Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Mesmo inimigos confessos reúnem-se e alcançam consensos
“Miudezas de galinha” para a maioria e caviar para os eleitos sempre foram um perigo para Moçambique.
Muitas vezes a confusão advém da abordagem e dos objectivos perseguidos pelos interlocutores ou intervenientes num determinado processo.
Em Moçambique, assiste-se a um jogo aparentemente complexo, mas, na verdade, mais simples do que isso. Os que por vezes se tornam beligerantes e, volta e meia, assinam acordos de fim das hostilidades, são moçambicanos de pleno direito, que não divergem em função de ideologias políticas ou outra consideração filosófica.
O que uns se denominam e o que outros dizem ser, do ponto de vista ideológico, difere daquilo que realmente são.
Antes do AGP, já havia um mercado livre em funcionamento e um capitalismo selvagem em progressão. As balizas do regime político, do ponto de vista económico, estavam traçadas. Estamos numa situação em que potenciais beligerantes não estão conseguindo conceber que é possível partilhar e compartilhar Moçambique.
O “dossier” moçambicano, no que se refere aos seus aspectos políticos, é decorrente de uma perspectiva de que a aceitação de formalismos é mais importante do que a implementação de políticas que transformem formalismos em conteúdos. Muito boa gente funciona na percepção de que a abertura de espaços na arena governativa, judicial, no aparato das Forças de Defesa e Segurança colocaria em perigo determinado “status” e, assim, o “modus vivendi” de um grupo determinado de pessoas.
A inflexibilidade negocial evidente resulta dessa forma de ser e de avaliar o cenário nacional.
Comete-se o erro de repetir erros do passado.
Fazer política hoje difere profundamente do que era no passado, e quem se recusa a aprender do passado facilmente se embrulha em confusões desnecessárias.
Parece haver um forte receio, da parte de alguns dirigentes do partido no poder, de se verem conotados com quem teria ou terá “vendido” o país e, em certa medida, os ideais que nortearam a acção de um grupo de pessoas ao longo dos anos. Ninguém quer ser visto como tais pessoas, e isso concorre para que unam tendências e alas na defesa da manutenção do poder por todos os meios.
Quando alguém não consegue conceber que não estar no poder não significa morte física nem política, é simplesmente perigoso, pois ofusca a visão do essencial e convida à adopção de posturas beligerantes.
A via do desenvolvimento e paz alcança-se com diálogo franco, sentido de Estado, de pertença a um destino comum, e não com posturas irredutíveis.
Dar oportunidade a que se construam entendimentos e consensos é a única via de se evitar o descarrilamento do comboio nacional.
Não se pode trocar as palavras por balas, e nem se pode permitir que alguém coloque tudo a perder só porque, na sua visão míope, Moçambique é sua propriedade privada.
A expulsão de uma equipa da TVM de uma reunião da Renamo na Gorongosa é um sinal inequívoco de um mal-estar que se anunciava. Um órgão público de comunicação social que ao longo dos anos se associou a um partido político distorcendo factos e influenciando os mesmos.
Uma linha editorial que combina elementos inquietantes de manipulação e encobrimento dos factos, recusando-se a passar a mensagem dos outros, não contribui de modo algum para a pacificação tão publicitada.
“Separar o trigo do joio”, separar os partidos políticos do Estado, promover a despartidarização efectiva do Estado e das Forças de Defesa e Segurança, dos tribunais e demais órgãos de administração da Justiça tem de ser assumido como algo fundamental e vital para as aspirações de paz e democracia no país.
A eloquência e brilhantismo verbal, os tempos de antena concedidos a uns e negados a outros não são promotores de concórdia.
A discriminação e condicionamento dos debates, as “cartas na manga” consubstanciadas por instruções prévias claramente identificáveis minam as discussões de interesse nacional e promovem fricções muitas vezes sem fundamento.
Aquela maneira de pensar e de agir que não admite que Moçambique possa ser objecto de discussão que coloque na mesa pontos de vista diferentes são perigosos, pois reacendem procedimentos dos tempos de partido único no país.
Ninguém é proprietário em absoluto e exclusivo da verdade, e, nesse sentido, é mau serviço à nação procurar endeusar este ou aquele.
Moçambique e os moçambicanos não se podem permitir recuar para aqueles tempos em que pensar diferente era sinónimo de ser-se reaccionário e contra-revolucionário, candidato a uma viagem por vezes sem regresso para os “campos de reeducação”.
“Sem santos nem pecadores”, sem “puritanos nem jesuítas”, englobando todos na discussão que interessa a todos, sem lugares cativos e especiais para uns e o último banco da sala para os outros, é possível engajar os moçambicanos e evitar-se de forma serena e activa o descalabro da presente situação de paz tremida.
Moçambique sem reféns nem sequestradores da sua paz e desenvolvimento é mais importante do que pretensas posições de força deste ou daquele interlocutor.
Parar a espiral de rearmamento, evitar novo ciclo de hostilidade é possível, mas só quando as partes se convencerem de que não é mais sustentável enveredarem pela confrontação militar em virtude de análises e estratégias que apontam a possibilidade de uma vitória demolidora e final.
Armas e sistema de armas de segunda classe e categoria, baratas no mercado asiático, outras de proveniência ocidental-oriental de origem desconhecida, mas que chegam aos potenciais beligerantes, créditos e facilidade financeiras, treino e assistência técnica são possibilidades que às vezes cegam e não deixam ver outra coisa senão pretensões.
Da mesma maneira como o desfecho da guerra anticolonial foi alcançado em Lusaka e não no campo de batalha, a guerra civil moçambicana conheceu o seu fim em Roma.
Se houve uma reacender das hostilidades, foi porque alguém pensava que havia enganado ou fintado alguém.
Não se pode garantir a manutenção da paz com arbitrariedades de todo o tipo e com a promoção do abocanhar do país por um grupo especial de pessoas.
Sem democracia política e democracia económica o cancro da instabilidade continuará vingando e fazendo das suas.
Tem de haver uma reavaliação de estratégias por parte de todos.
Um país não pode ser uma mina de ouro de rubis para uns e um pântano inóspito para a maioria.
A teoria das “miudezas de galinha” para a maioria e caviar para “eleitos” não tem pernas para andar. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 26.12.2014