
Ainda não equacionaram o que aconteceria
se cada moçambicano fosse à CNE e quisesse saber do paradeiro do seu voto. Na nossa humilde opinião, mais de 20 anos depois da democracia multipartidária ter sido a melhor de qualquer outra solução para que não haja violência em Moçambique, já era altura suficiente para organizarmos eleições limpas, em que a estrela do processo fosse a vontade popular.
Não compreendemos o esforço de certos figurões da CNE e do STAE de quererem fazer o país caminhar para um cenário anti-civilizacional e ainda terem o descaramento, eles e outros, de virem acusar quem defende a democracia de estar a incitar à violência.
O que estão a querer é que as vítimas não impeçam o ladrão de roubar? Estarão a querer impedir a vítima de se queixar do ladrão? Da forma como as coisas estão de que lado se colocará a Justiça?
Com práticas tão decadentes que só envergonham o país, estes senhores deviam é estar na cadeia, para passarem a saber que queremos mesmo ter um Estado a sério e não um jardim de irresponsáveis deste calibre.
Fraude eleitoral só cabe na cabeça de quem ainda não atingiu a civilização nem conhece modernos métodos de convivência e competição humana.
Nós outros queremos mesmo eleições sérias e não falcatruadas, para que realmente se afirme o pressuposto do que está escrito no Artigo 2 da Constituição da República de Moçambique.
No dia 12 de Dezembro, o Conselho Constitucional exigiu os editais, para esclarecimento sobre a polémica do seu desaparecimento. Como os editais nunca existiram para efeitos de contagem, a CNE tratou de entregar alguns, como se isto de eleições se tratasse de uma brincadeira. Mesmo esses alguns, segundo fontes do Conselho Constitucional, estão todos viciados, porque não conferem com os dados do apuramento geral.
Ao entregar um disco ao Conselho Constitucional, no lugar de editais devidamente assinados e carimbados, como meio de aferição das contas, a Comissão Nacional de Eleições está a reconhecer a sua própria trapaça.
Encorajamos o gesto do Conselho Constitucional, que mostra sinais de não querer fazer parte da irresponsabilidade. Mas incitamos os juízes do Conselho Constitucional a não desistirem de tentar salvar a imagem da democracia, que, nesta sua vertente eleitoral, pode sair honrada e estimulada, se os resultados forem realmente os que o povo ditou nas urnas.
O Conselho Constitucional não pode limitar-se a pedir alguns editais. Deve exigir todos os editais a todos os níveis, para que a aritmética destas eleições apresente os resultados reais, e não resultados jurídicos produzidos por argumentação jurídica enganosa.
Gostaríamos de ver um Conselho Constitucional a comportar-se com seriedade.
A CNE e o STAE não dão qualquer garantia de credibilidade. Está tudo visto. Falta-nos ver se o Conselho Constitucional tem a sensatez de entender que eleições gerais não são um conjunto de argumentos jurídicos que se possa alinhavar. São apenas a soma de números reais, e não viciados, que devem existir nos editais, para serem conferidos pelo Conselho Constitucional. Única e exclusivamente pela soma das editais originais e verdadeiros das mesas de voto se pode chegar aos resultados finais. E, ao ponto a que isto chegou, gostaríamos que o Conselho Constitucional não procurasse legitimar a sua decisão com argumentos jurídicos, mas fosse totalmente verdadeiro perante os eleitores, anexando ao acórdão final todos os editais.
Infelizmente, tudo o que vem dos dois órgãos eleitorais (CNE e STAE) passa, por força da experiência, a ser falso, até prova em contrário. Estes dois órgãos já provaram que estão ao serviço da desestabilização política e da construção da violência, ao conceberem e
implementarem planos que visam adulterar a vontade popular.
No Quénia, num passado não muito distante, uma brincadeira similar à que nos está a ser servida pelo irresponsável do “sheik” e do seu companheiro Felisberto Naife acabou em derramamento de sangue. Depois de os órgãos eleitorais terem decidido que o candidato em que a povo votou não era o candidato dos órgãos eleitorais, começaram a fazer desaparecer editais, urnas e todo o material eleitoral, na esperança de que o Tribunal Constitucional – o equivalente ao nosso Conselho Constitucional – falasse de “algumas irregularidades” e validasse os resultados. Mas o povo já estava farto desse tipo de brincadeiras e teve de sair à rua com paus, pedras e até catanas, para restabelecer a sua vontade, que havia sido adulterada pelos bandidos eleitorais. Foi necessário sangue e destruição para voltar a pôr o país na normalidade.
Essa experiência do Quénia ninguém a quer ver repetida aqui em Moçambique.
Está provado que, em Moçambique, uns senhores que se comportam desta forma irresponsável ao dirigirem órgãos eleitorais transformaram o país num barril de pólvora com rastilho muito curto. Já ninguém está com paciência para aturar estas brincadeiras da CNE e do STAE. Já ninguém está com paciência para assistir serenamente ao seu voto a ser roubado.
A ida de Afonso Dhlakama para a Gorongosa, para esperar pelos resultados, não nos traz boas memórias.
Se o Conselho Constitucional também quiser entrar na mesma onda de irresponsabilidade comprovada pelas acções de certos senhores da CNE e do STAE, não nos venha depois dizer que aconselhámos mal.
Estas exigências de editais e outros esclarecimentos, um aqui e outro ali, que não seja para nos entreter, para, no fim, validar os resultados assim mesmo, sem nos trazer todas as evidências de que são verdadeiros. Se não apresentar evidências, ficará também o Conselho Constitucional sob suspeita. Isso só mostrará que estamos perante órgãos que se comportam como os de Salazar no tempo colonial, que organizava eleições apenas para legitimar o ilegitimável.
Não nos parece que haja condições para estas eleições serem validadas, por isso estamos cá para ver até onde isto vai. Amanhã se verá.
Não há condições para validar os resultados anunciados pela CNE, porque a própria CNE, até hoje, não consegue provar a ninguém como é que chegou aos tais resultados.
Cabe ao Conselho Constitucional decidir, e daqui chamamos à responsabilidade o Dr. Hermenegildo Gamito, para defender a justiça e a democracia. Se ele corroborar e ajudar a CNE e o STAE a desenharem o roteiro da desgraça, cujas consequências são imprevisíveis, a nós nunca nos irá pesar a consciência.
Este país não pode continuar a ser de um grupo de pessoas que decide quem ganha eleições e quem deve perder. Este país é de todos os moçambicanos. Em igualdade de circunstâncias e sob o escopo da democracia que decidimos adoptar, todos sem excepção podem ser eleitos.
Cabe ao Conselho Constitucional tomar posição do lado da justiça e da democracia, e acabar com esta palhaçada eleitoral, ou legitimar a casta e atribuir um certificado de inutilidade aos eleitores e um outro certificado de excessiva esperteza ao “sheik” e ao seu amigo.
Moçambique é um país de gente séria e honrada, e só deve ser governado por quem possua estas qualidades.
Não podemos viver num país em que os resultados são fabricados por um colégio, ou mais do que um, que, na sua composição, reflecte a proporcionalidade de eleições anteriores viciadas. Não podemos continuar a inocentar o ladrão e a condenar as vítimas.
A soberania reside no povo.
CANALMOZ – 29.12.2014