Centelha por Viriato Caetano Dias ([email protected] )
A província que acolheu o meu cordão umbilical e arquiva amenamente os “mizimus” (espíritos) dos meus ancestrais, Tete, é como referiu o meu saudoso amigo David Aloni, uma terra de mistérios. As suas palavras sobre os monumentos, a gesta, as lendas, as paisagens, enfim, as gentes, são como uma Bíblia que conquistou a intemporalidade.
Na minha condição de pigmeu – porquanto antes de mim as maternidades já presenciaram partos de outros rebentos –, confesso, qualquer acréscimo sobre a descrição de Tete, seria experimentar um acto de suicídio.
De facto, em todos os estádios da nossa história, o destino de Moçambique passou por aqui. Por isso, arrisco-me a dizer, que Tete é um panteão de história e de gente castiça, que luta todos os dias para edificar o nosso Moçambique melhor. Há 19 anos quando parti numa peregrinação pelo mundo, Tete confundia-se com um “Muro das Lamentações”, lá onde os homens não se reconhecem ser filhos do mesmo Deus, guerreiam-se por causas ideológicas, talvez seja por isso que nessa altura, Tete era palco de uma sangrenta guerra civil.
Ouvia-se, entre os populares, a escoada de lava que enchia os seus corações de lágrimas devido a problemática de água potável, a falta de corrente eléctrica, a exiguidade de escolas, postos de saúde, emprego. Os campos de cultivo estavam plantados de armadilhas mortais (minas); as estradas causavam problemas de junta (articulação de ossos) para os automobilistas, os cemitérios eram poucos para sepultar as vítimas da fome, da malária, da tuberculose, da lepra, da varíola, da cólera, etc. Esta ementa de desgraças adiava o sorriso de um povo sonhador.
Tete sobreviveu a tudo isto, graças a bravura dos seus Homens. Um povo que nunca se resigna diante das adversidades e tem sabido, ainda hoje, transformar as adversidades em oportunidades. A província está a agigantar-se economicamente, colmatando, pouco a pouco, os aspectos negativos que a acompanharam durante muitos anos. As suas riquezas (que são superiores em relação a muitos países), nunca constituíram um factor de relaxamento e/ou de vaidade, pelo contrário, conquistou o espírito de trabalho.
Tete é uma província de trabalho. Hoje não se pode falar de uma província pobre, aquele lugar que os artistas gostavam de compor as suas obras de arte destacando à desgraça, porque Tete transformou-se positivamente numa terra de esperança para os cidadãos de todo o mundo. Revisitei o distrito de Moatize, que dista pouco menos de 20 km da cidade capital, a paisagem é de trabalho. Os motores das máquinas não param de roncar, o que significa aumento de produção. Os camiões, os comboios e as pessoas cruzam-se, cada um fazendo o seu caminho, levando o distrito ao bom porto.
infra-estruturas construídas representam maior empregabilidade e um sonho a cumprir. Aqui, “a vitória prepara-se, a vitória organiza-se”, e os resultados, verdadeiramente animadores, estão à vista de todos. Quem for a Moatize, em passeio ou a trabalho, já não se queixará de ser a terra do calor (para uns, temperador; pra outros, escaldante, um forno natural de assar passarinhos), mas sim um paraíso onde as pessoas se realizam. O meu temor nos próximos anos é, porém, observar na vila carbonífera de Moatize aquilo que se assiste em algumas cidades mineiras brasileiras: o frenético apetite dos investidores deixará buracos e uma frase que acompanha sempre os frustrados: se nós soubéssemos!
Falta, em Moatize, um museu para registar os momentos históricos que o distrito vive, como era o sonho de um dos seus primeiros administradores Joaquim Sombreiro Dias (meu pai). A minha passagem pela província de Tete, terra que magnetiza para idas fre-quentes, teria sido um mar de rosas, se Zóbuè tivesse condições que um lugar daquele valor e importância deve inevitavelmente, possuir. Mesmo sabendo-se que é um ponto de passagem de muitos cidadãos, vindos de Tete, Niassa, Zambézia e até de Nampula, não possui uma agência bancária, ATM e POS, significando que os moradores daquele retalho de Moçambique devem percorrer 106 kms até à vila de Moatize, para verem o seu desejo satisfeito: levantar algum valor para fazer face aos frequentes coices da vida. Repito, um lugar que tem um posto fronteiriço, uma população que corresponde a um distrito, não tem sequer um ATM.
O amigo Nkulu, ao saber dessa informação, reagiu da seguinte maneira “servir o povo é, também, atender as suas preocupações elementares. E uma ATM é o básico, jamais capricho. Por aqueles habitantes serem fronteiriços, correm o risco de serem moçambicanos geográficos e não de coração e sentimentos, tendo em conta que não encontram a solução desta sua preocupação nesta Pátria. Como nos ensina a vida real, no amor, onde o (a) dono (a) não pega, não trata bem, fica provável e vulneravelmente à disposição do (a) rival, vulgo amante (conceito encontrado para suavizar a prática do adultério), já que o vácuo horroriza a vida conjugal. Assim, esta gente poderá, um dia, abrir um compartimento nos seus cora-ções para albergar outra pertença, a alternativa, já que as soluções dos seus problemas têm origem além-fronteiras. Será uma incapacidade reflexiva e redactorial das estruturas distrital e provinciais na elaboração dos frequentes e rotineiros, concretamente no capítulo das dificuldades? Como é que uma província com empreendimentos económicos colossais pode ter este tipo de lacuna ao longo dum corredor de desenvolvimento? ATM´s precisam-se para gente do Zóbuè. Fazer isto não é um exercício de luxo. Até poderia ser uma oportunidade para um momento de inauguração!
A este propósito e em conversa com alguns elementos da população, incapazes de ver a chegada da mudança da situação, disseram-me “Há males que já fazem parte das nossas características, pela força que têm de permanecerem connosco numa duração perpétua. São dificuldades integrantes do nosso corpo, dificuldades que apenas se separarão de nós pela lei da morte. É uma herança antiga. Estamos a ser fiéis ao nosso passado.” Continuando à conversa com o amigo Nkulo, rematou “são exigências da população local que devem ser resolvidas, mesmo que se saiba que outros locais se ressentem das carências da mesma natureza. Porém, quem opta por ser polígamo deve saber calendarizar os atendimentos em função da vastidão fasciculada da clientela, sob risco do vazio ser preenchido por ares doutras origens. Mais não disse. Apenas contribuí para o desenvolvimento do país.”
Todos os sinais de desenvolvimento da província são ofuscados pela realidade sócio-económico do distrito de Zóbuè. Se ontem Zóbuè era um dos celeiros da província, os campos abasteciam todo o ano, a banca e a hotelaria estavam presentes, porém, num ápice, toda essa façanha desapareceu.
Zóbuè está exaurido e em estado de S.O.S. Há registos de empreendedores que enterram o metical, quanto mais não guardam nos celeiros de milho. É preciso inverter a situação e fazer de Zóbuè uma zona de desenvolvimento. Não é possível esgotar em duas páginas o que senti e vivi ao revisitar o meu berço.
Haverá outras oportunidades, já que, segundo dizem, quem aqui nasceu e/ou bebe da água do Zambeze à terra sempre volta.
Zicomo (obrigado).
P.S.: Apelo às autoridades provinciais para acabar com os desmandos dos “gules”, vulgarmente conhecido por “nhau” na localidade do Zóbuè. Estão a causar terror à população. Espero que este meu apelo encontre ouvidos e que se faça o que é justo fazer.
WAMPHULAFAX – 30.12.2014