Por Viriato Caetano Dias ([email protected])
“Somos [utilizados] como papel higiénico que só usam para limpar a sua vergonha nas campanhas eleitorais e depois deitam-nos fora”. Ali Faque, in Jornal @Verdade (2014)
Não me lembro ao certo a data, – aliás, nas palavras do meu amigo Nkulu, “A hora exacta duma felicidade não se fixa. Só as desgraças são memoráveis ao detalhe, com horas e datas concretas – creio que o primeiro contacto visual com a sumidade musical, Ali Faque, foi na Casa da Cultura em Nampula, o único local que, alguém me segredou, poderia encontrar e conhecer o compositor de “Os Ratos Roeram Tudo”, o saudoso Salvador Maurício, a quem até hoje muito admiro e estimo. Os detectores e os sensores que trazia na algibeira não conseguiram localizar o ídolo (um desgosto que ainda hoje carrego na alma), mas conspiraram, favoravelmente, para que encontrasse outro grande músico e compositor do sucesso “Kinachukuru”, que, também, ocupa os lugares cimeiros no cardápio das minhas preferências musicais.
Airosos tempos em que os músicos moçambicanos, quase na sua generalidade, cantavam e encantavam os corações de uma nação em construção, como uma terapia balsâmica suavizante, curando as almas dos mais necessitados. Sem nunca acusar problemas de ouvidos e de vistas, uma epidemia que parece acompanhar uma grande parte da nossa actual juventude, o povo sabia separar o joio do trigo, não permitindo que composições perversas aos valores nobres da sociedade (a boa educação, a solidariedade, o respeito, a justiça, a paz, o amor e o progresso) lograssem espaço. Todo este festival de asneiras que as televisões e os patrões promovem é apelidado de “nova geração cultural”. Uma vez que não há capacidade para travar esta “hemorragia”: “as liberdades transformam-se em arbitrariardes!”. A respeito do assunto, acolho a observação do amigo Nkulu, que enfatiza o seguinte: “As asneiras são atractivas e têm muita capacidade de conquistar adeptos, mesmo que o destino seja apenas perdição.”
Como a mediocridade musical impera, chegando a fazer escola em alguns locais do país, o talento é ofuscado pela lei do mais forte. Este país deixou de produzir talentos e passou a consumir o que de pior se reproduz no estrangeiro. Desta forma, desabafou o autor de “Weyo Khuri Sana” (o desconhecimento das línguas koti e macua não me impedem de apreciar a melodia das suas músicas) cujo sentido das letras são confirmadas pelas traduções que me oferecem, a música moçambicana está condenada ao estrangeirismo. A medida que soltava o desabafo, senti que as palavras morriam-lhe nos lábios, porque a escassos metros da Casa da Cultura ouvia-se ao fundo o som de um jovem músico a discriminar o albinismo. Conhecem a música “até à albina”? Estava tudo dito e, por culpa das circunstâncias, agourava-se na carreira do trovador Ali uma peregrinação pela estrada do sofrimento.
Quando um grande homem é tornado pequeno no estatuto (situação social), de tudo se faz notícia. Ali passou de bestial para besta, sem apoio e sem consideração pelos promotores musicais que preferem o amadorismo e o estrangeirismo. Por que será? Porque o manipulado dá lucros ao manipulador. Um manipulado não impõe, obedece. Não se liberta, cumpre ordens. Para ajudar, construi-se uma sociedade jovem que não consegue separar o acessório do fundamental. É difícil não concordar com o Padre Manuel Maria Madureira da Silva quando afirma que “Enquanto os ricos se banqueteiam, os pobres Lázaros jazem à porta, esperando que algumas migalhas caiam”. É disto que provavelmente acalenta o coração de Ali, que uma alma compadecida (no mundo de marketing musical) lhe dê uma oportunidade para sair do vermelho, este estágio infernal.
Esta minha homenagem é reforçada por uma entrevista que Ali concedeu ao jornal @ Verdade no pretérito ano de 2014. A entrevista cujo título “Ali Faque: A figura de superação” é bastante emotiva, porquanto fala da descriminação por sofrer de albinismo, facto que ditou a separação dos pais e a rejeição do seu progenitor, da pirataria, das dificuldades que encontra, em Maputo, para singrar na carreira e dos lúceres que encontrou no mundo da música. Elencando um dos seus dissabores na entrevista, concretamente a falta de editoras, Ali afirma: “Nós (os músicos moçambicanos) estamos como se estivéssemos a viver na água, onde não se afoga quem sabe nadar”. Num outro desenvolvimento, fazendo uma analogia com as crianças de rua, observa o seguinte: “E nós os músicos também somos como esses petizes que vivem nas ruas, mas não porque não temos uma casa, mas, sim, porque não temos condições. Aliás, eles (as autoridades) não nos dão condições”.
Todos concordarão comigo que a vida de qualquer ser humano – quanto mais não seja de Ali Faque – não se mede em homenagens. Esta crónica está longe de ser uma homenagem, mas sim um grito de socorro para o resgate dos valores culturais, com enfoque (incluindo a arte musical) perdidos pela loucura do “vil metal”. Ali Faque não precisa de homenagem, porque no coração de cada admirador seu e na galeria dos grandes músicos que este país alguma vez produziu, estão erguidos uma estátua viva de reconhecimento pelos serviços prestados à nação.
P.S.: Duas notas merecem destaque. A primeira é a escolha certeira de Jorge Ferrão para Ministro da Educação. Por duas ou três vezes sugeri, aqui no WF, a nomeação do antigo Reitor da Unilúrio para um sector vital do progresso do país. Parece que o actual presidente da República, Filipe Nyusi, leu as minhas sugestões, aliviando-me imensamente. O Professor Doutor Jorge Ferrão é um caso raro (quase ilha) de sucesso. Assisti de perto à construção da Unilúrio, quando as dúvidas povoavam as mentes dos homens da cultura de incredulidade (O que vêm fazer estes utopistas atrevidos?), e, hoje, os frutos estão à vista de todos. Uma Universidade recentemente criada, mas com frutos apetecíveis, graças ao empenho da equipa dirigida por Professor Doutor Ferrão. Oxalá que o seu sucessor não use o martelo do poder para derrubar a obra herdada, como, infelizmente, fazem alguns maridos e esposas que, em vez de garantir a felicidade, aproveitando as condições deixadas por antigos (as), só vêm defeitos nos (as) antecessores (as). “Patifam” tudo em nome da propalada “nova dinâmica”, inaugurando as páginas de ruinas no lar, mesmo que a tal reforma consista, apenas, em virar a mesa da secretária para o poente. A segunda nota tem a ver com o apagão na zona norte do país. Sobre os prejuízos nem vale a pena falar. A EDM precisa de uma purificação ou uma outra instituição que a faça concorrência, para acabar com o monopólio que, muita das vezes, cria arbitrariedades e má qualidade dos serviços prestados à sociedade. Quem não conhece a história daquele homem que só passou a tomar banho quente a partir da aquisição da segunda esposa? A despeito da implacabilidade violenta das intempéries, há um esforço sobre-humano dos profissionais do WF para que os leitores não fiquem reféns do vazio noticioso. O mesmo há que se diga das instituições nacionais e estrangeiras que estão empenhadas na salvação de preciosas vidas humanas, com destaque para os militares que, no terreno, dão autênticas e ecoantes aulas exemplares de patriotismo no salvamento de pessoas e transporte de bens. São estas lições de entrega e desempenho que perduram na memória de um povo. Os meus parabéns e coragem a todos. Mais não disse. Zicomo (obrigado).
WAMPHULA FAX – 26.01.2015