Por Benedito Marime
No passado dia 07 de Abril do ano em curso, o País iniciou as celebrações do 40º Aniversário da Independência Nacional, com o acender da Chama da Unidade em Namatil, Distrito de Nangade, Cabo Delgado, terra onde outrora estivera sedeada a Base Omar, das Forças Populares de Libertação de Moçambique, posteriormente tomada pelas tropas coloniais, no quadro da Operação Nó Górdio, de triste memória.
Naquele dia para ali ocorreram milhares de pessoas, entre elas titulares dos Órgãos de Soberania, Quadros de Órgãos Centrais e Locais do Aparelho de Direcção do Estado, Diplomatas e cidadãos comuns. Foi uma cerimónia linda, embora algo despesista (se a Chama vai percorrer o País todo, porquê levar para ali representações provinciais?) e com alguns desatinos, o maior dos quais, a meu ver, foi a importância de Estado dada a um palhaço que para ali se pôs a arengar, pretensamente pelos Partidos de Oposição, para, a final, dizer que o fazia em nome de três comparsas seus, cujos nomes avançou, os quais, segundo disse, representariam uma alegada Oposição Construtiva, Inclusiva e sei lá que mais... Afinal, a Oposição, para fins de Estado, não é aquela que os eleitores colocaram no Parlamento?
Como é que o Protocolo de Estado ignora isto e coloca gente irrelevante e sem mandato daquela a fazer discursos para os quais não tem legitimidade? Note-se que não me oponho a que o Bando dos Quatro houvesse sido para ali levado, a convite de quem o fez, mas a outro título que não aquele que foi ali anunciado.
Também me não caiu bem que, à excepção do SG do Partido no poder, com plena legitimidade para o fazer, alguns dos intervenientes, mesmo com funções no Estado, ali se houvessem apresentado, como Dirigentes Partidários, primeiro e, só depois, nas vestes de Governantes, Parlamentares e outras de Estado. Não estávamos, afinal, em cerimónia de Estado?
Eram estas, mais coisa, menos coisa, as minhas reservas à beleza e decoro daquele acto de Estado e, por isso, curtindo mágoas, lá me deixei ficar com elas.
Dias depois, o meu amigo e confrade de letras Luís Loforte veio apresentar a sua versão, em termos de reparo a algumas afirmações ali feitas que, em seu entender, distorcem a realidade e o contexto histórico em que ocorreram. Creio que o fez sabendo já que os seus escritos iriam provocar polémica, o que, aliás, é salutar, pois, da discussão nasce a luz, mesmo quando se recordam factos do dia-a-dia vivenciados por diferentes protagonistas: há sempre um aspecto por confrontar, confirmar ou eliminar.
E, de facto, lá veio a réplica, pela pena do jornalista Pedro Nacuo, ali naquela coluna de semanal que mantém no Notícias, com o título “Dizer por dizer”. Fê-lo com muita contundência e, em diferentes momentos, com argumentos “ad hominem”, que, em meu entender, acabam, até, por configurarem deselegantes ataques pessoais. Destes não me vou ocupar, porque não sou o visado; caberá a este fazê-lo, se assim o entender.
Fiquei, porém, estarrecido, com o título das prosas em referência, nas quais me pareceu antever em Pedro Nacuo a vontade de uma próxima caça às bruxas a quantos moçambicanos passaram pela tropa colonial, dado o labéu de “soldado colonial”, que lança a Loforte, esse a despropósito do tema em debate. É que isso já aconteceu em Moçambique Independente, ainda que a nível selectivo, para os compatriotas que haviam passado pelas tropas especiais coloniais, os quais foram incluídos no grupo dos “Comprometidos” com as organizações colonial-fascistas.
Foi isto em 1978 e prolongou-se até 1981. Esses infelizes tiveram direito a foto afixada nos bairros e nos locais de trabalho e só naquele último ano, Samora Machel deu por findo o vexame, declarando-os compatriotas. Ao ver aquele título de Pedro Nacuo, pressinto que, no G40 de que ele se apresenta integrante até aqui não conhecido, já se está a cultivar o ódio ao antigo militar colonial, precisamente quando o discurso político ora em voga é, pelo contrário e exactamente o de Unidade Nacional. – “Qual maneira esse, você, Nacuo”?!
E para que não restem dúvidas, declaro, plenamente consciente, que eu próprio, autor destas linhas, fui militar colonial e, nessa qualidade, como graduado, participei na Guerra Colonial, do lado oposto, obviamente, àquele em que se encontrava a Geração do 25 de Setembro, os combatentes da Luta Armada de Libertação Nacional. E isso não me tira sono, nem me desprestigia, pois se lá fui parar foi como miliciano do SMO colonial, para o qual todos os que, documentadamente, detinham a nacionalidade portuguesa (ainda que cosmética) eram convocados.
E como eu ou Loforte, milhares de outros. Mesmo nessa situação, sabíamos que éramos moçambicanos, pelo que, algumas vezes, sem megafones por perto, fizemos certas coisas que, insignificantes individualmente embora, representaram algum esforço no enfraquecimento da Guerra Colonial, por um lado, e no avanço da Luta Armada de Libertação Nacional, por outro.
E se esses episódios não são conhecidos, em parte se deve ao facto de, no início do desmantelamento da Administração Colonial, quando do Governo de Transição, se ter instalado um clima de suspeição e de medo sobre aquele grupo de cidadãos, a quase totalidade dos quais mostrou a sua moçambicanidade quando, tendo podido fugir para Portugal, às primeiras e às subsequentes manifestações de hostilidade, permaneceu no seu país, engajada em todas as áreas e frentes da Reconstrução Nacional. Que assim é, ilustra-o o facto de não poucos destes terem, em devido tempo, exercido responsabilidades de direcção do nosso Estado. Um destes até chegou a ser Ministro da Defesa Nacional: estava claro que o ter passado pelo SMO colonial não era nenhum pecado!
Ainda assim, não tenho notícia de que algum destes tenha escrito significativamente sobre a sua passagem por aquela tropa – o receio de se ser apodado de saudosista não é pequeno, como, 40 anos depois, ainda se pode, claramente aferir dessas prosas de Pedro Nacuo.
Pronunciando-se sobre Namatil, Loforte dá a sua versão dos factos.
Reagindo, Nacuo mais não faz que pretender intimidar quem se atrever a dar uma outra panorâmica daqueles.
Fiz a minha tropa em Cabo Delgado, em Meluco, onde estava sedeada a 2ª Companhia de Caçadores do Batalhão de Caçadores nº 16. Era uma companhia de quadrícula, a que competia nomadizar o terreno sito entre os rios Montepuez, a Sul e Messalo, a Norte, dividindo responsabilidades nessa área com as Companhias de Nairoto, Balama, Ancuabe e Muaguide, que a circundavam.
A situação militar em Cabo Delgado era claramente adversa às tropas coloniais, apesar de numerosos quartéis ali instalados, pelo que a derrota militar era já previsível a breve prazo. Ali, a preocupação era sair vivo daquele inferno, onde a falta de traquejo e de motivação outra para o combate que não fosse sobreviver eram o grande calcanhar de
Aquiles dessas tropas. Não admira, por isso, que fossem muitos os suicídios e os acessos de demência que a muitos acometiam.
Foi, pois, com manifesto alívio que se viu chegar o 25 de Abril. Este foi, sem dúvida, motivado pelas guerras coloniais em que Portugal andava envolvido como, expressamente, se refere no primeiro parágrafo do Programa do MFA, divulgado ao cair da noite desse dia, já após a rendição de Marcelo Caetano. E logo em Maio, o General Costa Gomes, Chefe do Estado Maior General Português, em visita a Moçambique, determinava a cessação de todas as operações ofensivas, a seguir ao que, por iniciativas locais, guerrilheiros da Frente de Libertação de Moçambique e soldados coloniais começaram a se encontrarem, agora, pelo menos, já não como inimigos. Foi, por isso, com manifesta surpresa e desagrado que, no dia 2 de Agosto, um comunicado do Comando Chefe das Forças Armadas Portuguesas em Moçambique deu a notícia de que os militares de Omar haviam sido aliciados, às primeiras horas do dia, a se dirigirem à pista de aviação para um encontro entre irmãos.
Para lá se teriam dirigido, para, afinal, se verem cercados e levados para destino desconhecido. A ter sido assim, concordaria com o Loforte em como não houve qualquer combate militar, mas, sim, um bem sucedido golpe psicológico a que, em parte, o cansaço pela guerra, da parte dos militares coloniais e a boa fé dos contactos que, em diferentes partes se sabia que existiam facilmente conduziram, pois, não houvessem sido suspensas as operações militares pelo comando colonial, aí sim, a Base de Omar teria sido tomada, à mesma, mas em ambiente sangrento.
De resto, não é crível que, consumada a tragédia, no dia seguinte, como se pretende, teria havido um bombardeamento para ali. Mais ainda, umas duas semanas depois disso, o então Comissário Político Abel Assikala, acompanhado do Tenente-Coronel Avelino, Comandante Interino do Sector B, em visita a algumas unidades coloniais esteve em Meluco, onde participou numa alocução às tropas, no sentido de uma próxima retirada dali e entrega do quartel às FPLM, o que veio a acontecer, tendo este sido entregue ao Comandante Agostinho, ido da Base Manica. O mesmo aconteceu em Muaguide, na mesma altura. Saídos de Meluco, os militares foram para Porto Amélia, hoje Pemba, onde os soldados foram logo desmobilizados, permanecendo, porém, os graduados que foram espalhados por outras unidades de Nampula para baixo, em zonas onde nunca se chegara a combater. No meu caso, fui, a 30 de Setembro de 1974, parar ao CTS (Comando Territorial Sul, hoje Sede do MDN), onde fui encontrar já instalada a Comissão Militar Mista. Conheci ali gradas figuras de combatentes – Jacinto Veloso, Armando Panguene, Afonso Sande, Pedro Direito, Albano Ajuda e outros.
Concluindo: a tomada de Omar/Namatil aconteceu, sim, naquela data, mais num contexto de astúcia política que no quadro de um glorioso combate final, até porque o objectivo não justificaria, por exemplo e como se pretende, que mais de metade do Estado Maior General das FPLM se tivesse ali deslocado, pois isso seria um erro crasso que nenhum comando se poderia dar ao luxo de cometer.
Como nota de rodapé, e com referência ao soldado capturado que arengou na cerimónia de Namatil, os seus próprios dados não conferem: diz que tinha 23 anos de idade quando foi capturado e que se encontrava na tropa desde os 18 anos.
Como assim, se o SMO era de 3 e era aos 21 que se entrava? Ademais, a unidade de Omar/Namatil era um destacamento do Batalhão do Lumbo. Como é que o Loforte, por exemplo, o não teria conhecido por lá? Já agora, Nacuo, faça-nos o favor de obter do referenciado o respectivo número mecanográfico de matrícula (não venha dizer que se esqueceu, mas, nesse caso, pelo menos a identidade da Bateria a que pertencia), para ver se é ou não sustentável, do ponto de vista da veracidade militar dos factos a ele pessoalmente referentes. É que mais depressa se apanha um mentiroso que um coxo ao dobrar da esquina.
SAVANA – 01.05.2015