Na cidade de Mocuba, província da Zambézia, ganhar a vida a partir de trabalhos domésticos tornou-se acto corriqueiro e que exige muita coragem e paciência. Os empregados domésticos são, talvez, os mais humilhados, submissos, mal remunerados e, em caso de violação dos seus direitos, que são frequentes, não têm onde se queixar. A opção tem sido mudar de patrão, o que, regra geral, tem sido uma alternativa falhada porque os amos são piores uns que os outros. As paredes das casas escondem tanto sofrimento dessa gente que a troco de uma ninharia assegura o asseio de uma família inteira, independentemente do número de membros que tiver.
O trabalho doméstico, no contexto moçambicano, não passa de um biscate e poucas vezes o patrão requer qualificações académicas. Por ocasião de mais um Dia Internacional do Trabalhador, o @Verdade conversou com alguns jovens em Mocuba, que, na procura de boas condições de subsistência, migraram das suas terras de origem para aquela cidade com a promessa de melhorarem a vida dos familiares.
Conseguimos acompanhar a rotina diária dos nossos interlocutores nos locais de trabalho e presenciámos situações de ranger os dentes. Por exemplo, Alberto António, de 19 anos de idade, natural do distrito de Ile, na província da Zambézia, é um jovem que ganha a vida a partir de trabalhos domésticos, em que aufere 400 meticais. Ele viu-se obrigado a abandonar a 5ª classe na sua terra natal em busca de uma vida melhor para a sua família. Tivemos a oportunidade de observar o seu dia-a-dia, que na verdade é um martírio.
No seu local de trabalho, faça frio ou calor, ele pernoita na varanda como se fosse o guarda da casa. A sua patroa que desumanamente profere expressões como “aqui não é na tua casa, você não é meu filho”, faz de Alberto um jovem cujas aspirações são a procura de financiamento para abrir um negócio na sua terra de origem, enquanto Tomás Paulo, também de 19 anos de idade, proveniente do posto administrativo de Mugeba, no distrito de Mocuba, que nunca entrou numa escola para se formar, o seu patrão não lhe paga o salário fixado em 400 meticais mensais a tempo e horas.
Os cidadãos que têm o sustento através de serviços caseiros são tratados como se fossem escravos e, no final do mês, auferem ninharias que variam entre 200 a 500 meticais. Enquanto o sindicato local dos trabalhadores luta pelos direitos dos trabalhadores, os empregados domésticos continuam a ser a camada dos indefesos. Alberto António e Tomás Paulo, ambos de 19 anos de idade são exemplos disso.
Trabalhar arduamente para ganhar ninharias, aturar humilhações e desaforos dos patrões, com destaque para as donas de casa, dormir ao relento, tornou-se a rotina diária de centenas de jovens que ganham a vida fazendo trabalhos domésticos nos “senhorios” da cidade de Mocuba, província da Zambézia.
É na verdade um emprego que absorve a maior parte dos jovens que, devido a vários motivos, não puderam entrar numa escola para se formarem ou então não conseguiram prosseguir com a carreira estudantil.
Diga-se, em abono da verdade, que parte deles é proveniente dos distritos circunvizinhos, nomeadamente Ile, Lugela, Namarrói e do posto administrativo de Mugela, em Mocuba, locais onde a rede escolar é menor.
@VERDADE – 05.05.2015
NOTA: É em todo o Moçambique. Ainda há quem condene a forma como a “criadagem” era tratada no tempo colonial. Claro que havia excepções. Mas tinham direitos que eram respeitados, como salário mínimo e acomodação. Os mais velhos lembrar-se-ão. Vejam, por exemplo, a biografia de Malangatana…
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE