UMA das maravilhas de que o país se orgulha, no contexto das áreas de conservação da vida animal, principalmente, e da flora é o Parque Nacional da Gorongosa.
Outrora um dos maiores do género em África, virou depois palco de batalha durante a guerra terminada em 1992 no país e fonte de enriquecimento para caçadores e madeireiros furtivos; o que o precipitava para a destruição, até que, desde 2005, um ousado projecto de restauração lhe está, a passos galopantes, a devolver a grandeza.
O Projecto de Restauração da Gorongosa, que decorre desde 2008, com esta designação, é uma parceria público-privada entre o Governo, através do Ministério do Turismo, e a Fundação Carr, do filantropo norte-americano Greg Carr. A iniciativa envolve ainda as comunidades locais, tidas como parte integrante por, conforme têm anunciado os seus gestores, poderem desempenhar papel fundamental no grande plano que há de devolver ao lugar o esplendor de outros tempos.
O parque estende-se por uma área de quatro mil dos cerca de 6600 quilómetros quadrados do distrito de Gorongosa, na província de Sofala. Não é o maior do país, em termos de extensão (os parques nacionais do Limpopo, Quirimbas, Banhine e Zinave têm superfícies maiores), mas ostenta características consideradas únicas no respeitante a muita da sua fauna, flora e ecologia, ganhando por isso uma reputação especial a nível nacional e não só.
A nossa Reportagem, que visitou recentemente o parque, soube dos seus gestores e visitantes que está a “recuperar aos poucos” o esplendor de outros tempos. Uma das testemunhas é Vasco Galante, director de comunicação do Parque Nacional da Gorongosa. “Em 2005, quando cá chegámos, Chitengo (o acampamento onde se hospedam os turistas e os trabalhadores) era caracterizado por escombros. À noite dormíamos em tendas e de dia íamos materializando aos poucos o muito que havia por fazer para que o parque fosse o que ele está a ser”, comentou ao nosso jornal.
Construído nos anos 1960, a espécie de complexo que congrega infra-estruturas de hospedagem e de trabalho foi completamente destruída durante a guerra. Havia, por isso, a necessidade de reconstruí-lo. Depois, havia que criar as outras condições para o funcionamento do empreendimento, nomeadamente o restauro da fauna e da flora bravia que fizeram constar Gorongosa e Moçambique em diversas referências sobre áreas de conservação em África e no mundo.
O período inicial de restauração do Parque da Gorongosa foi de trabalho intenso. Difícil pelas condições existentes, mas prazeroso pelos objectivos que até hoje constituem a meta do projecto. “Não havia nada aqui. Para além da reconstrução do acampamento do Chitengo, tínhamos de começar a devolver as espécies que quase se extinguiram. Para isso, a Fundação Carr investiu (cerca de 10 milhões de dólares entre 2004 e 2007, segundo soubemos) para o repovoamento com búfalos e bois-cavalos, numa primeira fase, ao que se seguiram, posteriormente, outras aquisições de animais”, explicou Vasco Galante. Elefantes, zebras e algumas espécies de antílopes constam da lista das outras aquisições.
O compromisso de restaurar a área de protecção é uma meta de 20 anos que Greg Carr e sua equipa estabeleceram, sempre em consonância com o Ministério do Turismo, parceiro nos projectos e na gestão de Gorongosa. Com uma visão ambiciosa, o filantropo norte-americano diz sonhar em fazer do parque um lugar melhor do que encontrou e, porventura, melhor do que alguma vez esteve. Em tempos, a antiga reserva de caça que em 1960 passou a ser oficialmente um parque nacional granjeou simpatia a nível do mundo, pelas suas características únicas, atraindo visitantes de todo o mundo, incluindo celebridades políticas, científicas e culturais. As duas décadas referidas por Carr têm como marco inicial 2008, quando com o Governo moçambicano acordou a gestão conjunta do Gorongosa Restauration Project, fruto do sucesso do projecto inicial que vigorou de 2004 a 2007.
A reputação do parque foi construída pelos seus atributos únicos em termos de fauna, flora e ambientais, o que também atrai vários cientistas. O naturalista Edward O. Wilson, por exemplo, um dos mais reputados a nível mundial, tem vindo a prestar a sua colaboração para a identificação, estudo e preservação de várias espécies, algumas delas por si descobertas desde que há poucos anos iniciou os contactos com o Parque da Gorongosa.
Para que a investigação científica decorra sem sobressaltos, foi criado no local um laboratório de biodiversidade, tido como um dos poucos no Continente para o acompanhamento e investigação da fauna e da flora. Nota de destaque no funcionamento do laboratório é o emprego de jovens moçambicanos, que embora sem qualificações académicas de nível superior desenvolvem, depois de localmente treinados, um trabalho considerado de grande qualidade e impacto.
Quando visitámos o laboratório, a semana passada, encontravam-se lá a trabalhar dois cientistas diplomados norte-americanos e cinco jovens moçambicanos, que frequentaram escolas secundárias de Gorongosa e de outros distritos de Sofala. Eles encontram ali um lugar perfeito para o acasalamento entre a pouca (para o nível exigido) teoria aprendida nas aulas de Biologia até à 12.ª classe e prática que consiste em estudar o complexo mundo das plantas e dos animais que no caso concreto daquele lugar de conservação ainda necessita de estudos exaustivos.
Um desses jovens é Isac Ginga, de 17 anos, que nasceu e estudou no distrito de Dondo. Ginga integra o projecto “Leões da Gorongosa”, que monitora o comportamento da espécie no interior do parque, tendo como missão estudar a dieta daqueles felinos, as suas movimentações e a ocorrência de novos nascimentos.
Ao “Notícias”, o jovem cientista (é assim que são designados no seu trabalho) revela-se realizado com o que faz, ao ponto de sentir que o seu futuro passa por ali. “Gostaria de estudar Biologia e quando acabar vir aplicar os conhecimentos que adquirirei na universidade aqui. Sinto que sou parte deste parque e dos animais e das plantas que aqui existem”, conta.
COMUNIDADES, OS OUTROS DONOS
O Projecto de Restauração da Gorongosa assenta-se sobre quatro pilares: o turismo, a conservação, a ciência e as comunidades. Nenhum deles é hoje motivo de satisfação absoluta por parte dos gestores do parque porque existem metas que ainda estão por alcançar.
Na vertente turística, por exemplo, o objectivo é que “maior número possível” deles com os moçambicanos a serem os primeiros. A justificação é simples: “este lugar único no mundo (pelas características ecológicas, principalmente) é primeiro dos moçambicanos”, sentencia Vasco Galante.
Estatísticas apontam que há dois anos o parque recebeu um total de 6550 visitantes, dos quais 4100 cidadãos moçambicanos. Destes apenas 601 foram pagantes, sendo que os restantes acederam ao local no âmbito da política que a instituição leva a cabo de envolver as comunidades circunvizinhas e outras no desfrute do que a área de conservação proporciona. “Isso faz parte da nossa visão de fazer das comunidades à volta também elas donas do parque. Levamos públicos de todas as idades, mas principalmente crianças e jovens estudantes, para safaris em que passam a conhecer de perto a beleza natural do país. Mais do que simples visitas também proporcionamos excursões de aprendizagem, em que as crianças têm aulas aqui”, ressalvou a fonte.
O parque interage com as comunidades locais e circunvizinhas desenvolvendo vários projectos transversais, todos eles com o intuito de envolvê-las na meta de proteger os animais e as paisagens do local e criar uma coexistência enriquecedora para todos. Por exemplo, os camponeses das redondezas do parque recebem assistência técnica e recursos para que sejam auto-suficientes na produção agrícola, através, por exemplo, de um projecto denominado “Machambas-Modelo”.
O “Machambas-Modelo”, que visitámos na comunidade de Vinho, no vizinho distrito da Nhamatanda, mas a poucos quilómetros do Parque Nacional da Goronhosa, envolve extensionistas e outros técnicos formados principalmente com recursos institucionais do parque. Garantir a segurança alimentar e a possibilidade de comercialização são alguns dos objectivos do programa, que inclui ainda a produção piscicultora e apicultura.
Também em Vinho o Parque contribuiu com a construção de uma escola primária completa e um centro de saúde que beneficia a comunidade local, que antes percorria cerca de trinta quilómetros para encontrar o hospital mais próximo.
No parque funciona um centro de educação comunitária, que desenvolve muitos outros programas que correspondem, em certa medida, ao que muitos empreendimentos têm como iniciativas de responsabilidade social. Várias iniciativas capacitam os moradores das proximidades do parque em matérias como a protecção do meio ambiente e desenvolvimento económico, o que constitui igualmente contributo do Parque Nacional da Gorongosa, no alívio dos índices de pobreza que ainda se consideram alto localmente e no país em geral.
Todos os projectos que decorrem no parque têm como meta torná-lo numa referência nacional e internacional, estatuto que granjeou no passado. A missão, segundo as partes envolvidas, não é impossível, pois a conjugação de esforços entre elas permitirá a reconciliação que se pretende com a natureza.
GIL FILIPE
NOTÍCIAS – 11.12.2014