Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Filipe Jacinto Nyusi pode ajudar, demarcando-se das jogadas do passado.
Aquela atitude de astuto e de campeão de tudo e todos, roçando a semideus, numa suposta Pérola do Índico, deu o que tinha a dar. Um dos seus resultados foi a clivagem cada vez maior entre partes ou segmentos do seu próprio partido político, Frelimo. Falamos de AEG, e antes foi um pouco assim com Joaquim Chissano. Consequência de pessoas provenientes de um partido político centralizado e de uma cultura militarizada.
FJN, PR que teve a sensatez de se reunir com AMMD, e juntos elaborarem as bases informais para a governabilidade de Moçambique, não se pode dar por satisfeito enquanto não conseguir criar as condições reais para que as ameaças à estabilidade nacional sejam erradicadas.
Um consenso nacional que não precisa de ser referendado sobre a necessidade de se respeitarem as reclamações da Renamo. Afonso Dhlakama não pode sair de “mãos vazias” especialmente depois de se ter tornado claro que as eleições de Outubro de 2014 foram inconclusivas e repletas de ilícitos. Em política exige-se capacidade de sanar e resolver problemas proactivamente.
Há que haver clareza de que problemas políticos exigem soluções políticas às quais se subordinam condicionalismos legais.
Em Moçambique, tem sido uma filosofia e tendências legalistas que têm suportado regimes que chegaram ao poder com base em eleições suspeitas.
De Mangaze a Gamito, foi percorrido um caminho cheio de interpretações favoráveis aos detentores do poder, sem dar oportunidade a que as reclamações dos opositores fossem respeitadas ou mesmo escutadas.
Neste momento em que se desenham fórmulas para ultrapassar um período pós-eleitoral de crise viva, há que encontrar nas lideranças do país uma capacidade renovada de enfrentar as dificuldades próprias de um processo mal conduzido e reverter o quadro de ameaças à paz e estabilidade.
O Governo deve encontrar os caminhos que coloquem o país nos carris e sobretudo abraçar a realidade política despedido de contornos partidários.
O Executivo moçambicano possui desafios enormes à sua frente, que só poderão ser ultrapassados ou vencidos se for adoptada uma política clara de procedimentos. Não se pode fazer avançar Moçambique numa perspectiva de “jobs for the boys”.
É esse sentimento e tendência de seguir caminhos que alinham com uma visão centralizada do poder, recorrendo-se a uma disciplina partidária que só fortifica o poder das figuras de topo, que acaba desvirtuando qualquer pretensão de democracia interna. A crise na liderança da OJM é sintoma claro do falhanço do modelo de falsa democracia interna apregoado e propalado.
Há tantos assuntos que têm de ser rapidamente atacados e decididos que não há tempo a perder.
Compatriotas moçambicanos enfrentam uma situação de crise grave exigindo resposta rápida na África do Sul. Já há vítimas mortais de xenofobia, e numa situação de paralisia institucional será complicado encontrar uma voz única exigindo justiça e respondendo com medidas efectivas e de Estado a uma situação já recorrente.
O “dossier” das calamidades naturais continua a não estar muito claro, e as medidas de mitigação estão aquém daquilo que é necessário e que é possível fazer com recursos nacionais. A elite nacional prefere fechar os olhos ou deixar-se fotografar com alguns donativos, numa acção mediática que não resolve os problemas dos cidadãos desalojados pelas chuvas e inundações.
Foi uma política de utilização de terras e de florestas desajustada e irracional que levou a que os efeitos nefastos das enxurradas atingissem os níveis que se viram na Zambézia. Quem não se impõe para impedir agricultura nas margens de rios e riachos só se pode queixar de si próprio. Quem não estabelece critérios económicos e racionais na exploração florestal, quem não fiscaliza, quem não pune os infractores, quem faz vista grossa a uma miríade de funcionários governamentais envolvidos na actividade florestal concorre para aumentar a exploração florestal ilegal, a exportação ilegal e, consequentemente, contribui para as mudanças climáticas.
O PR em funções e reconhecido pela oposição, independentemente dos meios e formas utilizados para que chegasse a ocupar aquele cargo, tem muito trabalho pela frente, que só poderá ser realizado com êxito se tiver colaboração de uma equipa governamental com alto nível de qualidade técnica, para além da participação positiva dos partidos políticos parlamentares e extraparlamentares.
Décadas de uma cultura nociva que reduzia tudo a uma questão de ligação ao partido no poder e à posse de um cartão vermelho contagiaram os moçambicanos com uma doença grave: “preguicite” aguda.
As equipas negociais no Centro de Conferências “Joaquim Chissano” parece que padecem de “preguicite aguda”, ou estão seguindo uma estratégia fundada em manobras dilatórias, para que o pretendido se realize por outras vias.
Se é consensual que o interesse supremo dos moçambicanos é a manutenção da paz, então há que ver a sociedade civil e todos os partidos políticos exigindo respostas rápidas por parte dos interlocutores.
É desolador ver figuras do clero transformadas em “comissários políticos”, defendendo a posição de quem pretende manter o “status”, mesmo que isso se faça com recurso a malabarismos e legalismos.
É triste ver organizações da sociedade civil e reputadas figuras da academia enveredando pelo jogo sujo, pela mentira, pelos artifícios verbais, tudo numa perspectiva de adiar a democracia real.
Há uma confraria político-académica disposta a prostituir-se em defesa das posições que ocupam nos dias de hoje.
É urgente que o PR se desenvencilhe dos tentáculos dos poderes que formalmente eram detidos por AEG. Ele deve ser aconselhado a descalçar a bota e a descarregar o peso que transporta, no que se refere a aspectos programáticos antes assumidos sob liderança de AEG.
A tese militarista que antes imperava deve ser abandonada com actos visíveis.
Nem sudanização e nem savimbização de Moçambique passam por firmeza negocial, astúcia, bem como alto sentido patriótico.
Aprimorar o edifício democrático requer capacidade de entender que não se faz tudo no mesmo dia, mas, fazendo um pouco hoje, poderemos erigir um edifício institucional que permite que os próximos pleitos eleitorais sejam realizados sob o signo, de facto, da transparência, justiça e liberdade. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 16.04.2015