Carta a muitos amigos
Em várias intervenções públicas, o Chefe de Estado e já Presidente da FRELIMO, com alguma insistência, denuncia o despesismo e o exibicionismo que ocorrem no país quer à custa do erário público, quer de empresas públicas e estatais. Em suma, o tudo pago pelo contribuinte e empresas privadas.
Sejamos honestos e interroguemo-nos, quantos ministros ou directores se encontravam na situação de sem-abrigo? Viviam em casas indignas, palhotas a caírem?
Se porventura viviam fora do perímetro da cidade de Maputo, razoável que se entregue um apartamento de função, que deve manter e devolver impecável como o faria na sua própria casa.
Uma mobília dura uma vida, não existe razão, se cuidada, que se mude de mobília sempre que se nomeia um novo dirigente.
O dirigente em Maputo já dispunha de empregados domésticos, que os pagava do seu bolso. Por que razão novos empregados e do Estado? O que faz dos antigos? Despede-os? Indemniza?
Viaturas 4x4 mais a protocolar, mais outra para a casa? Lembram-se quando os ministros usavam o LADA como viatura para deslocação privada e nada mais, além do Volvo de função? Jamais as viaturas se tornavam propriedade pessoal, devolviam-se no fim do mandato.
Quantos quilómetros fazem por dia para a viagem de ida e volta de casa para o serviço e qualquer deslocação adicional de trabalho? Combustível para ir à praia, à quinta, ao supermercado à custa do contribuinte e do Estado? Mercedes 4x4?
Não existem carros bons e seguros sem entrarem na categoria do luxo? Carros em segunda mão bem recondicionados?
Já notaram o número de escoltas, com motas e etc.
Uma escolta não faz parte de nenhum protocolo, mas de normas e exigências de segurança. Até pode haver uma escolta para uma testemunha importante para um processo!
Não servem para exibir a importância de quem vai lá dentro, mas apenas proteger sempre que necessário o dirigente. Os elementos da segurança protegem cônjuges e filhos, familiares que pela proximidade com o dirigente podem utilizar-se para o ameaçar e chantagear.
O exibicionismo e o despesismo apenas indiciam que essa pessoa não acredita na sua contribuição e importância, e busca pelos sinais exteriores mostrar que faz parte dos super alguéns. Pobre coitado!
Felizmente que o ridículo não faz parte das doenças letais, fatais.
Se isso acontecesse, há muito que haveria alguns que já fariam parte dos saudosos finados e cessariam de nos incomodar. Fazem eles e tantas vezes a mulher, filhos e parentela.
Todos os ministérios possuem salas para todo o tipo de reuniões.
Se calhar, fica mais barato ir para uma boa estância turística, com praias, per diem, e embora haja autocarros, muitos vão nas suas viaturas privadas com motorista, estadia e combustíveis pagos pelo erário público, o teu, o meu, o nosso bolso.
Recomenda-se que haja castanha, refrescos, lanches, e o que mais se puder acrescentar.
Cada ministério ou instituição que se cria necessita de um novo edifício, novas mobílias e… até arde porque não dispõe de alarmes e sistemas para apagar fogo, embora abunde guardas a sonecar. Quem paga a conta?
Quantos funcionários o país dispõe por habitante? Qual a eficiência desses funcionários? Quanto tempo para despachar um documento?
Quantas vezes o trabalhador deve faltar ao serviço para ir buscar um documento e ouvir que volte para a semana ou daqui a um mês? Quanto custam estas exibições para o país, empresas e instituições?
Já contaram o total dos feriados e férias em Moçambique? Quantos feriados e férias no Japão, na China, na Coreia do Sul, no Vietname, nos Estados Unidos?
Comparemos e vemos quais os países mais prósperos do que Moçambique e quantos dias de descanso lá e cá?
Vivemos o escândalo do INATTER e o ministro Mesquita já iniciou as medidas que o Gabinete de Luta contra a Corrupção e a PGR devem dar seguimento.
Mas falam-se de despesas indevidas no Tribunal Administrativo. Este tribunal fiscaliza as contas do Estado e das instituições públicas. Que confiança e transparência nos oferece o tribunal? Que imagem de idoneidade? Bastará que quem prevaricou devolva os fundos surripiados? Onde os processos de investigação, a acção do Conselho Superior da Magistratura, da PGR? A cadeia e as sentenças judiciais destinam-se apenas aos pilha-galinhas? Precisamos de rigor e justiça igual para todos, de idoneidade em todos os servidores públicos.
Em todas as casas, os pais educam que nunca deve trazer nem ficar com aquilo que não lhe pertence. Se traz para casa um brinquedo ou roupa de outrem, mesmo de um outro familiar, de imediato ordenam que devolva. Todos aprendemos isto.
Então, donde vêm estes gatunos que roubam o Estado, as empresas públicas ou privadas, os tribunais, as procuradorias, os municípios?
Acreditam que existe uma garantia de impunidade permanente para os seus desmandos e infâmias? Que haverá costas suficientemente largas para os proteger?
Pois vêm da nossa sociedade e quantas vezes com eles tomamos um café ou copo, recebemos nas nossas casas ignorando que se trata de criminosos.
Não pode haver penas suspensas para estes bandidos, nenhum bom comportamento na prisão justifica que os libertem e por mais que devolvam o pilhado, isso não os iliba do crime odioso que cometeram.
Roubaram os moçambicanos do Rovuma ao Maputo, gente que se esforça, que labuta e faz numerosos sacrifícios para se manterem e educarem os filhos.
Tolerância zero devia declarar e legislar a Assembleia da República.
Todos queremos que Moçambique se torne de novo a terra de gente honrada e trabalhadora, sem comissões e negociatas, nem refrescos para a Polícia e chá para os funcionários.
Abracemos e lutemos por esse ideal.
Sérgio Vieira
P.S. Passaram-se 70 anos nos dias 8 e 9 de Maio em que se calaram as armas e a loucura nazi. Até às aventuras na antiga Jugoslávia que fomentaram os fundamentalistas islâmicos a mortandade cessou.
No Japão, as armas nucleares impuseram a rendição do império. Muitos dados apontam que não havia necessidade desse holocausto, mas que o seu emprego constituía uma advertência à URSS com quem se anunciava a nova confrontação, a Guerra Fria. Especulação? Verdade? Na África Ocidental, na Somália, no Quénia, no Sudão, no Ruanda e Burundi, no Médio Oriente e Afeganistão os povos vivem o terror.
Queremos a Paz e para todos, menos petróleo, mais fraternidade.
SV
O PAÍS – 12.05.2015