...da margem do Rio Pitamacanha Por: António Nametil Mogovolas de Muatua
... rezemos para o desaparecimento do ódio existente entre alguns políticos !
A bateria eram panelas. As baquetas eram colheres de pau da cozinha da mãe do Lá-Lá. De seu nome verdadeiro e completo António Andelares dos Reis Pereira. Seu número cativo na pauta da turma lectiva era sempre o quatro. Namorisqueiro habilidoso de primeira água, sabia encantar as raparigas. Não sabia falar inglês, mas de bom ouvido para bem papaguear as músicas dos cantores anglo-saxónicos, começando pelos Beatles, passando pelos Roling Stones e outros famosos até hoje. Não cantava músicas brasileiras muito em voga àquela época.
A única coisa real naquele dueto era o acordeão, tocado, com mestria, à maneira do “sapa sapa” dos macuas dos bairros de Namutequeliwa, Mutomote e de outros da periferia da Cidade de Nampula, pelo exímio executante Henrique Vale Gil Corregedor, filho de gente grande dos CFM de Nampula. José Hilarião Manuel do Rosário, que Deus o tenha em merecido bom repouso, cantava o Baião da Praia, Baião Cassuri, Baião de Dois e o Quatro Horas da Manhã, Zé Marmita Vai e Vem. O Jorge Manuel Ferreira Marques, com a voz roufenha de Pavaroti, cantava numa língua parecida ao espanhol o Marina, Marina, Marina Meu Amor. Ele na sua cantiga falava de amor. Mas não era aquele amor que aprendíamos na Catequese. Era um amor que despertava curiosidade à nossa virgem e imaculada adolescência. E fechava a sua intervenção nas festividades da Escola e mais tarde no Cinema Almeida Garrett, sempre com uma canção saloia agradável, cujo nome agora não me está a sair da parte mais recôndita da minha memória.
É que já se passaram mais de cinquenta anos! Decorria o ano de 1965. Andávamos na Escola Industrial e Comercial Neutel de Abreu de Nampula. A Luta de libertação Nacional começara em 1964. Falar-se dela era perigoso tabú. A bufaria pidesca (mais tarde DGS) andava nervosa prendendo inocentes a torto e a direito. Feridos e mortos chegavam, sem cessar, ao HM 125 – Hospital Militar 125 - daquela cidade eleita para Quartel-General do Comando Territorial de Moçambique do Exército Português – Terceira Região Norte. No meio de tudo o que ia acontecendo naquela urbe havia um Homem com “H” maiúsculo. O Padre Católico Diocesano Agostinho Rodrigues. Era Professor da Disciplina de Educação Moral e Cívica. Grande amigo da juventude. Deu fortes novas plumagens à JOC – Juventude Operária Católica. Ele “ecumenizou” a JOC porque jovens de outros credos religiosos iam também divertir-se sob a sombrinha da JOC.
Era dotado de riso sincero que lhe saia da alma. Este Padre falava de tudo chamando-as pelos seus próprios nomes científicos, sem refúgio a sub-terfúgios. Sem nos ensinar malandragem, vacinou-nos contra os perigos de sermos malandros desinformados, principalmente em matéria sexual. Sem ser muito ousado, era frontal e prudente em dar-nos educação sexual. As suas aulas eram muito concorridas. Com índice de absentismo zero. O conteúdo das suas palavras hipnotizava-nos.
Foi na aulas do Padre Agostinho Rodrigues que, muitos de nós, ouvimos falar pela primeira vez da função da camisa de Vénus (hoje popularmente chamada de camisinha ou jeito ). Ficamos entusiasmados com a sua explicação científica sobre o fenómeno natural da penetração, fecundação, gravidez e parto. Assegurou-nos que o aborto era uma questão que ainda carecia de muito debate. Mas ele dizia que, independentemente, dos seus motivos uma vida inocente era eliminada com o aborto. Ele adorava discutir tudo connosco sem tomar posições definitivas a favor ou contra! Este Padre gostava de ter a juventude organizada de forma sã. Organizava sessões culturais de teatro, música, dança e concursos literários e de desenho e pintura.
Foi ele que encorajou o Lá-Lá e o Henrique Corregedor a criarem um conjunto melhor estruturado. Com mais organização. Formaram o Dueto Yé-Yé, que conquistou o terceiro lugar num concurso de música yé-yé em Quelimane, em 1965. Animados com esta vitória e sempre com o apoio moral do Padre Agostinho Rodrigues, o conjunto Yé-Yé, cresceu, integrou novos elementos e passou a chamar-se Conjunto 007, que se fez classificar em primeiro lugar na edição de 1967 do Concurso Yé-Yé realizado na então cidade de Lourenço Marques.
Uma vez em Nampula, empolgados com esta vitória e sempre assessorados pelo Padre Agostinho Rodrigues, o Conjunto Yé-Yé transformou-se em “Os Animais”. Nos “Os Animais” encontramos o consagrado saxofonista Chico da Conceição, o maior de todos os tempos em Moçambique. Juntou-se ao agrupamento o Nini Timoteo, tocando viola a solo tirando dela sons inimitáveis. Um rapaz português da Força Aérea Portuguesa também se juntou ao “Os Animais” tocando viola ritmo. Estou a ver cara mas o nome não me vem ao de cima da memória do rapaz que brincava com a viola baixo como ninguém. Como seria bom que as confissões religiosas, os partidos políticos, as associações sócio-profissionais e os clubes hoje existentes em Moçambique começassem a ocupar de forma sã a nossa juventude, tal como o fazia o Padre Agostinho Rodrigues, naqueles dolorosos tempos do colonialismo que não podemos esquecer só porque o tempo passou.
WAMPHULAFAX – 14.01.2015