Segundo alguns juristas
O anúncio do Governo, através de José Pacheco, ministro da Agricultura e Segurança Alimentar, na passada segunda-feira, 25 de Maio, de que dispensa a observação militar internacional do Acordo de Cessação das Hostilidades Militares, por não estar em condições de continuar a financiar “pessoas em franca ociosidade” suscita várias reacções jurídicas.
Sobre o assunto, Jafar Gulamo Jafar, jurista e ex-deputado da Assembleia da República, disse ao “Canalmoz” que o Governo não tem competências nem legitimidade para dispensar a missão militar de observação internacional.
“O Governo não pode contrariar uma decisão da Assembleia da República, a não ser que a própria decida revogar a lei que cria a EMOCHM”, disse Jafar Gulamo Jafar.
“O Governo parece estar a extravasar as suas competências. Como cidadãos, podemos começar a pensar que, se o Governo desrespeita a lei, a Assembleia da República, daqui a pouco pode vir dizer-nos que o Acordo de Cessação das Hostilidades Militares, transformado em lei, fica sem efeito”, afirmou Jafar.
“Há ilegalidade flagrante. Agora, não sei a quem caberá o impulso do recurso. Talvez um grupo considerável de cidadãos da sociedade civil escrever ou submeter um recurso ao Conselho Constitucional, para denunciar esta inconstitucionalidade, porque, se for a Renamo a fazer isso, eu não tenho dúvidas de que o recurso não irá proceder”, disse Jafar Gulamo Jafar.
Na sua opinião, ninguém deverá ficar surpreendido quando amanhã o próprio Governo aparecer a dizer que o Acordo todo fica sem efeito.
“Isso revela falta de consideração pela paz e pelo cumprimento do Acordo que com tanto sacrifício foi criado. E isso devia preocupar todas as organizações da sociedade civil”, afirmou Jafar Gulamo Jafar.
Na opinião do jurista, se a sociedade civil se mantiver no silêncio perante esta situação, os impasses na mesa das negociações vão continuar.
“Quem devia cumprir e tinha que fazer cumprir o Acordo de Roma e que, mesmo agora, parece não ter vontade de fazer isso, é o Governo, que simplesmente não fez. Faltou vontade política do Governo ontem, tal como hoje”, disse.
Considera que devia haver mudança da equipa negocial do Governo, argumentando: “Se o Governo mudou, o discurso do Presidente da República mudou, porque é que a equipa negocial não mudou, para imprimir a nova vontade e dinâmica?”.
Um outro jurista, que pediu para não ser identificado, considerou que “o Governo não tem legitimidade nem competências, senão propor ao legislador para dispensar a missão”.
Disse que, se a criação da Equipa Militar de Observação da Cessação das Hostilidades Militares foi por lei aprovada pela Assembleia da República, só o próprio parlamento é que pode pôr fim à missão.
“Estando em causa uma lei, e não a Constituição, o Conselho Constitucional pode ser chamado a pronunciar-se sobre a legalidade de tal acto e a sua inconstitucionalidade. Que fique claro: se a EMOCHM é criada pela Assembleia da República, aquela não pode ser dissolvida por um acto administrativo [do Governo]”, disse o jurista.
Por sua vez, o jurista Carlos Jeque considera que a prorrogação do prazo da EMOCHM depende do entendimento político entre as partes. Acrescenta que, tal como não foi cumprido o Acordo Geral de Paz assinado em Roma, em 1992, também a EMOCHM ainda não conseguiu cumprir, por falta de entendimento entre as partes.
O Acordo estabelece que as equipas de peritos militares do Governo e da Renamo apresentarão ao parlamento um documento com todas as questões relativas à integração das “forças residuais” da Renamo nas Forças Armadas de Defesa de Moçambique e na Polícia da República de Moçambique e ao enquadramento da segurança daquele partido.
A lei é constituída pela Declaração de Cessação das Hostilidades Militares, pelo Memorando de Entendimento, pelos Mecanismos de Garantia e pelos Termos de Referência da Equipa Militar de Observação do Processo de Cessação das Hostilidades, que tratará do processo de desarmamento e integração dos homens da Renamo. (Bernardo Álvaro)
CANALMOZ – 27.05.2015