Atanásio Salvador Mtumuke, conta como a guerrilha, na década de 70, escangalhou a operação Nó Górdio de Kaúlza de Arriaga. Samora Machel desceu da Tanzânia para o interior de Cabo Delgado, para instruir os comandantes no sentido de organizar a guerrilha em pequenos grupos de três elementos, com a missão de efectuar ataques surpresa e imediatamente recuar. As bases, alvo da operação, deviam estar às moscas.
- Dirigida pessoalmente por Kaúlza de Arriaga, Comandante-Chefe das forças armadas portuguesas, a Operação Nó Górdio foi em 1970, com o objectivo de isolar o núcleo central do Planalto dos Makondes, onde se concentravam três bases da Frente de Libertação de Moçambique, em formato triangular, designadamente as bases de Gungunhana, primeiro objectivo, base central, a que a tropa colonial classifica de base Moçambique (objectivo segundo) e a base de Nampula, terceiro objectivo da tropa colonial portuguesa.
Atanásio Salvador Mtumuke, ministro da Defesa Nacional, testemunhou a Operação Nó
Górdio.
Em entrevista que nos concedeu, recorda que Samora Machel tomou conhecimento da Operação Nó Górdio, a partir da Tanzânia, antes dela iniciar.
Samora Machel visitou, por essas alturas, a província de Cabo Delgado, tendo reunido com os comandantes da guerrilha da Frente de Libertação, para os dar a conhecer da estratégia da tropa colonial portuguesa, e deixar orientações precisas sobre o modo de contrariar a táctica do inimigo na frente de combate.
De acordo com Mtumuke, os guerrilheiros receberam ordens de abandonar as três bases que seriam alvo da Operação Nó Górdio, e formados em grupos de três guerrilheiros, com ordens para “fazermos ataques esporádicos” e depois fugir por entre o mato.
Desse modo, quando a tropa colonial portuguesa atingiur as bases, não encontrou ninguém, uma vez que a guerrilha encontra-se espalhada pelo mato e a organizar contra-ataques.
Atanásio Mtumuke diz terem sido emboscados muitos militares portugueses e respectivos equipamentos, ainda as máquinas encarregues de limpar mato para fazer estradas por onde passariam viaturas de guerra.
Mtumuke com um episódio onde uma viatura militar do inimigo foi atingida, morrendo alguns dos seus ocupantes, seguido de fuga por parte dos guerrilheiros atacantes.
“Eles eram obrigados a permanecer no local cinco dias antes de prosseguir” tempo suficiente para atrasar o cumprimento dos seus objectivos.
Outro episódio relatado pelo ministro da Defesa Nacional, é de uma aeronave abatido numa das asas por uma arma ligeira, tendo os seus ocupantes ficado carbonizados.
Dias depois, “fomos encontrar o aparelho já sem alguns dos seus elementos, retirados a mando do comando português”, segundo Mtumuke.
Os destroços da aeronave passaram a albergar as crianças para as suas brincadeiras rotineiras.
A Operação Nó Górdio foi a maior e mais dispendiosa campanha militar portuguesa no ultramar, tendo decorrido em 1970.
Informações disponíveis e confirmadas por Mtumuke, indicam que a intenção do regime era erradicar as rotas de infiltração dos guerrilheiros ao longo da fronteira com a Tanzânia e destruir as bases permanentes em território de Moçambique.
No período da Operação Nó Górdio, o comando português classificou a campanha de ter sido bem sucedida, mas Atanásio Mtumuke nega, explicando que Kaúlza de Arriaga teve ao seu dispor todos os meios disponíveis, muito dinheiro e perdido muitos homens.
De acordo com os relatórios em Portugal, a Operação colocou fora de combate 651 guerrilheiros e 1840 capturados, contra 132 militares portugueses mortos em combate.
Kaúlza de Arriaga reclamou também a destruição de 61 bases e 165 campos, ainda capturadas 40 toneladas de munições, tudo isto em dois meses.
O ministro da Defesa Nacional explica melhor este cenário: “em guerra de guerrilha se actua em pequenos grupos, precisamente como forma de evitar mortes em massa”.
Nesse sentido, de acordo com a explicação dada pelo ministro, não é possível que a tropa portuguesa tenha morto aquele número de guerrilheiros.
Primeiro ataque à base da Frelimo
Atanásio Salvador Mtumuke conta que o primeiro ataque da tropa colonial contra uma posição da Frente de Libertação Nacional foi contra a base de Namachude, interior de Cabo Delgado, mais propriamente junto à Missão de Imbunho, no Planalto dos Macondes.
A intenção do exército colonial português era o de localizar os primeiros guerrilheiros da Frente de Libertação Nacional. Mulheres e crianças refugiaram-se para a Missão de Imbunho, escapando, desse modo, à fúria do regime.
Mtumuke, católico, recupera demonstra conhecimento profundo da religião, anotando que quando se pretendia localizar Jesus, até as crianças foram transformadas alvos primordiais, como de, atravez delas, chegarem ao objectivo, por considerarem que Jesus estariam entre a pequenada.
Neste particular, Mtumuke pretendia interpretar o movimento que mais tarde foi levado a cabo pelo regime colonial português, de controlar os nascimentos do sexo masculino, incluíndo estudantes negros nas escolas portuguesas em Moçambique.
No ataque à base de Namachude houve vítimas mortais e feridos.
Em resposta, um popular abateu uma aeronave do exército colonial, com recurso a arma do tipo ‘canhangulo’, ou ‘espera-pouco’, atingindo a asa do aparelho que de imediato perdeu equilíbrio até se despenhar no mato.
“Estou ainda recordado que isso se deu num sábado, porque no dia seguinte fomos ao local testemunhar que só restavam destroços do aparelho”, recordou Atanásio Mtumuke, ele que havia se deslocado ao local juntamente com o irmão mais velho.
O entrevistado recorda-se do momento como se tivesse acontecido ontem. Quando, ainda na companhia do irmão mais velho, chegou ao local onde a aeronave caíra, encontraram populares a admirar o aparelho, enquanto outros procuravam raízes que seriam utilizados para armadilhas na caça animal.
Num outro desenvolvimento, Mtumuke recorda um episódio, onde Marina (Pachinuapa) Manguedye e mais dois nacionalistas, irmão mais velho e tio do actual ministro da Defesa Nacional, caíram numa emboscada montada pela tropa colonial portuguesa. Durante duas horas de tempo, houve troca de tiros entre os nacionalistas e a tropa colonial.
Depois da cessação da troca de tiros, Atanásio Mtumuke e outros deslocaram--se ao local da ocorrência do tiroteio, na Estrada velha de Ibala-bala ya vani, o mesmo que Estrada de feiticeiros.
“Encontramos uma menor sem vida, com um tiro na cabeça”, recorda Mtumuke, com amargura.
Marina Manguedye e um dos companheiros foram capturados, enquanto um terceiro conseguiu fugir.
Ataque a Mueda
A primeira vez que a guerrilha da Frente de Libertação Nacional utilizou o canhão B11P, de 22,4 milímetros foi contra uma posição colonial em Mueda, Planalto dos Macondes. “Era a primeira vez a utilizarmos essa arma”, em 1972.
Os primeiros contactos visando o termo da guerra colonial, deram-se entre as partes, ainda no campo de batalha, onde foi declarado cessar-fogo local em Mueda, Nangade e Montepuez.
De tal modo que, quando o acordo de cessar-fogo geral foi assinado, Mtumuke, Salésio Nalyambipano, Domingos Fondo, João Lingabande e Cesário Nantimbo, encontravam-se no Palácio da Administração colonial, em Mueda. “Estávamos sempre com contacto com Lusaka e Nachingwea, no dia da assinatura do acordo de paz, 7 de Setembro de 1974”, Atanásio Mtumuke.
Depois da assinatura do acordo de Lusaka, Samora Machel instruiu Alberto Chipande no sentido de convocar Atanásio Salvador Mtumuke e Salésio Nalyambipano, para um encontro em Porto Amélia (Pemba), onde viriam a ser nomeados chefes do Departamento de Defesa na província de Nampula e Lourenço Marques, respectivamente.
Hastear da bandeira
Na qualidade de chefe provincial do Deparmanto de Defesa, Atanásio Salvador Mtumuke, em Nampula, hasteou a bandeira da República Popular de Moçambique, no dia 25 de Junho de 1975, dia da Independência Nacional.
Isso aconteceu depois de o major Posidónio, da tropa colonial, fazer descer a bandeira portuguesa. “Depois desse acto, o major português, madrugada dentro, seguiu com destino ao Porto de Nacala, onde o esperava o transporte marítimo que o levou para Portugal”, sublinha Mtumuke. Era o fim da administração colonial portuguesa em Moçambique.
Um particular contado pelo agora ministro da Defesa Nacional: “eles (portugueses) vieram de barco e de barco retornaram a Portugal”.
entrevista a ser publicada na revista economia real
EXPRESSO – 23.06.2015