Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Autoridade Tributária fica sempre “a ver navios”.
Também, depois de tantos almoços e jantares de trabalho com os PCA’s da VALE e da ENI, outra coisa não poderia acontecer.
Sem diagnóstico apurado e qualificado, andaremos às voltas, sem jamais definir qual é a enfermidade de que padece o país.
O Ministério das Finanças, através da Autoridade Tributária de Moçambique, tem ensaiado produzir comunicados referentes a prováveis mais-valias provenientes de vendas de acções por empresas detentoras de licenças de exploração de minerais em Moçambique. Gás e carvão têm sido os alvos das tentativas da ATM em mostrar serviço.
Só que, a cada investida da ATM, na pessoa de Rosário Fernandes, seu executivo de topo, dir-se-ia que choca com uma barreira de betão à prova de qualquer manobra legal proposta.
Afinal, Manuel Chang, antigo ministro das Finanças, seu chefe, terá sido o “menino mais obediente” que o FMI e Banco Mundial encontraram alguma vez em África. Todas as propostas de facilidades para os megaprojectos foram acarinhadas e protegidas. Todos os incentivos julgados necessários e convenientes foram aprovados.
Em sintonia perfeita com o chefe do Executivo moçambicano, forjaram uma estratégia com dois vectores: leis e procedimentos destinados ao consumo do público, mas, simultaneamente, através do “segredo do negócio”, sossegar os investidores de vulto de que os seus negócios estavam plenamente protegidos.
Foi assim que vimos ministros dos diferentes pelouros manifestando-se em público. Desde a energia aos recursos minerais, desde a agricultura às pescas. Muitos são os negócios que foram alinhavados e as parcerias público-privadas estabelecidas sem que o público nem o parlamento tivessem conhecimento ou acesso.
O reinado de Armando Guebuza foi o verdadeiro cúmulo de um processo de gestão danosa da “coisa pública”.
Tenhamos a honestidade de dizê-lo, porque só reconhecendo isso é que se pode partir para a busca de soluções tendentes a limpar o ambiente público-privado de toda uma série de procedimentos e práticas constrangedoras.
A Autoridade Tributária, em termos concretos, dificilmente encontrará alguma mais-valia de negócios efectuados entre a Riversade e a Rio Tinto. Também deve ficar clara de que a Rio Tinto, ao vender os seus activos carboníferos aos indianos, blindou-se contra qualquer tentativa moçambicana de conseguir determinar e exigir contrapartidas. A ENI e a VALE aprenderam a lição, ou vinham com ela bem sabida. Venderam e vão continuar a vender o que lhes interessa numa perspectiva de lucro, como qualquer investidor, sempre quase nada pagando a Moçambique, detentor dos recursos negociados.
Quem possui recursos e, depois de quarenta anos, não possui “know-how” adequado para negociar diligentemente a favor de uma agenda nacional não deve procurar culpados fora de portas.
Quem não investiu na educação apropriada dos seus técnicos numa perspectiva de tirar o maior proveito possível dos recursos que possui só pode culpar-se a si próprio.
Quem não se deu ao trabalho de entender e interpretar os conhecimentos adquiridos durante décadas de colonização não se preparou para governar.
Existiam comissões nacionais do plano ao estilo moscovita. Técnicos formados na RDA, URSS e outros países socialistas existiam em número suficiente para aconselhar o executivo governamental. Mas será que o Executivo governamental alguma vez quis escutar os tecnocratas?
Com a queda do Muro de Berlim, uma nova realidade surgiu e uma nova correlação de interesses se apresentou.
No lugar de aprender com a experiência dos outros, parece que foi opção garantida pelo poder controlado que os recursos minerais e de outra natureza fossem utilizados como plataforma de enriquecimento rápido.
De Joaquim Chissano a Armando Guebuza, governar passou a ser assinatura de prospecção de minerais, de concessões mineiras e autorização de utilização de milhares de hectares para a exploração agro-industrial.
Afastando-se os que conheciam os “dossiers”, tais como os portugueses, recorreu-se a uma dispendiosa prospecção geológico-mineira, no lugar de comprar e engajar actores que desde os anos sessenta estavam no terreno.
No lugar de redescobertas de minerais, começaram a falar de descobertas, como se tivessem descoberto alguma Índia.
Tudo começou a ficar claro no reinado de JAC, com tantos adiamentos relacionados com a reactivação da exploração de gás já localizado e descoberto em Pande-Temane. O mesmo se passou com a indústria de bebidas, em que se preferiu encontrar novos parceiros, em vez de “vender” aos antigos gestores e proprietários das fábricas de cervejas e refrigerantes.
É aí que se deve localizar a génese das mais-valias privadas e o surgimento de accionistas moçambicanos em megaprojectos.
Enquanto a ATM procura mais-valias para os cofres do Estado, parece estar a fazer vista grossa das mais-valias privadas que os diferentes empreendimentos produzem em Moçambique. Quantos moçambicanos detentores de fortunas consideráveis pagam realmente impostos das actividades económicas e financeiras que realizam?
Alguém já se lembrou de estudar o fenómeno de descoberta de rubis e criação da companhia que agora os explora e exporta? Um camponês aparentemente encontrou uma pedra bonita, que se soube mais tarde que era rubi. Membros da nomenclatura reclamaram como suas, através de um DUAT rapidamente conseguido, as terras em que se encontrou o rubi. Sem conhecimentos nem arcaboiço financeiro, resolveram vender a malawianos, que rapidamente se associaram a ingleses, e estes compararam tudo. São proprietários maioritários do empreendimento, investiram fundo que, em dois leilões realizados, já devem estar amortizados, tal é o valor dos rubis de Cabo Delgado. Conclusão: Moçambique perdeu a oportunidade de estar recebendo vultuosas somas monetárias a partir um produto moçambicano. Moçambicanos perderam uma oportunidade de enriquecer de maneira lícita e sólida.
Como pretender que a ATM contribua para a arrecadação de receitas fiscais quando a cultura prevalecente é de que quem é general ou coronel na reserva não paga imposto?
Como diminuir a dependência de fundos externos no OGE quando os accionistas moçambicanos de empreendimentos de vulto tudo fazem para impedir que a ATM não realize o seu trabalho?
Petróleo, ouro, urânio, ferro, calcário, madeiras, camarão, areias pesadas, carvão, cobre, prata, rubis, as mais variadas pedras preciosas são explorados em Moçambique quase sem contrapartidas que favoreçam o país.
Garimpeiros ilegais e compradores internacionais, dos Grandes Lagos, África Ocidental, Líbano, China, Vietname avançam por Moçambique adentro e governam onde não existe Governo.
De Londres e Paris, de Beirute e de Houston, da Austrália, Nova Deli e Pequim chegam negociadores engravatados que asseguram nos diferentes ministérios e na Presidência da República as licenças necessárias para operarem.
No fim, o país continua com um OGE deficitário, dependente de fundos externos, hospitais sem medicamentos e escolas sem carteiras.
Não nos enganemos quando anunciam cifras elevadas de investimentos, pois os proveitos não ficam em Maputo.
Como se diz no Swissleaks, os dinheiros são depositados em “offshores”.
E, postas as coisas deste modo, temos o quadro apropriado para a emergência de uma crise de todo similar à crise na República Democrática do Congo. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 27.02.2015