MOÇAMBIQUE comemorou há dias 40 anos desde que se tornou independente de Portugal, depois de longos anos de escravatura e colonização que durou 500 anos.
Em 1964, jovens moçambicanos pegaram em armas para lutar contra a ocupação colonial, tendo uns perdido a vida no campo da batalha, outros continuaram a caminhada triunfal até à data que o país se viu livre do sistema colonial.
Várias foram as tentativas dos moçambicanos se verem livres da opressão colonial, protagonizando guerras seculares de resistência, greves, manifestações, entre outras formas, mas a resposta do regime português foi sempre brutal, assim como sucedeu a 16 de Junho de 1960, com o massacre em Mueda que se saldou na morte de centenas de vidas humanas.
Terá sido este último acontecimento que influenciou muitos moçambicanos a revoltarem-se contra a ocupação colonial, agrupando-se em organizações nacionalistas para exigir a independência do seu país. É na esteira destes acontecimentos que Bento Chuluma, pai de Maurício Bento Chuluma, hoje tenente-coronel na reserva e veterano da luta armada se junta à Frelimo.
Maurício Chuluma, que falou ao nosso Jornal a propósito dos 40 anos de independência, revelou que se juntou à Frelimo em 1967 como guerrilheiro e só passou à disponibilidade em 1994, ou seja, 27 anos depois de uma vida muitas vezes passada entre treinos militares dentro e fora do país e combates de grande envergadura.
A fonte disse que se juntou à Frelimo por influência do seu pai que cedo aderiu ao movimento libertador, ocupando-se da venda de cartões da Frente de Libertação de Moçambique à população da zona de Muidumbe, sua terra natal, ao mesmo tempo que mobilizava os residentes para se alinharem à causa libertadora.
“Na altura eu e meus irmãos éramos menores de idade, mas víamos o trabalho que o nosso pai desenvolvia. Muitas vezes recebia os guerrilheiros da Frelimo que na altura eram conhecidos por (vakaka va silo) palavras makondes que traduzidas em Português significam jovens da noite, por se reunirem apenas durante as noites, na nossa casa e noutras, para não serem descobertos pelos portugueses”.
Afirmou que certa vez viu com o veterano da luta armada Raimundo Pachinuapa e outros, “reunidos na nossa casa, eles traziam armas escondidas em trouxas, na altura nós estudávamos na missão de Sagrado Coração de Jesus de Nangololo, portanto, éramos menores”.
Quando inicia a luta armada de libertação nacional em 1964, Bento Chuluma que se encontrava a frequentar a 4.ª classe, fugiu, juntamente com outros alunos, devido à guerra e foram para as matas juntamente com os nossos pais”.
O nosso entrevistado referiu que o tempo foi passando e a rapaziada foi crescendo até serem capazes de pegar numa arma e ir combater. O nosso entrevistado contou que seu irmão foi o primeiro a aderir à causa libertadora em 1966. E no ano seguinte foi a vez de Maurício Chuluma seguir o exemplo, “era a moda daquela altura”.
“Lembro-me que foi a 10 de Abril de 1967 que pela primeira vez pisei num quartel, no destacamento de Mariri que se localizava no actual distrito de Macomia. O chefe do referido destacamento chama-se Aly Madebe e era adjunto de Lázaro Nkavandame. Porque eu sabia ler e escrever, indicaram-me como chefe da logística do destacamento”- lembrou.
A fonte diz que em 1968 foi indicado para o cargo de chefe adjunto de informação e propaganda na base central, e em 1969 designado secretário administrativo do distrito de Macomia. Maurício Bento Chuluma diz que a sua participação derradeira na luta de libertação nacional iniciou em 1973.
“Foi neste ano que sou solicitado pelo presidente Samora Machel para integrar um grupo de cerca de 100 camaradas, que foi receber formação em artilharia antiaérea na então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas URSS” - disse, para depois acrescentar que os jovens que fizeram parte da referida companhia foram seleccionados pelo próprio presidente da Frelimo.
“Esta formação tinha a sua razão de ser, porque com o prolongamento da luta a tropa colonial tinha cada vez mais material bélico, incluindo aviões sofisticados e a Frelimo devia estar preparada para dar resposta às investidas do Exército português. Como os soviéticos eram nossos parceiros, prepararam-nos para o efeito” - disse.
Chuluma explicou que a formação que decorreu nas terras de Vladmir Lénine durou cerca de 4 meses, e em Dezembro do mesmo ano o grupo regressou, mas dada a sensibilidade das técnicas militares, aprendidas do ponto de vista de segurança, não entrou imediatamente no interior de Moçambique, tendo permanecido algum tempo em Arusha, Tanzania.
“O presidente Samora Machel tinha-se apercebido de que o inimigo sabia da nossa ida à Rússia. Como sabe, naquela altura havia muita traição no seio da Frelimo e alguém fez chegar a informação à tropa colonial, tendo ficado atenta. Para escapar de qualquer acção inimiga, ficámos escondidos algures em Arusha, na Tanzania. Quero dizer, os traidores só sabiam da nossa ida e não que já tínhamos regressado” - informou.
Disse ainda que só nos primórdios de 1974 é que o grupo veio para o interior e redistribuído por três províncias, onde a guerra era intensa. O grupo chefiado por si foi a Cabo Delgado, enquanto os outros foram trabalhar em Niassa e Tete. “Estávamos no auge da guerra e a tropa colonial sempre foi apoiada por aviões sofisticados como Fiats e outros que semeavam terror no seio da população”.
MUDAR DE NOME PARA DESPISTAR O INIMIGO
TENDO em conta que o grupo de artilheiros, vindo da Rússia, era muito procurado pela tropa portuguesa, segundo o nosso interlocutor, todos seus integrantes foram obrigados a mudar de nome para despistar os infiltrados. Acrescentou que a orientação do presidente Samora Machel foi de iniciarem, em simultâneo, as operações nas três províncias Cabo Delgado, Niassa e Tete.
“Participei em vários combates com mísseis. Se um dia fores a Mueda, concretamente no posto administrativo de Chapa, mesmo no centro da urbe, verás uma aeronave grande da tropa portuguesa caída. Fui eu quem disparou com estes meus dedos. Lembro-me que foi no dia 7 de Maio de 1974, na zona de Lyungo, e o avião foi cair naquele local” - testemunhou Chuluma.
Maurício Chuluma revelou que durante a luta armada sempre combateu em Cabo Delgado. Diz que fez também parte do grupo de guerrilheiros que assaltou a base Omar ou simplesmente Nambilyao, em Mueda, que resultou na captura de mais de 100 soldados da tropa portuguesa e apreensão de material bélico de vários calibres.
“Havia uma mistura de ramos de guerrilheiros. Como sempre, eu fazia parte de artilheiros, mas não foi preciso usar qualquer armamento porque o inimigo se rendeu e capturámos todos soldados que ali se encontravam. Foi um assalto bem sucedido e nós estávamos bem preparados para o efeito” - revelou Chuluma.
O assalto a Namblilyao ou simplesmente “posto Omar” constituiu maior golpe de sempre à tropa colonial, acção determinante para a libertação do país, depois dos soldados da Frelimo terem resistido à famosa “Operação Nó Górdio”, dirigida pelo general Kaúlza de Arriaga, que prometera liquidar a Frelimo em apenas uma semana.
ESQUECEMO-NOS DA TROCA DE TIROS
O NOSSO entrevistado revelou, por outro lado, que já no fim da guerra de libertação nacional chefiou um grupo que se foi encontrar com a tropa portuguesa estacionada na vila de Palma, a pedido desta, porque pretendia fazer a entrega de alguns bens já que os sinais do fim de troca de tiros eram evidentes.
“Partimos a pé da base Beira, em Nangade, em direcção à sede distrital de Palma com instruções bem claras dos nossos chefes sobre a missão que tínhamos. Lembro-me que pernoitámos no posto de Olumbi e informaram-nos que viria ali um helicóptero, mas eu disse aos colegas para que não aceitássemos a boleia, e dito e feito, preferimos viajar de canoa por uma questão de segurança”, explicou.
Em Palma, segundo lembrou, foram recebidos pelos portugueses e tratados com cordialidade. “Permanecemos cerca de 3 dias, os Acordos de Lusaka foram assinados quando nós estávamos em Palma e brindámos com os soldados portugueses, foi uma festa de muita euforia e muito bonita. Por alguns momentos, esquecemos que eram de lados opostos. Esquecemo-nos da troca de tiros”.
Maurício Chuluma disse que depois da independência ocupou vários cargos, “mas antes, entre 1974 e 1975, trabalhei no posto administrativo de Mieze. A minha missão principal era informar à população o que era a Frelimo, porque havia muita desinformação, tropa colonial havia disseminado a mensagem de que a Frelimo era coisa dos makondes”.
Proclamada a independência, Maurício Chuluma ocupou o cargo de comissário político no comité provincial da Frelimo em Cabo Delgado e um ano depois voltou à União Soviética na companhia dos generais Domingos Fondo, Marcos Mabote e outros, para participar numa formação superior de Exército regular.
“Voltámos da URSS em 1978, nesse mesmo ano, indicaram-me para desempenhar a função de comandante nacional de artilharia antiaérea e em 1979 fui transferido para Beira, onde desempenhei o cargo de comandante da 5.ª brigada para dirigir as operações militares para fazer face às incursões armadas que eram perpetradas pela Renamo” - contou.
CHULUMA PASSA À DISPONIBILIDADE
A FONTE afirma que sempre esteve ligado à vida militar, sendo que em 1987 assumiu um dos cargos de muita responsabilidade militar, o do chefe do Estado-maior da Força Aérea, função que desempenhou até 1989. Já em 1994, Maurício Bento Chuluma passa à disponibilidade com a patente de tenente-coronel.
“Em 1994 fiz parte da comissão criada para integração dos desmobilizados de guerra, depois passei à disponibilidade e voltei para minha terra, em Muidumbe, onde tento lutar para a vida, fazendo machambas e pequenos negócios. Neste momento tenho um projecto em carteira. Preciso de um financiamento para construir uma pensão na sede distrital de Muidumbe”- afirmou.
A nossa fonte disse que tem conhecimento da existência do Fundo da Paz recentemente criado pelo Governo, “vou concorrer, mas preciso de desenhar bem o projecto e pessoalmente não sei como fazer, por isso gostaria que alguém me ajudasse neste sentido. Preciso muito desse dinheiro”.
Por outro lado, Chuluma disse ter sido gratificante ajudar a libertar o seu país. Gratificante também é ver o país crescer e unido. Pessoalmente não tenho muito que lamentar como tenente-coronel, tenho uma pensão digna, mas gostaria de ter um financiamento para um auto-negócio”, sublinhou.
Questionado pela nossa reportagem se era este Moçambique que sonhava, explicou: “No geral é isso que queríamos, libertar a terra e os homens”, para depois observar que “há muita coisa a discutir, a vida de um país é algo dinâmico e não estático, portanto, sempre teremos que discutir sobre a melhor forma de viver, desde que isso não se resvale em violência”.
JONAS WAZIR
NOTÍCIAS – 07.07.2015