Inédita é a situação vivida em Moçambique resultante do actual ensaio protagonizado pelas hostes do partido no Poder. Trata-se do projecto que o partido Frelimo pretende, nesta legislatura, estabelecer na sua política - o conceito de dois centros de poderes. Se constitui decisão sábia, apenas o tempo o dirá, no entanto, aparentemente, não deixa de alimentar diversas inquietações sobretudo no tocante ao relacionamento dessas duas novas entidades.
Publicamente não há nenhuma informação oficial sobre a implementação deste projecto mas na prática tudo leva à existência de dois poderes. Um deles gira à volta do Presidente da República, Filipe Nyusi, que foi eleito Chefe de Estado suportado pelo partido Frelimo em Janeiro passado. O segundo gira em torno do Presidente do partido Frelimo, Armando Guebuza, antigo Chefe de Estado, que durante o seu último mandato, ora terminado em 2014, ensaiou uma revisão constitucional que veio acabar na gaveta depois de tanta polémica e tanto dinheiro gasto. Muitas foram as vozes que na ocasião deram eco a uma teoria dando conta de que tal pretensão visava, acima de tudo, aumentar o número de mandatos do Presidente da República dos actuais dois de modo a permitir a sua recandidatura a um terceiro mandato. Houve outros que diziam que Guebuza pretendia, com a pretensa revisão, a implementação do modelo russo engendrado por Vladimir Putin em que o poder estaria concentrado no chefe do Governo, cenário que abria portas para o antigo Chefe de Estado por via disso ficasse como Primeiro-Ministro, e, qualquer outro que viesse ser PR ficasse sob seu domínio.
Trata-se de dois poderes em que um deles deverá subordinar-se ao outro.
E qual será? Em termos de hierarquia, cabe ao partido fiscalizar internamente a acção do Governo, e tudo leva a crer que o Poder do Estado encarnado no Chefe de Estado possa vir a cair nas mãos do partido Frelimo, fruto da subordinação que tal condição obriga Nyusi a obedecer em relação a Guebuza, cenário que faz prever dias difíceis para o País, caso o actual Chefe de Estado não se livre quanto cedo das actuais cordas que o amarram. A sua imagem e o diálogo com a Renamo serão prejudicados, senão vejamos:
IMAGEM
O exemplo recente do posicionamento da liderança do partido Frelimo contra a sua política no tratamento dos diferendos com a Renamo, de certa forma, não só fragiliza a governação de Nyusi assim como veio dar indicações no eleitorado de que afinal de contas o seu poder estar sujeito a uma espécie de remoto controlo que se encontra nas mãos do seu partido, cenário que vai de encontro aos que acreditam que ele seja uma espécie de marioneta ou pau-mandado. As amarraras que hoje afligem Nyusi foram vencidas no passado porque os seus predecessores para além de serem Chefes de Estado eram também os chefes do partido e, assim, pelo menos evitavam sentar na cadeira subalterna em sede de qualquer órgão da Frelimo como aparenta ser o seu caso actual. Como o azar nunca vem só, Armando Guebuza ainda mantém gabinete na Presidência da República, o que lhe permite ainda movimentar-se naquele círculo com relativa liberdade, podendo nesse exercício mexer os cordelinhos a seu favor com vista a reforçar o seu poder perante Nyusi.
Tal como as pedras estão montadas, o Presidente Guebuza fiscaliza o Chefe de Estado, não apenas pelos poderes partidários que possui, mas também através do seu gabinete para antigos Chefes de Estado que está lá montado, paredes-meias com o Gabinete do Presidente da República, ficando uma espécie de verdadeira sombra para Nyusi. Aonde quer que Nyusi se vire lá estará o seu sósia. A fotografia oficial de Nyusi marca presença em todas as instituições públicas, menos, no partido. Aqui ainda é Guebuza quem possui a faca e o queijo na mão, algo que acontece pela primeira vez na história de Moçambique, há cerca de 40 anos, desde 1975. Também é pela primeira vez que o Chefe de Estado não é oriundo da região Sul. É do Norte, região onde na companhia do Centro, há muitas reclamações à volta das assimetrias em termos de desenvolvimento com o Sul de Moçambique mais avançado em relação àquelas duas regiões. É nessas duas regiões onde a oposição tem hegemonia, de tal sorte que se não fosse o voto do Sul, a depender do eleitorado daquelas duas regiões a Frelimo e Nyusi teriam perdido as eleições passadas de 2014. Aliás, essas duas regiões são o principal cerne do actual debate sobre
as autonomias defendidas por Afonso Dhlakama e a Renamo, cuja abordagem da questão por Nyusi nos encontros que teve com o líder da perdiz fez a máscara cair.
DIÁLOGO
Praticamente as negociações no Centro de Conferência Joaquim Chissano entre o Governo e a Renamo não conhecem desenvolvimento. O processo de desmilitarização da Renamo não anda.
Trata-se de uma herança que Nyusi terá de saber gerir. Até aqui, o Governo ainda não apresentou, como seria de esperar, um plano oficial e público sobre como será feita a reintegração dos chamados homens residuais da Renamo. Apenas tem exigido que a
Renamo lhe entregue as listas contendo números e outros dados dos referidos homens, algo negado pelo maior partido da oposição, condicionando tal gesto à disponibilização prévia desse documento. Para além disso, a Renamo exige a partilha de comando nas FDS alegando que, actualmente, os que chefiam os comandos são apenas gente de confiança e partidários da Frelimo.
Verdade ou não, o certo é que não se conhece nenhum comandante que não seja portador de cartão vermelho, tirando os poucos casos daqueles que ainda não foram sacudidos das FADM que, à luz dos Acordos de Roma, possuem cargos de chefia embora não ostentem cartão vermelho.
SEMANÁRIO CATEMBE – 26.02.2015