Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Nada de inventar ou justificar com artifícios e demagogia.
Quando se joga o presente e o futuro de milhões de pessoas, deveria haver, no mínimo, capacidade de reconhecer que algo falhou. Que se cometeram erros de palmatória. Que se fizeram considerações irrealistas. Que se brincou ao jogo das estratégias. Que afinal não se tinha feito um diagnóstico correcto. Que jamais houve vontade política de implementar as estratégias eleitas.
A dimensão do falhanço estratégico é a presente situação em que se demora a encontrar consensos funcionais, em que esquadrões mediatizados de comunicadores sociais e políticos procuram esconder a verdade e a persistir na via de “fuga para a frente”.
Quando se procura encontrar as causas do falhanço do sistema de educação no país, deveria ser claro que o mais importante é ter coragem de dizer que o partido no poder falhou ao escolher “as estatísticas” e a mentira oficial como forma de estar e ser na educação. Uma sociedade baseada na falsidade, adversa à verdade, promotora de uma mediocridade generalizada acaba afunilada e podre. Podre porque não consegue produzir soluções para os seus problemas.
Um exemplo simples mas caricato: como se pode aceitar que um país produzindo quadros com ensino superior, como se anuncia todos os anos, não seja capaz de limpar o lixo das suas cidades?
Uma doença como a cólera, de simples diagnóstico e prevenção, persiste depois de quarenta anos de Independência?
A percentagem de pessoas consumindo água potável é diminuta, depois de tantos anos de investimentos?
A precariedade geral das empreitadas públicas na esfera das infra-estruturas persiste mesmo com os conhecimentos e experiências acumulados?
Tenhamos a honestidade de dizer que isso tudo tem acontecido é devido a um casamento celebrado entre o topo da hierarquia que tem dirigido o país desde 1975 e seus lugar-tenentes na cadeia governativa.
Quando se cria uma cadeia corruptora, autêntica associação para delinquir as finanças, que se estende do topo à base, não admira que os assuntos públicos não andem como seria de desejar. O aparente esplendor exibido pela elite moçambicana nada mais é do que resultado directo de todo um “procurement” inquinado, mas cultivado e defendido a ferro e fogo pelos detentores do poder.
Tantos projectos publicitados e encomendados em todas as esferas da vida do país, e quantos realizados? Quanto peixe-podre, em nome de uma governação despesista e ausente, tem sido vendido aos moçambicanos?
Não é de boas intenções que se constrói um país. Quem tomou o poder e alardeou intenções, até justas, deveria ter a humildade de reconhecer que falhou, como se demonstra ser o caso.
O apego ao poder é inimigo do desenvolvimento do país e da democracia.
Toda a suspeita que envolve as relações políticas, desde a instauração do pluralismo político, funda-se em concepções de que o poder é para manter a todo o custo, independentemente das consequências. As máquinas judiciais, parlamentares, policiais estabelecidas para defender o Executivo têm-se prestado com facilidade à adulteração da verdade.
É com tristeza que se vê o cancro da corrupção contaminar o sistema de educação do país e atingir organizações de todo o tipo. Quando um ministro mente sobre e existência de células do partido no poder, está dando um mau exemplo, pois os seus subalternos, sabendo do tamanho da mentira, irão imitar tal comportamento.
É salutar verificar que existem moçambicanos com fibra. Que mesmo no seio da Frelimo existem aqueles que se demarcam da mediocridade comportamental exigindo rotura efectiva com práticas asfixiantes da verdade e do bem público. Mas convém não ignorar que a fome estomacal é de tal modo influente que se encontram políticos de pacotilha fazendo de caixa de ressonância de procedimentos e práticas de todo corruptas e criminosas. A verticalidade e coragem daqueles que se colocaram ao lado da razão no Comité Central da Frelimo é de saudar, pois com isso contribuíram de maneira efectiva para a remoção de obstáculos ao diálogo nacional.
A posição de firmeza activa e flexível da Renamo e do MDM, a contenção e estratégia de pressão adoptada por Afonso Dhlakama têm permitido que a paz se mantenha e que os defensores de opções militares não ganhem campo.
Importa, porém, dizer que alguma cobardia política e intelectual exibida e propagada como verdade política de valor indubitável surgem a contramão do interesse nacional. Existem pessoas com peso histórico que, se manifestassem atempadamente pontos de vista conducentes ao “fim das fintas”, teríamos processos negociais como o do Centro de Conferências “Joaquim Chissano” decorrendo a contento e trazendo consensos tendentes a reconciliar posições.
Sabe-se o que é uma República, mas há forças e pessoas que continuam querendo impor soluções que não belisquem os seus interesses privados. Não se conseguem ver como cidadãos normais gozando dos seus direitos políticos e económicos.
A génese de um partido, a sua história, por vezes se atravessa com o presente de modo nocivo.
O país como um todo ressente-se da falta de abertura negocial concreta que remova obstáculos até artificiais.
Uma aparência de democracia formal não significa democracia efectiva.
A existência da Constituição da República de Moçambique não é impedimento do surgimento de emendas pontuais que sirvam para a consolidação dos preceitos de República.
É de extrema urgência e importância que se corte espaço de manobra a quadrantes que utilizam a lei para desvirtuar a lei.
O descalabro eleitoral de Outubro de 2014 teve uma base interpretativa das leis do país que importa prevenir no futuro.
Não é politicamente salutar conceber e manter “toupeiras” no aparelho judicial que sejam activadas quando existe perigo do poder mudar de mãos de forma democrática.
O percurso político recente deixa claro que as reservas morais e políticas do país se encontram diminuídas e muitas delas engolidas pela febre da acumulação ilícita.
Partidos políticos desnaturados só podem produzir “rebentos” defeituosos.
Entre o crime organizado e a máfia política estabelecem-se relações que minam os alicerces de um país democrático, forte, solidário, em paz e seguro.
Vale a pena repetir que existem saídas airosas, mas estas só serão encontradas e aplicadas se houver por parte dos interlocutores políticos uma flexibilidade estratégica superior aos interesses particulares de grupos específicos. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ - 14.04.2015