Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Pela manutenção do poder, tudo vale
Uma leitura, mesmo que breve e superficial, de todo o processo eleitoral em Moçambique, 2014, leva a concluir que existem problemas sérios.
A dimensão dos problemas é de tal modo grave que os órgãos que deveriam proclamar os resultados finais, isto é, promulgá-los, enfrentam todo o tipo de obstáculos. Quando se esperava que o Natal se passaria com os resultados anunciados, eis que somos confrontados com a probabilidade do anúncio ser em Janeiro de 2015.
Para qualquer cidadão observador, alguma coisa de muito estranho se deve estar passando com as contas eleitorais moçambicanas.
Tanta terá sido a desorganização organizada, desorganização voluntária, trabalho especializado de entidades de inteligência e eleitorais que, no fim, a salada ficou tão complexa e indecifrável que agora ninguém consegue “salvar o convento”.
Para os que são extremamente rápidos a trazer justificações legalistas e de suposta extemporaneidade, fórum próprio prévio, é estranho que não se insurjam contra a demora inadmissível que se arrasta desde os pleitos eleitorais de Outubro de 2014.
Será que partem do princípio de que o “tempo cura tudo”?
Ou será antes que querem que os seus opositores dêem um “passo em falso”, para que reclamarem legitimidade e continuarem no poder?
Algo de sinistro deve estar a ser cozinhado nalguns centros de pensamento e de poder em Moçambique.
Quando não há vontade política de ver processos normalizando-se, decisões consensuais sendo alcançadas e um país harmonizando-se, tudo pode acontecer.
Vislumbra-se um “braço-de-ferro” renovado e contra todas as expectativas de que desta vez teríamos paz e concórdia.
Aguçam-se apetites pelas riquezas naturais redescobertas e alinhavam-se alianças e posições que colocam em perigo real todos os resultados alcançados em sede de diálogo no Centro de Conferências “Joaquim Chissano”.
Há uma velha e nova guardas que, combinadas e conluiadas, se mostram contra qualquer alternativa que conduza o país para os caminhos da verdadeira democracia política e económica.
Agora já não são somente os “libertadores” que não querem “largar o osso”.
Existe a sensação de que uma fauna acompanhante voraz e altamente consumidora afina estratégias para que nada se altere. Habituada a ter protagonismo e proeminência nos assuntos políticos e económicos do país, a partir dos seus santuários luxuosos, não descartam nenhuma possibilidade e julgam que mesmo a guerra serve os seus objectivos de dominação.
Toda a guerra mediática concertada e feroz acontecendo à vista de todos tem alguma razão de ser.
Não pode ser por acaso que algumas pessoas se esqueçam de que existe uma legislação eleitoral a cumprir. Um Estado de Direito não pode “casar-se com a ilegalidade” nem funcionar ao sabor de interesses circunstanciais de algumas sensibilidades.
Infelizmente, dos parceiros internacionais não vale a pena esperar que se pronunciem, pois a sua posição é determinada pelos seus interesses concretos, geoestratégicos e de acesso a recursos naturais estratégicos. Não vão mover uma palha até que o “caldo se entorne”. Uns estão esperando pela possibilidade de vender mais armas e outros querem que a desordem se instale, para aferirem qual das partes deverão apoiar.
A aparente e por vezes evidente relutância do Governo em agir em defesa da manutenção da paz através de meios concretos faz parte de decisões prévias.
A união e coesão exibida ao nível dos altos escalões do partido no poder é também a confirmação de que efectivamente abominam a alternância democrática do poder.
Os pleitos eleitorais de Outubro de 2014 tiveram tudo para dar certo, depois de um período de hostilidades localizadas. Mesmo sem uma perfeita organização das eleições e tendo em conta que a máquina montada estava inclinada para um dos lados, teria sido possível, havendo vontade política, concluir o processo maneira limpa e insuspeita.
Há que escolher entre democracia e arrogância acompanhada de prepotência. Há que haver mínimos no que se refere ao comportamento dos titulares de cargos públicos.
Política é um exercício que, se não for sério, de responsabilidade permanente pode descambar para territórios fora de controlo, e de consequências desconhecidas.
Tomando de empréstimo palavras do angolano Marcelino Moco, não se pode permitir a “carnavalização da Constituição, das eleições, fazer da Constituição uma carapaça para enganar as pessoas”.
Quando o executivo e o seu partido de suporte se negam a reconhecer que a lei também deve ser cumprida por eles, está aberto o caminho para o desastre, para a desordem, para o regresso à barbárie.
As fintas que se ensaiam nos bastidores vão produzir resultados concretos, disso não haja dúvida.
No lugar se aproveitarem as aberturas existentes, as condições de diálogo criadas ao abrigo do processo político moçambicano, há pessoas que não se importam de deitar tudo a perder. Interromper o diálogo e retomar a escalada de guerra discursiva é um caminho demasiadamente perigoso, embora alguns julguem que estão acima de qualquer perigo ou risco.
Também é de afirmar que infelizmente assiste-se a uma pobreza continuada de declarações de “renomados académicos”, de personalidade religiosas e de algumas “eminências pardas”.
Parece que a preocupação, em algumas frentes, é manter o “status”, preservar as vantagens adquiridas, assegurar que nada se altere.
Quando acontecer a derrapagem, quando as hostilidades fermentadas se verificarem, já será tarde.
Que ninguém se queixe, amanhã, de que não houve aviso prévio.
Um cenário de “sudanização” cada vez mais preocupante não se pode esconder em Moçambique.
De algumas latitudes, alguns afiam os dentes, antevendo que podem abocanhar algum “bife”.
Será isso que os moçambicanos querem?
Na verdade, aos moçambicanos só interessa a PAZ, dignidade, progresso e concórdia.
É tempo de cerrar fileiras e de assumir responsabilidade agora, para que ninguém se lamente amanhã. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 29.12.2014