O ex-Presidente moçambicano Armando Guebuza recorda que a opção ideológica pelo marxismo-leninismo, na independência do país, há 40 anos, surgiu por oposição ao colonialismo português, que era “fascista, capitalista e ocidental”.
“O capitalismo que nós conhecíamos tinha trazido o xibalo [trabalhos forçados], a palmatória e toda a humilhação associada ao fascismo, por conseguinte não podíamos querer uma coisa parecida”, afirma em entrevista à Lusa Armando Guebuza, observando que os dirigentes do seu partido agiram “com emoção mas também com uma certa racionalidade”.
“O ocidente não veio em nosso socorro na altura, sobretudo na fase inicial, e mesmo depois, só com forças democráticas aqui e acolá, é que apareceu”, considera o antigo combatente na luta de libertação nacional e que desempenhou vários cargos no Governo moçambicano e na Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) até ocupar a Presidência da República durante dez anos até janeiro de 2015.
Moçambique começou porém a abrir a sua economia cerca de uma década após a independência, porque, tal como os dirigentes não queriam um modelo que “fazia mal ao povo”, entenderam que, “a partir de uma certa altura em que se encontrasse uma fórmula que podia fazer bem, tinham de abraçá-la”.
“São processos de aprendizagem”, resume Armando Guebuza, referindo que a discussão das ideologias era justificada pelo período da “cortina de ferro” e hoje “já não faz sentido”, tal como não é relevante definir ideologicamente a Frelimo da atualidade, ao fim de 40 anos no exercício do poder em Moçambique.
“Está hoje claro que os países, mesmo os ocidentais que são social-democratas e que dão muito à população, para conseguirem isso, o capital tem de estar lá, o mercado tem de estar lá”, sustenta o ex-Presidente moçambicano e líder da Frelimo até março passado, acrescentando que “não há outra via senão ter capacidade de acumular [riqueza] e depois discutir a distribuição”.
Guebuza, 72 anos, aderiu muito jovem à luta de libertação de Moçambique, justamente porque se sentia “asfixiado” pelo poder colonial, e essa condição conduz à busca de “uma forma de vir à tona, à superfície, de sobreviver”.
Naquele período, recorda, “não havia muita informação pública em termos de jornais, não existia televisão”, mas circulavam relatos de pessoas próximas que viviam quotidianamente a dominação colonial.
“E havia também a nossa própria experiência que nos fez compreender que era preciso sair do sufoco”, segundo Guebuza, que foi destacado membro da Frelimo durante o período de libertação e depois ministro da Administração Interna no Governo de transição.
Foi nesse cargo que viveu o dia da independência, a 25 de Junho de 1975, após as acordos de Lusaca, “que tiveram uma reacção turbulenta em vários lugares do país, nomeadamente em Lourenço Marques [atual Maputo]”, e que o levaram a concentrar-se na segurança da cerimónia.
Naquele dia, “as emoções naturalmente existiam”, mas a principal preocupação “era garantir que a cerimónia corresse bem”, com foco na proteção do primeiro Presidente moçambicano, Samora Machel, e das numerosas delegações estrangeiras que se deslocaram a Moçambique.
“Não podia desfazer-me em dois”, lembra ainda o antigo estadista, salientando que “as emoções não são como os pensamentos, são coisas que brotam num momento, indiscritíveis” e que acabaram por fazer viver o acontecimento, antes ou depois, de forma “muito especial”.
Lusa – 14.05.2015