Há um século, iniciava-se a I Guerra Mundial. Poucos dos ainda vivos no mundo e no nosso país viveram esses eventos terríveis, que provocaram milhões de mortos.
As potências colonizadoras e Portugal envolveram-nos nesse conflito.
Ainda conheci o chamado Velho África de Tete, que até combateu na Etiópia. Fez parte dos combatentes da luta armada de libertação nacional.
Morreram muitos moçambicanos e um monumento em frente à Estação Central dos CFM evoca a tragédia da I Guerra.
Os alemães que governavam o Tanganhica invadiram-nos, anexaram partes do território moçambicano a norte do Rovuma.
O Reino Unido que herdou esse território depois da derrota alemã, jamais devolveu essa anexação e nunca nos passaria pela cabeça ir discutir com a Tanzânia uma herança colonial desse tipo.
Recentemente, a 8 e 9 de Maio comemorou-se a derrota nazi. A rendição incondicional da Alemanha fez parte do acordo firmado entre os ocidentais e a URSS.
Antes da derrota alemã, os guerrilheiros e as tropas aliadas já haviam provocado a queda do regime fascista na Itália e do ditador Mussolini.
Porque se previa que cedo ou tarde aliados ocidentais se confrontariam com a URSS e o leste da Europa, sobreviveram os regimes ditatoriais e fascizantes de Franco na Espanha e Salazar em Portugal.
Devido à sua situação geográfica e ao risco de ocupação, Franco e Salazar jogaram com os ocidentais e Alemanha de Hitler negócios diversos tolerados por Londres e Washington, como a venda do volfrâmio português à Alemanha.
Depois da II Guerra, a Espanha e Portugal, que até veio a integrar a NATO (OTAN), facilitaram o acesso a bases aeronavais aos Estados Unidos e Reino Unido, úteis num choque com a URSS e até para apoio a Israel.
Nem Londres ou Washington respeitou esses aliados de segunda ou terceira mão, mas a rainha Elizabeth fez uma visita oficial a Lisboa. Creio que o presidente Eisenhower também visitou Portugal enquanto Chefe de Estado. Perdoem-me se errei.
Como se diz, não se escolhe a família ou vizinhos, mas faz-se isso com aliados, ainda que temporários e até desprezíveis.
Na comunicação social, fala-se muito mesmo do desembarque na Normândia dos aliados a 6 de Junho de 1944.
O sucesso do desembarque redundaria num fracasso se a URSS não houvesse esmagado as forças nazis em Estalinegrado, onde se rendeu o VI Exército alemão comandado pelo Marechal Von Paulus, e a derrota alemã na maior batalha de tanques da história, a batalha do Arco de Kursk, sem mencionar os revezes diante de Moscovo e Leninegrado.
Mais de vinte milhões de mortos, entre civis e militares, fizeram parte do preço pago pela URSS para vencer o nazismo e entrar vitoriosa em Berlim.
O império japonês cairia em Agosto de 1945, depois da nuclearização de Hiroxima e Nagasaki.
Muitos analistas interrogam-se se havia necessidade militar desse holocausto atómico, excepto se o objectivo real se destinasse a demonstrar à URSS o potencial americano, quando se iniciava a confrontação entre o Leste e o Oeste, a chamada Guerra Fria.
Mas desde então e até muito recentemente deixou de correr sangue na Europa em guerras, tirando o episódio da destruição da Jugoslávia, que deu nascimento a diversos tipos de fundamentalismos islâmicos e à confrontação entre a Ucrânia e a Rússia, muito incitada por certos interesses, também do petróleo e gás.
Claro que diariamente se lê ou ouve que uma criança de 3 anos matou outra de 1 ano ao brincar com a pistola da mãe, lá na América, onde até já se inventaram mochilas blindadas para as criancinhas de 7 anos irem mais seguras às escolas. Chegará a moda cá?
Interroguemo-nos e vejamos o que se passa no resto do mundo.
Neste aniversário da queda do nazismo, fala-se e com razão da barbárie do holocausto.
Jamais deveríamos esquecer ou apagar-se da memória individual ou colectiva os horrores dos campos da morte. Fala-se de seis milhões de judeus assassinados e cremados.
Apenas se assassinaram judeus? Não houve eslavos, ciganos, negros, sindicalistas, comunistas, democratas, sacerdotes e pastores de diversas confissões? Quantos? Farão eles parte dos mortos e vítimas de segunda e terceira classe?
Hitler não inventou o anti-semitismo, o racismo, as estrelas amarelas. Nos anos 900 e 1000 a cristandade e as cruzadas já haviam imposto esses símbolos de opróbrio e discriminação. Antes da II Guerra Mundial na Europa Ocidental e nos Estados Unidos os judeus, não falo dos negros ou ciganos, não passavam de cidadãos de 2.ª classe. Isto só terminou quando se criou Israel como o Estado guardião do petróleo no Médio Oriente.
Holocaustos? Quantos africanos morreram no comércio infame e nefando da escravatura, nas guerras e massacres coloniais de conquista, nos trabalhos forçados? Fala-se de mais de cinquenta milhões de mortos. A África diminuiu de população entre os séculos XVIII e XX. O único continente onde tal aconteceu! Quem fala deste holocausto ou de indemnizações para o continente herdeiro destas vítimas e mortandade? Algum TPI para julgar os criminosos das guerras coloniais, do apartheid, de Wiryamu, Inhaminga?
Não vamos discutir litros de sangue derramado ou de quilos de carne humana massacrada. Estas mortandades o que significam? Devem-se esquecer, fazerem parte de uma amnésia colectiva?
Neste momento, na África do Norte e Ocidental, na Somália, Sudão no Quénia mata-se, viola-se, massacram-se gentes.
Quantos chefes de estado e ministros deslocaram-se ao Quénia e gritaram: Eu sou Garissa?
Em Garissa, os 150 jovens assassinados valem menos que os jornalistas do Charlie Hebdo? Humanos de 2.ª ou 3.ª classe? Claro que todos somos Charlie, mas também Garissa.
Como está o Afeganistão, onde uma potência criou Bin Laden e o Al-Qaeda? E o Iraque onde se encontraram montanhas de armas de destruição massiva? Morre hoje num mês mais gente do que durante todo o período de Sadam Hussein? O assassinato de Kadhafi serviu para conter os fundamentalistas do Boko Haram e as travessias clandestinas do Mediterrâneo? Não se incitou Siad Barre a atacar a Etiópia? Como está a Somália? O Sudão, o Ruanda, o Burundi e a Somália não suscitam problemas para todo o continente?
Será falso afirmar-se que do Médio Oriente à África do Norte e Ocidental, em certas partes da África Central e Oriental, na prática vivemos em mortes e destruições uma III Guerra Mundial provocada pelos interesses sórdidos de certas potências e pelo petróleo?
Moçambique e África do Sul em particular recebem muitos milhares de emigrantes, uma boa parte clandestinos, fugindo da mortandade e destruições na Nigéria, Grandes Lagos, Somália. A xenofobia que se vive na África do Sul, alguns usam o termo afrofobia, em parte resulta da confrontação entre os míseros locais e os míseros emigrados.
Pela paz a Luta Continua!
P.S. Paz também que resulte de uma maior seriedade do nosso boçal local! Que pense antes de abrir a boca por favor e obrigado.
Sérgio Vieira
O PAÍS – 19.05.2015