O professor e escritor Alberto Viegas foi, sexta-feira última, distinguido com a outorga, a título póstumo, do grau de Doutor Honoris Causa em Antropologia pela Delegação de Nampula da Universidade Pedagógica (UP), em reconhecimento do seu contributo no resgate do fabulário telúrico e na recriação de lendas e práticas tradicionais dos povo macua.
Usando da palavra no decurso da proposta da atribuição do honroso título, o padrinho e proponente, Brazão Mazula, destacou não apenas os predicados humanos do malogrado candidato, como também realçou os seus excelsos atributos profissionais e intelectuais.
O professor Viegas era um homem íntegro, afável e de alegria contagiante, em relação à qual só um esquizofrénico poderia ficar indiferente. Desde muito jovem acumulou sabedoria, cultivando-se intelectualmente de forma generosa e contínua, foi pessoa anómala porque se afastou sempre do paradigma de conformismo. Em suma, era um homem insaciável do saber e ávido de se imbuir das multifacetadas matrizes de conhecimento. Desafiou o próprio tempo, não parou no tempo e, mercê desse determinado apego, travou uma luta titânica com o tempo-destacou Mazula.
Com efeito, Viegas frequentou em 1950, na província de Nampula, o curso normal para professores indígenas, tendo trabalhado em Mossuril e Lunga até Novembro de 1975, altura em que passou a leccionar o curso de formação de professores primários no Centro de Momola.
Depois ingressou em 1985 no então Instituto Médio Pedagógico, onde completou o curso de História e Geografia, em 1987 (já com 60 anos concluídos). E, corporizando a asserção que transmitia em vida de que “ficar atrás não significa negar a viagem”, voltou aos bancos da escola, com 79 anos, para matricular-se, pela 2ª vez, no curso de história, desta feita para o grau de licenciatura.
Neste processo de catapulta, Viegas foi induzido pelo aprofundamento da génese humanista e social, utilizando com mestria os vários elementos de rito de iniciação para transmitir aos seus contemporâneos e educar seus alunos. Serviu-se de forma dinâmica do método de repetição aprendido durante os ritos de iniciação para que os seus alunos consolidassem a assimilação das matérias porque, segundo ele, a educação era indissociável da antropologia- referiu Mazula, naocasião.
Intervindo na qualidade de presidente do júri, o magnifico reitor da UP, Rogério Utui disse que o conselho universitário da instituição que dirige havia concordado com a proposta formulada pela delegação de Nampula, de outorgar o título de doutor honoris causa ao professor Alberto Viegas, em reconhecimento dos seus valores de antropólogo social, sociólogo humanista, sábio, pedagogo, filósofo, político, herói, entre outras qualidades.
Após ter recebido o título e as respectivas insígnias das mãos do reitor da UP, o filho do doutorado, Mário Viegas, começou por agradecer o gesto daquele estabelecimento de ensino superior, de reconhecer o contributo dado pelo seu progenitor.
Se ele estivesse aqui para receber este título, de certeza que recorreria a um provérbio para agradecer o gesto e este provérbio seria o seguinte: O ter língua pequena não impede a alguém de se lamber, o que significa, em tradução literal, que a nossa pequenez não nos impede de agradecer este gesto, e, em consequência, prometemos fazer tudo para merecermos este honroso título. E já para que tal seja possível, anunciamos a criação de um projecto de resgate da cultura e tradição macua-afirmouMário Viegas, visivelmente emocionado.
O governador de Nampula, que esteve presente na cerimónia, prometeu a disponibilidade do executivo que dirige para a materialização do desiderato da família Viegas. Estamos abertos para a concessão do nosso apoio incondicional para o sucesso do projecto, contem connosco”-assegurou Borges.
Vítima de doença pulmonar, Alberto Viegas faleceu no dia 30 de Maio de 2014, no Hospital Geral de Marrérè, onde se encontrava internado.
Natural do povoado de Kharau, distrito de Cuamba, província de Niassa, onde nasceu a 10 de Junho de 1927, o malogrado ocupava um patamar de relevo incontornável na cultura não apenas da região norte como do próprio país.
Modesto e afável, de sorriso permanentemente afivelado no rosto, Alberto Viegas era dotado de grande dignidade natural, exerceu a profissão de docência com indesmentível sacerdócio em vários quadrantes da província de Nampula.
Enfrentou, não raras vezes, circunstâncias extremamente adversas decorrentes de carências de vária índole. E embora de forma serôdia, depois de alijado da absorvente actividade profissional, dedicou-se, também com notável apego, na sua última década existencial, à uma fecunda produção literária cujos temas assentavam, substancialmente, no resgate do fabulário telúrico e na recriação de lendas e práticas tradicionais endógenas.
Nas lides literárias, o “velho Viegas”, como era carinhosamente tratado, publicou livros com os seguintes títulos:“O que nos dizem certos animaIs ” , “Curandeirismo”, “Lunga: À guisa da retrospectiva”, para além do “Itale S’Atthu Amakua”, que, traduzido de emakua, significa “histórias dos povos Makuas ”,que se encontrava no prelo, aquando do seu desaparecimento físico..
Em 2010, o cronista moçambicano radicado em Bruxelas, Gento Roque Chaleca Jr. escreveu que Alberto Viegas era o expoente-máximo da literatura macua, pois que o finado conhecia a cultura macua de tal forma “como um veterinário conhece as costelas de um animal.” Para aquele cronista, “tornar-se-ia, por isso, muito difícil conhecer o útero da cultura macua sem antes conhecer o autor de “O Que Nos Dizem Certos Animais”, considerado “biblioteca ambulante”.
WAMPHULA FAX – 01.06.2015