TIVE acesso a esta obra do Prof. Renato Matusse que para o benefício de muitos mais leitores passo a resumi-la. Não vou, no entanto, ser capaz de descrever as fotografias que ilustram a obra. São fotografias dos dirigentes do Estado moçambicano em várias etapas da sua consolidação, na flor da sua juventude e no fulgor da sua entrega pela libertação da pátria.
O Prof. Matusse demonstra que na sua implantação Portugal definiu um colonialismo perpétuo para Moçambique. Recorre primeiro ao discurso a acção política e a prática colonial, buscando exemplos na educação, formal e religiosa, na assimilação e na repressão das liberdades dos moçambicanos. Indica depois que perante a pressão política e diplomática Portugal fez, em 1951, a revisão da sua Constituição, revogou o Acto Colonial e baniu o termo “colónias”, passando a designa-las por “províncias ultramarinas.”
Com a recusa de Portugal em resolver o problema colonial de forma pacífica, a FRELIMO desencadeia a luta armada. Portugal responde, no auge da guerra, com a ofensiva “no-górdio” que a FRELIMO desbarata-a transformando-a em “no-cego”. Perante a derrota eminente os militares portugueses golpeiam Marcello Caetano. Todavia, Spínola não queria negociar o fim do que o Prof. Matusse designa de colonização para a vida em Moçambique. Queria, isso sim, negociar o cessar-fogo e a integração da FRELIMO no Grande Espaço Português porque, como defendia o general Spínola, o líder da Junta Militar, citado pela edição de 30 de Abril de 1974, do “Notícias da Beira”, “eu distingo claramente auto-determinação da independência […] devemos acelerar o processo ultramarino que permita ao povo auto-determinar-se sob a bandeira portuguesa […] conhecemos os inconvenientes de uma independência prematura”.
A FRELIMO não estava para estas brincadeiras. O Prof. Matusse documenta como o general Atanásio Salvador M’tumuke, actual Ministro da Defesa Nacional, foi encarregue pelo Presidente Samora Machel de planificar e executar a operação de captura do Quartel de Omar, sob orientação de Joaquim Chipande, Mateus Malichocho e de Salésio Nalyambipano. Documenta as companhias que foram treinadas e mobilizadas para a operação. Fala do armamento e de mais de 800 elementos da população mobilizados para o carregamento desse material de guerra.
No dia 1 de Agosto de 1974 os 142 soldados portugueses obedeceram a ordem de Abel Assikala, que era emitida através de um potente megafone, para que se rendessem em cinco minutos e se dirigissem à pista de aterragem. Todos cumpriram a ordem, alguns deles parcamente vestidos. Dali foram levados à mata e para as bases da FRELIMO, onde seriam melhor vestidos e depois para a Tanzania, sendo um dos guerrilheiros envolvidos nesta operação o actual comandante da Polícia da República de Moçambique em Niassa, Joaquim Nido. Um dos soldados portugueses capturados em Namatili chama-se João Baptista Jeque e é actualmente vereador no Município de Monapo em Nampula. Nas palavras do Prof. Matusse, a captura de 142 soldados portugueses, cinco conseguiram fugir ao longo do primeiro troço da rota, “transformou-se numa autêntica humilhação militar, política e diplomática de Portugal”. Por isso, não nos admiremos que haja tentativas, algumas muito insidiosas, vindas de vários quadrantes para justificar que a captura de Omar é ficção política, nunca existiu na realidade!
A consequência mais directa foi a aceleração do processo que levaria Portugal a abandonar o princípio de “colonização para vida” em Moçambique, pois cinco semanas depois da captura de Omar, a 7 de Setembro de 1974, era assinado o acordo de Lusaka que reconhecia a FRELIMO como único representante do povo moçambicano e fixava a independência nacional para 25 de Junho de 1975, o décimo terceiro aniversário da fundação da Frente de Libertação de Moçambique.
Portanto, a operação da captura de Namatili existiu e como sublinha o Presidente Nyusi no seu prefácio a esta obra do Prof. Matusse, “Os moçambicanos têm o privilégio de conviver ainda com muitos protagonistas da nossa libertação e fazedores da heroicidade como a de Namatili. O general Atanásio M’tumuke, actual Ministro da Defesa Nacional, está vivo e foi o comandante da operação que culminou com a tomada do Quartel Omar, por rendição incondicional do inimigo”.
Quatro décadas depois da captura de Omar, preocupa-me ler na Constituição Portuguesa o seu artigo7.º, n.º 4, proclama que “Portugal mantém ‘laços privilegiados de amizade e cooperação’ com os países de língua portuguesa.” (O destacado é meu). Preocupa-me também o que vem plasmado no artigo15.º, n.º 3, nomeadamente que “aos cidadãos dos países de língua portuguesa podem ser atribuídos, mediante convenção internacional e em condições de reciprocidade, direitos não conferidos a estrangeiros [eles o que são, perguntou eu], salvo o acesso à titularidade dos órgãos de soberania e dos órgãos de Governo próprio das regiões autónomas, o serviço nas Forças Armadas e a carreira diplomática”. A somar a isto o êxodo de cidadãos portugueses [não apelo a xenofobia] que, mesmo que se moçambicanizem, podem cumprir o serviço militar em Portugal. Não estaremos perante um processo tendente a ressuscitar a colonização para a vida em Moçambique de que o Prof. Matusse fala na sua obra? A ver vamos, dizia o cego.
TRIGO DE MORAIS NETO
NOTÍCIAS – 21.04.2015