EM 2005 um turista chegou pela primeira vez a Gorongosa. O fiscal do parque, no portão de entrada, sugeriu que voltasse para trás porque não havia muito para ver. Ele, no entanto, persistiu e conduziu durante cerca de seis horas no Parque da Gorongosa e viu apenas um macaco-cão, um facocero e uma imbabala.
Nove anos depois, esse mesmo turista visitou de novo Gorongosa e teve uma experiência extraordinariamente mais satisfatória: a última contagem aérea da fauna bravia permite perceber porquê.
Entre 25 de Outubro e 4 de Novembro do presente ano, o Director dos Serviços Científicos da Gorongosa, Marc Stalmans, dirigiu uma contagem aérea alargada das zonas sul e central do Parque Nacional da Gorongosa.
Estas áreas representam cerca de 50 por cento do parque, mas são consideradas o melhor habitat e possuem a maior densidade de fauna bravia. Os resultados da contagem revelam um extraordinário renascimento das populações de muitas espécies animais. (A maior parte da fauna bravia foi dizimada durante os 16 anos da guerra de desestabilização em Moçambique, de 1977 a 1992.)
Foram contados 71.086 herbívoros de 19 espécies. Os resultados representam uma grande história de sucesso da conservação em África, e um marco histórico do Projecto de Restauração da Gorongosa – uma parceria público-privada entre o Governo de Moçambique e a Fundação Carr, uma organização norte-americana sem fins lucrativos.
Marc Stalmans está entusiasmado com os resultados: “A contagem confirma que as populações de fauna bravia estão a recuperar rapidamente no parque. Houve um aumento marcante desde 2007 da densidade de espécies como inhacosos, impalas e cudos. Os inhacosos recuperaram para o que é provavelmente a maior população de qualquer área protegida em África”.
De acordo Stalmans, os resultados também são um bom indicador para o crescimento contínuo destas populações no futuro. “Os resultados da contagem indicam que todas as grandes espécies de herbívoros, com excepção da subespécie crawshayi de zebra, agora ocorrem em números que são suficientes para a sua recuperação contínua e viabilidade”.
No entanto, nem todas as espécies estão a fazer tão bem como se esperava. Os números de bois-cavalos (ou gnus) estão abaixo das expectativas. Os leões, seus predadores naturais, poderão ser uma razão para isso. Também os caçadores furtivos, que são conhecidos pela sua apetência pelas caudas dos bois-cavalos. Um ou ambos os factores poderão explicar os números inferiores ao que se esperava desta espécie.
O Director Científico da “Gorongosa” testemunhou os efeitos da caça furtiva em primeira mão durante a pesquisa: dois caçadores foram apanhados em flagrante com duas gondongas mortas pouco tempo antes.
Ele também observou a exploração comercial agrícola e de abate de árvores em algumas áreas de fronteira com o parque. Por isso adverte: “Apesar do crescimento muito encorajador dos números da fauna bravia, é claro que as actividades ilegais continuam a ser uma ameaça séria. Os esforços de aplicação da lei precisam de ser sustentados e mesmo aumentados em muitas partes do parque”.
FISCAIS DO PARQUE: COMBATER FURTIVOS E PROTEGER ANIMAIS
Apesar da evidência dos actuais desafios para proteger a Gorongosa, esta contagem deu a todos na equipa da Gorongosa um enorme impulso moral, particularmente ao Departamento de Conservação, liderado por Pedro Muagura. São os cerca de 130 fiscais liderados por ele que patrulham o parque no dia-a-dia, protegendo os animais da caça furtiva.
Pedro Muagura disse-nos: “Eu costumava vir à Gorongosa no final da década de 90 com os meus alunos do Instituto Agrícola de Chimoio e era muito deprimente, pois podíamos ver um belo parque, com uma bela flora e abundância de água doce, mas não havia animais. Precisávamos ficar mais de um mês para ver um único inhacoso ou mesmo algum excremento de elefante e os alunos não podiam fazer qualquer identificação de animais”, anota.
Avança que era mesmo difícil detectar animais como o macaco-cão. Mas agora tudo mudou e basta apenas percorrer a picada do portão de entrada até Chitengo, mesmo antes de fazer um verdadeiro safari de jipe, para ver centenas de macacos e, pelo menos, várias espécies de antílopes.
Estes resultados irão apoiar as futuras tomadas de decisão de gestão no parque, e permitir aos cientistas prever como o ecossistema se irá recuperar. A restauração da Gorongosa oferece à ciência uma oportunidade única: observar o que acontece com um milhão de acres (400 mil hectares) de natureza quando a maioria dos animais de grande porte é removida. As lições aprendidas poderão formar a base para projectos de restauração noutras partes do mundo.
Como Stalmans observa: “A recuperação da fauna bravia ocorre em proporções que são muito diferentes daquelas documentadas em tempos históricos. O sistema mudou de ser dominado por búfalos para um sistema dominado por inhacosos. Há oportunidades interessantes de investigação que precisam de ser retomadas, a fim de ajudar no desenvolvimento de uma melhor compreensão da dinâmica do sistema, o que irá apoiar a gestão e a tomada de decisões”.
PROJECTO DE RESTAURAÇÃO
O Parque Nacional da Gorongosa é o mais conhecido parque nacional de fauna bravia de Moçambique e situa-se no extremo sul do Grande Vale do Rift Africano. É o lar de alguns dos ecossistemas biologicamente mais ricos e geologicamente diversos do Continente Africano.
Os seus limites abrangem as grutas e desfiladeiros profundos do Planalto de Cheringoma, as vastas savanas do Vale do Rift e a preciosa floresta tropical húmida da Serra da Gorongosa.
No entanto, os ecossistemas foram profundamente afectados durante o conflito civil no país. Depois da guerra, em 1993-1996, os caçadores ilegais incrementaram a destruição, e muitas das grandes populações de animais da Gorongosa foram reduzidas em mais de 90 por cento.
Em 2005, a Fundação Carr, uma organização dos EUA sem fins lucrativos fundada pelo filantropo americano e conservacionista Gregory C. Carr, juntou-se ao Governo de Moçambique no âmbito de um memorando de entendimento para restaurar o Parque Nacional da Gorongosa.
A parceria, conhecida como “Gorongosa Restoration Project” (GRP), é um dos mais ambiciosos esforços de restauração de parques jamais tentado (a restauração também tem beneficiado do apoio da USAID). O acordo promove o duplo objectivo de restauração de ecossistemas e melhoria do desenvolvimento humano para as comunidades locais.
Até agora, o GRP revitalizou equipas anti-caça furtiva; reconstruiu infra-estruturas do parque; realizou monitorização biológica; reintroduziu herbívoros (zebras/ bois-cavalos/ búfalos/ elefantes/ hipopótamos); construiu infra-estruturas sociais para as comunidades vizinhas, centros de educação e investigação científica; estabeleceu programas de agricultura e de saúde em colaboração com os governos dos distritos vizinhos; e em 2010 o Governo de Moçambique expandiu os limites do Parque para incluir a Serra da Gorongosa e uma zona tampão de 3300 quilómetros quadrados em torno do parque.
NOTÍCIAS – 24.12.2014