Distrito da Gorongosa
- Constata o académico Victor Igreja, professor de “Estudos de Paz e Conflitos, Justiça em Transição e Antropologia” na Universidade de Queensland na Austrália que, durante algumas semanas, trabalhou em várias comunidades do distrito
A presença massiva dos homens do exército governamental e dos guerrilheiros da Renamo, no distrito da Gorongosa, em Sofala, faz com que muitas comunidades não sintam os efeitos do fim das hostilidades assinado em Setembro último, entre o presidente da Republica cessante, Armando Guebuza e o líder da “Perdiz”, Afonso Dhlakama, segundo constatação do antropólogo Victor Igreja.
O reputado académico moçambicano, professor de “Estudos de Paz e Conflitos, Justiça em Transição e Antropologia” na Universidade de Queensland na Austrália, esteve, durante algumas semanas, a trabalhar em várias povoações anteriormente fustigadas pelo cenário de guerra que durou dois anos.
Para Victor Igreja, “ aos olhos das comunidades, a presença do exército é um indicador de que ainda há hostilidades. Há uma forte percepção de que se vai retornar à guerra”, explicou aquele académico, para quem a forte presença das forças governamentais à circulação de homens da Renamo, aliado aos discursos construídos tanto do lado da Renamo, como do governo, não têm ajudado para a promoção da paz.
Igreja, que é docente e investigador da Universidade Queensland, na Austrália, está no país a trabalhar com o Centro de Estudos Moçambicanos e Internacionais (CEMO). Ele referiu que há um grande espanto no seio de analistas sobre a maneira como a questão da pacificação é tratada, concretamente os contornos do processo de cessação das hostilidades.
Por exemplo, conforme explicou o nosso interlocutor, o novo Chefe de Estado, Filipe Nyusi, teve quatro oportunidades soberanas para falar sobre a questão da necessidade de continuidade com o diálogo no âmbito da implementação do acordo da cessação das hostilidades. Teria falado, aquando da aclamação pelo Conselho Constitucional dos resultados eleitorais; tomada de posse e investidura do governo central e governos provinciais.
“É estranho o que está acontecer em relação à falta de resposta para estas inquietações”, explicou.
Elite não vê urgência da paz
O nosso interlocutor refere que pela maneira como as coisas estão a ser conduzidas no campo da cessação das hostilidades demonstra que a elite governativa nunca sentiu a urgência de evitar o retorno à violência, porque sempre que há guerras o epicentro é o centro e norte do país. Acontece que a elite política vive no sul do país, concretamente em Maputo.
“Mesmo no tempo colonial, ninguém conhecia a Frelimo em Lourenço Marques. A guerra se travou bastante no norte e um pouco no centro do país; as elites que residiam no sul pouco sabiam sobre os horrores da guerra. Durante a guerra dos 16 anos, o cenário não foi tão diferente uma vez que as elites que viviam em Maputo não sentiam os efeitos directos da guerra, apenas sentiam indirectamente devido aos cortes de energia e falta de água.
Atualmente verifica-se a mesma coisa, uma vez que o conflito armado ora terminado esteve confinado a região de Gorongosa. A actual apatia que se assiste por parte da elite governamental é sinal que a paz não prioritária”.
Diálogo de surdos e o silêncio de Nyusi
O nosso entrevistado debruçou-se também sobre o diálogo que decorre no Centro de Conferências Joaquim Chissano, que não tem produzido resultados satisfatórios.
Mais uma vez, Victor Igreja entende que Filipe Nyusi devia responder, para isto, usava canais públicos para falar, não especificamente sobre o governo de gestão, mas sobre os esforços visando resolver a questão das forças residuais da Renamo.
O silêncio de Filipe pode-se entender que tenha preterido o diálogo, passando aos militares para tomarem conta desta situação. Uma falta de comunicação por parte do Chefe de Estado também pode ser interpretado como um sinal de conformismo do PR em relação à proposta de criação da chamada região autônoma defendida por Afonso Dlhakama.
“Penso que já é altura para falar especificamente da paz. O PR não pode ficar no silêncio, isso contribui para o medo da população. O silêncio do Chefe de Estado contradiz com o apelo que fez aquando da tomada de posse”, explicou Igreja, para depois referir que “o silêncio só encaixa nos negócios porque se considera o silêncio como uma das armas do sucesso, enquanto a política, sobretudo em matérias de gestão da paz e guerra, o silêncio pode ser perigoso. A política é, por natureza, comunicativa”.
“Por essa razão, o povo, e em particular os jovens, estão à espera de uma resposta específica do PR em relação ao assunto da pacificação e normalização da vida”.(Domingos Bila)
MEDIAFAX – 26.01.2015