DIZER POR DIZER - Soldado colonial desvaloriza batalha travada em Namatili (1)
DIR-SE-IA que não é notícia, porque é normal que um soldado colonial não concorde com que se diz sobre Namatili que, mais do que nunca, neste ano saltou para as páginas informativas da nossa actual sociedade política, porque houve uma vontade de se contar a história, através de realizações que nós, como profissionais de comunicação social, quisemos compreender e fizemo-lo de forma profissional.
O que pode ser considerado anormal e merecer um título é o facto de o tal soldado colonial ser nacional.
Chama-se Luís Loforte, um camarada, de alguma forma, de profissão, que tratando-me como amigo empenhou-se durante estas duas semanas e usando o “Correio da Manhã”, por três vezes (dias 10, 13 e 14 de Abril de 2015), a desacreditar as reportagens feitas por mim, achando-as não profissionais, alegadamente porque ele tem a versão verdadeira do combate (aliás, diz que não houve combate) de Namatili ou Quartel Omar, na região do régulo Nambi Lião.
Loforte diz que os 137 soldados que ali estiveram estacionados se entregaram de livre e espontânea vontade aos guerrilheiros da Frente de Libertação de Moçambique, por ter calhado no fim das hostilidades entre as partes litigantes. Dum lado estiveram os nacionalistas a lutar pela independência nacional, objectivo que era perseguido desde os levantamentos da Machava, Xinavane, Mueda e os outros rastos sangrentos que o regime colonial deixou, com outros nomes, como Wiriamo, etc., do outro lado, estava a dominação estrangeira consubstanciada na tropa colonial portuguesa.
Esse moçambicano que estava nas fileiras da tropa colonial diz que à data dos acontecimentos se encontrava em Lumbo, Ilha de Moçambique, província de Nampula, mas fazia parte da Companhia de Artilharia de Namatili, Cabo Delgado, à qual iria integrar mais tarde. Soube que não se tratou de nenhuma batalha decisiva através duma cassete que ele escutou e retracta o acontecimento em tempo real, que diz estar disponível algures e através do que o Governo colonial disse repetidamente e sustentando-se, outrossim, em fontes portuguesas de ontem e de hoje.
Diz, nos seus escritos, que depois das minhas reportagens falou com alguns soldados portugueses, seus antigos companheiros de caserna, que lhe asseguraram que tudo o que ficou vertido na página 7, das edições de 6 e 7 de Abril corrente, no “Notícias” era mentira. Não diz, todavia, quem são e não traz nenhumas testemunhas para o debate, desde o princípio ao fim, para além da famosa cassete que diz ter ouvido, que qualquer cubano classificaria de diversionismo ideológico.
Não sei se estará a dizer que falou com o Alferes Miliciano Costa Monteiro, comandante do Quartel Omar, ou com os soldados que fugiram, nomeadamente José António Cardoso e Vasco Ponda, que se apresentaram no dia 2 de Agosto de 1974 em Nangade; de Sumail Aiupa, Laquine Puanhera, que o fizeram no dia seguinte e no mesmo lugar ou de Mário Andrade Monteiro, que também se apresentou no mesmo dia, mas em Mocímboa do Rovuma, hoje orgulhosamente chamado N’gapa?
Luís Loforte não concorda com as duas reportagens publicadas naqueles dias, por ter escrito que se tratou de uma batalha decisiva. Deitou abaixo aquilo que achava que fosse profissionalismo, que me levou a ir a Namatili, quatro dias antes da data da grande cerimónia, com o objectivo de trazer em primeira mão as estórias à volta da história daquele lugar, na esperança de que viesse a ser útil aos leitores.
Porém, como repórter acho que fiz o que me cabia, Reportagem, trazendo os elementos verificáveis no terreno e ouvindo quem lá estava na madrugada do dia 1 de Agosto de 1974. É curial que não ouviria quem então não estava, como é o caso de Luís Loforte, que disse que na circunstância estava a embebedar-se na vila Barreto (Lumbo). Excepcionalmente, volto a este cantinho na próxima segunda-feira, quebrando o hábito que perdura desde 2002, de estar aqui sempre aos sábados. Até já!
PEDRO NACUO
NOTÍCIAS – 18.04.2015
DIZER POR DIZER - Soldado colonial desvaloriza batalha travada em Namatili (Concl.)
A NOSSA sorte é que ainda estão vivos os destacáveis guerrilheiros (hoje generais) que participaram no combate, exclua-se o falecido coronel Abel Assikala, que teve a tarefa de, através de megafone, obrigar à rendição de toda a tropa colonial, porque estava no preciso momento numa espécie de ilha, cercada por todos os lados. Assim foi, pela voz que comandava os passos a seguir, perfilar de mãos ao ar para a pista de Namatili, que está ali ao lado do quartel. Há pista em Namatili, Sr. Loforte!
Se a discussão à volta deste tema tivesse sido antes, proporia aos organizadores da cerimónia a convidarem o Eng.o Loforte, para, como não teve a oportunidade de lá chegar na qualidade de soldado colonial, pelo menos fazê-lo como cidadão independente e lá encontrar as circunstâncias e quem o libertou. Repito, alguns estão vivos: o general N’ tumuke vive aí em Maputo, era o comandante da Artilharia e Gilberto Sambino, da Infantaria.
Está também vivo João Baptista Jeque que na altura estava, tal como Loforte, a servir a tropa colonial, não em Lumbo, mas em Namatili. Hoje trabalha como vereador no Município de Monapo, há cerca de 50 quilómetros do nostálgico Lumbo. Esteve convidado no dia 7 de Abril a dizer o que aconteceu na verdade e como é que ele não conseguiu fugir, igual àqueles que se foram apresentar no quartel de Nangade (José António Cardoso, Vasco Ponda, Sumail Aiupa e Laquine Puanhera) e aquele que fê-lo em Mocímboa do Rovuma (N’gapa) Mário Andrade Monteiro.
Jeque foi capturado no grupo dos soldados coloniais e todos eles foram acompanhados pela chefia do Destacamento Recuado (o conhecido Limpopo), onde pontificavam os ora generais na reserva, Alberto Joaquim Chipande e Selésio Teodoro Nalyambipano e, a partir de Machokwe até à fronteira, onde foram entregues por um grupo do qual fazia parte Joaquim Nido, hoje comandante provincial da PRM, no Niassa, depois do que foram deixados à guarda da Cruz Vermelha Internacional.
Com relativa humildade podia (também) ler, gratuitamente, o livro lançado no dia em que Namatili foi imortalizado, “Captura do Quartel de Omar”, posterior à primeira das duas reportagens, do académico Renato Matusse, que traz material suficiente para se aproximar à verdade. Se por um lado a sua bibliografia é sustentada pela apetitosa cassete (que também é tratada no livro), por outro, estão as fotografias que falam de quem e o que foi capturado na madrugada do dia 1 de Agosto de 1974.
Aproveitaria lá “conhecer” o falecido Assikala, com o megafone e poderia rever o N’tumuke nesse mesmo dia. É verdade que eram muito jovens. Sei que Nalyampibano tinha 30 anos de idade. É um livro para não desprezar se quer perceber, sim, o combate pela recaptura da base Omar!
Estes são factos! Sem leituras políticas, como pretende querer-me meter, o Engenheiro Loforte! Parece sedento da discussão da velha questão, se terá sido o 25 de Abril de 1974 que libertou as colónias portuguesas ou se é a guerra nas chamadas províncias ultramarinas, principalmente em Angola, Moçambique e na Guiné, que forçou a revolução dos cravos. Isso não quero, é tarefa das outras profissões e áreas de ciência!
A tarefa de um repórter é ir ao terreno, ver e ouvir. A seguir dizer (reportar) profissionalmente para a sociedade. Mas, também, deve analisar. Por exemplo, analisar como se entregam voluntariamente os soldados, se pelo menos cinco fugiram, cujos nomes vêm mencionados acima, apresentando-se nos quartéis coloniais de Nangade e Mocímboa do Rovuma? Porquê seria necessária a investida aérea, em contra-ataque, entretanto repelida, no mesmo dia, pelas 10 horas, com uso de um par de FIAT-a-91 contra a base, já nas mãos dos guerrilheiros?
Sabe, Engenheiro, que um elemento da população morreu na circunstância e dois guerrilheiros ficaram feridos? Ou era para termos escrito tudo isso em duas páginas de jornal? Quem se entrega, humilha-se a tal ponto que não leva nada e se lhe dá comida como se de criança se tratasse? E seria na Tanzânia que seriam entregues os voluntários, se em Nangade, cerca de centena e meia de quilómetros e em Mueda, há 70 quilómetros, tinham os seus quartéis, para além do citado de Mocímboa do Rovuma, recorrido por Mário Andrade Monteiro?
O repórter tem o direito e a possibilidade de se questionar como é que, quem se entrega deixa tudo, incluindo armas que até hoje jazem em Namatili, ainda que esqueleticamente? Onde estará a razão por que o engenheiro insiste em fontes portuguesas, enquanto tem aqui os actores principais, seus compatriotas e agora está livre de ir, quando quiser, também a Namatili e tirar as suas conclusões?
Tudo para reprovar a minha qualificação de que tenha sido uma batalha decisiva? E porquê não foi? Acha simples e romântico, 137 soldados serem neutralizados à mão? Ou estamos perante o conceito de batalha que nesse caso nunca poderia ser sem o disparar duma arma de fogo?
A princípio achei brincalhões os questionamentos aos meus textos, mas quando veio o segundo, depois o terceiro a fechar, entendi ser sério e vi uma pontinha política no meio de tudo isso e não discussão de índole académica de versões.
Só fiquei sossegado quando me lembrei de 1994, ano das primeiras eleições multipartidárias no nosso país, quando eu, como jornalista afecto em Nampula e Cabo Delgado, cobri encontros eleitoralistas dum partido que tinha o nome de FUMO, chefiado pelo saudoso Dr. Domingos Arouca, que tinha normalmente à sua ilharga o Engenheiro Luís Loforte. Aí, sim, respirei de alívio por ter concluído se tratar de algo fora da minha reportagem. Acabei por escrever esta minha sentida crónica, só para dizer por dizer!
PEDRO NACUO
NOTÍCIAS – 20.04.2015