Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Se o Estado é o único que arca com a dívida, então é verdade.
As consequências políticas já se vivem nos dias de hoje.
Depois de muitas expectativas sobre e quanto às parcerias público-privadas em Moçambique, alguns relatos ou revelações começam a preocupar.
Que se passa para a ASTROS reclamar sobre as portagens em Tete?
Como foi decidido em que ponte é que os camionistas passam e por onde não passam? Quem decidiu que se devia pagar aqui e não aí? Quem são realmente os parceiros privados do público? Quem é que fica com a “parte de leão” e quem arca com passivos?
De engenharia financeira está o mundo cheio, e, cada uma do seu jeito, produz resultados diferentes conforme o país. Onde a estrutura judicial e independência estão em crise ou não existe, as parcerias público-privadas tornam-se aparentemente num mar livre de enriquecimento rápido para as elites com excelentes ligações políticas. Quando não são os governantes feitos empresários beneficiando das mesmas através de terceiros.
Em Tete, temos novos actores que, na essência, reproduzem a experiência da estreada Maputo-Witbank.
Mudam os nomes dos parceiros privados, mas, na verdade, estão bem próximo daqueles que são os parceiros privados da N4.
Este modelo de procedimento na esfera pública, trazendo familiares e “amigos” para posições empresariais lucrativas, embora possa ter resultados apreciáveis no domínio da construção de infra-estruturas públicas, acarreta riscos incomensuráveis ao nível da superstrutura do país.
Através do endividamento público, concorre-se para a “produção em proveta” de “supostos capitalistas” nacionais. Uma questão de simples proximidade familiar catapulta filhos, tios, enteados e esposas para o exercício de cargos de gestão de empreendimentos público-privados. Com o modelo posto em prática tornou-se normal ver a multiplicação de empresários de sucesso que não passam de beneficiários de esquemas de “procurement” ilícitos, de conluios delinquentes e toda a trama e redes existentes para sugar do Estado.
Convém que ninguém se esqueça que parte dos “atiradores furtivos” e dos mais enérgicos activistas da fraude eleitoral pontificam nas hostes dos titulares de cargos de gestão em empresas que são parcerias público-privadas.
Percorrem o país à custa do erário público, espalhando agora a mensagem de que a autonomia provincial significa parcelar o país. Beneficiam das parcerias, e então é evidente que não querem ouvir da possibilidade de 50% das receitas de uma província ficar retido lá.
A coberto de uma maioria parlamentar conveniente e de uma minoria pouco expressiva, de uma maioria de organizações da sociedade civil subserviente, os cérebros da “engenharia público-privada” lançaram-se no mercado e arrebanharam tudo quanto fosse negócio lucrativo.
Quando a figura público-privada não foi accionada, viu-se o braço económico e financeiro do partido no poder ganhando concursos e estabelecendo “joint-ventures” lucrativas.
Tenhamos em conta que, sob este panorama, muitos são os que estão visceralmente contra a autonomia provincial.
Todo o fausto exibido nos dias de hoje, as mansões construídas e em construção, as contas bancárias recheadas, o modelo consumista estabelecido e alimentado pela promiscuidade entre o público e o privado não se darão bem com a emergência de uma situação de controlo e seriedade na gestão da coisa pública.
Alguém se lembra do famoso Grupo Moçambicano da Dívida? A EMATUM nasceu e já começou a “pescar” sem que se tenha ouvido esta ONG reclamando algo. Quando convém aos “camaradas”, é possível e válido lançar mão a expedientes de cariz nacionalista. Quando é manifestamente inconveniente ver o seu nome associado a iniciativas por demais putrefactas, os porta-vozes lançam-se no silêncio estratégico.
Entender posições e estratégias, acções e movimentos num quadro fluido e de previsibilidade complexa constitui em si um exercício necessário, mas de resultados desconhecidos. Até que ponto haverá força e vontade de travar aves de rapina e sanguessugas do tesouro público?
Quem, em pleno gozo das suas faculdades mentais, com alguma formação e informação política, pode alinhar com negociatas como a que Tata Moçambique fez como Ministério dos Transportes e Comunicações? Haverá, no seio dos deputados, algum que não pense e considere que seja necessário lançar mão às prerrogativas parlamentares e chamar a responder em sede de parlamento quem de direito, sobre a natureza e contornos daquele negócio que aparentemente continua a ser feito com fundos do Estado?
Aquela baboseira verbal e de triste memória referindo que existem moçambicanos que são “pobres na cabeça” cumpre uma agenda de embrutecimento e de manipulação. Afinal os ricos de verdade são os que atropelam as leis e beneficiam de negócios estabelecidos em base ilícita. O saque aberto e directo de bens públicos acontece sem que existam medidas de responsabilização dos saqueadores conhecidos. Um certo espólio público à guarda do Ministério de Agricultura, troféus animais, entre marfim e chifres de rinoceronte, foi “roubado” em Maputo. Até aqui este crime não foi esclarecido.
A cooperação com o Vietname ao nível da telefonia móvel viu o número de vietnamitas aumentarem exponencialmente no país. Parceria entre o braço financeiro e económico da Frelimo e uma empresa daquele país fez nascer a Movitel, e daí para a frente verificou-se um recrudescimento da caça furtiva, matança de elefantes e rinocerontes. Em Moçambique, oficialmente o rinoceronte está extinto, mas isso só aumentou o raio geográfico de acção para a África do Sul.
Entre parceiros existem mecanismos diplomáticos e de outro tipo para dirimir conflitos e resolver questões de interesse comum. Se quase todos os cidadãos apanhados nos aeroportos nacionais com chifres de rinoceronte são vietnamitas, já não é sem tempo que se faz necessário um trabalho conjunto Moçambique-Vietname para abertamente discutir medidas de mitigação de um fenómeno adverso a relações sãs entre os dois países.
Mas, voltando às parcerias público-privadas, há toda a necessidade de esmiuçar este assunto aparentemente simples e benéfico. Sem transparência plena e ampla divulgação, com este modelo económico-financeiro está aberto o campo para mais rombos monumentais no erário público.
Importa dizer que as parcerias público-privadas estabelecidas como formas de convergência de interesses adequadas à promoção e aceleração de actividades socioeconómicas no país se transformaram, no seu curto espaço de tempo de existência, em plataformas para o “enchimento de sacos privados”, em detrimento dos interesses públicos. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 21.04.2015